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Ações pedagógicas que somam, sem se sobrepor à qualidade do produto

Por Sivia Solter   11 de setembro de 2002
Foto de Divulgação
Rio de Janeiro - O encontro do educador do movimento e coreógrafo paulista Ivaldo Bertazzo com os jovens e as crianças do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré rendeu seu terceiro fruto. “Dança das marés”, em cartaz no Ginásio do Sesc da Tijuca até o fim de setembro, é resultado do amadurecimento evidente do Corpo de Dança da Maré, um grupo de mais de 60 jovens habitantes do Complexo da Maré, capitaneado por uma equipe multidisciplinar, tenaz e competente. No cruzamento entre projeto social e criação artística, o espetáculo torna-se eixo norteador para as ações pedagógicas que somam, sem se sobreporem, à qualidade do produto que chega ao palco. Um palco que o SESC criou em respeito à especificidade do produto.

Temática chega ao indivíduo e seu cotidiano.

Em “Mãe Gentil”, primeiro espetáculo de Bertazzo com “cidadãos dançantes” oriundos de setores populares, a visão de um Brasil contraditório servia de tema e de pano de fundo para os jovens dançarinos cercados de convidados especiais. Corpo-país.

O foco foi se fechando do Brasil para o Rio e “Folias Guanabaras” trouxe o Complexo da Maré, uma quase cidade dentro da cidade, como alegoria para a ação. Corpo-cidade. As presenças de Elza Soares, Rosy Campos e Seu Jorge apoiavam e protegiam o corpo de dança num espetáculo grandioso.

Neste terceiro passo, o zoom de Ivaldo trouxe para o centro da cena cada jovem do corpo de dança. Corpo-casa. Histórias íntimas desses cidadãos são costuradas por Dráuzio Varella, resultando num texto que relata o que há de universal e de particular na experiência da infância e da adolescência daqueles que vivem hoje na Maré.

Com o passar do tempo, momentos leves e cômicos cedem espaço para a densidade e para a consciência quase trágica do impacto da violência no curso da vida de cada um. Mesmo que bastante apropriados, não é sempre que os textos recebem, por parte dos intérpretes, um tratamento natural.

Em “Dança das Marés” não há convidados especiais. Há, no entanto, uma parceria fértil com o grupo mineiro Uakti. Sua presença discreta garante brilho e criatividade à música . Um espetáculo à parte. Na primeira cena da peça, um pêndulo inaugura o ritmo, elemento central na dança de Bertazzo. A dança indiana, devidamente incorporada pelos jovens a ponto de ganhar nuances bastante pessoais, exige complexas divisões rítmicas que são defendidas com segurança pelo Corpo de Dança.

Em “Dança das Marés”, as bonitas danças de conjunto, marca dos dois espetáculos anteriores, são acompanhadas por momentos de solos e duos. O coro de dança é, muitas vezes, desmembrado deixando emergir a singularidade de cada dançarino. Corpos diferentes num ritmo comum.

Ao deixar a tarefa da cena apenas para o corpo de dança, Bertazzo arrisca e acerta. A continuidade e a qualidade da informação recebida pelos jovens garantem um espetáculo delicado, preciso e cheio de esperança.

DANÇA DAS MARÉS O Corpo de Dança da Maré dança coreografia de Ivaldo Bertazzo. O roteiro é de Drauzio Varella, o figurino, de Chico Spinoza e a trilha sonora, do grupo Uakti. Ginásio do Sesc-Tijuca: Rua Barão de Mesquita 539 — 2238-4566. Sex e sáb, às 21h. Dom, às 19h. R$ 10.

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