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Inclusão: uma educação mais do que especial
Felipe Almeida nasceu com uma anomalia no sistema nervoso central. Não consegue movimentar as pernas, tem problemas múltiplos de coordenação motora e dificuldade para falar. Devido a essas deficiências e à condição financeira da família, Felipe teve de viver os primeiros anos de vida rastejando – passava a maior parte do dia em um quartinho dentro de casa. Em 2002 ele comemorou oito anos de idade e iniciou seu quarto ano de estudo, depois de ter completado a Educação Infantil.
Hoje, Felipe está na primeira série do Ensino Fundamental de uma escola pública em Sorocaba, cidade no interior de São Paulo que o inseriu, usando uma fórmula de sucesso, em uma história pioneira na área de inclusão. Atualmente, Felipe está alfabetizado e convivendo tranqüilamente com os colegas ditos normais – e também com outros 12 alunos portadores de deficiências, que freqüentam a mesma unidade. A professora de Felipe, Deodete Bacos, garante que a inclusão não atrapalhou em nada os estudos das outras 38 crianças da classe. Ao contrário, enriqueceu a vida de toda a escola. "Meus alunos jamais terão preconceito com relação aos portadores de deficiência", afirma convicta a professora.
Felipe é um dos 110 mil alunos portadores de necessidades educativas especiais que estudam em classes regulares no país. A matrícula desses estudantes vem crescendo – desde 1998, aumentou 135% – mas eles ainda são a minoria. A maior parte dos estudantes que portam algum tipo de deficiência – a mental é a mais comum, seguida da auditiva, da visual e da física – estuda em salas especiais, com outros alunos deficientes que recebem um ensino adaptado. Somam cerca de 400 mil alunos, número quase quatro vezes maior do que a matrícula de inclusos.
Raio-x da deficiência Esses dados fazem parte do Censo Escolar 2002, divulgado recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). O levantamento é primordial para o governo: o Ministério da Educação (MEC) utiliza os resultados das pesquisas para analisar a situação do ensino – público e privado – e para planejar as políticas públicas nos próximos anos. Nesse caso, além de comprovar a tendência histórica de migração dos portadores de necessidades educativas especiais das classes separadas para as convencionais, o censo dá margem a um cálculo cujo resultado é triste. Há quase 6 milhões de brasileiros em idade escolar, portadores de algum tipo de deficiência, que não recebem atendimento algum, nem nas escolas e instituições especializadas e muito menos nas classes regulares.
Enumeram-se várias causas para essa exclusão: falta de vagas e estrutura nas escolas, desinformação dos pais e o preconceito social. É comum encontrar escolas pelo Brasil, mesmo as especiais, que desobedecem a constituição, negando a matrícula aos alunos com algum tipo de deficiência, severa ou não. Pelo receio de passar por constrangimentos, os pais dos estudantes rejeitados normalmente não procuram a Justiça buscando garantir a vaga do filho, indo contra a orientação do próprio MEC.
Fim da Educação Especial? Os especialistas dividem-se quando o tema em pauta é a extinção das classes especiais e das escolas especializadas no país. Os pedagogos e gestores da educação concordam apenas em um ponto: se a inclusão acontecer sem nenhuma mudança na postura da escola e do professor, poderá determinar uma exclusão tão grande quanto a segregação dos estudantes deficientes em salas separadas.
Maria Teresa Mantoan, Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (Leped) da Unicamp, defende que "as classes especiais devem ser fechadas o mais breve possível". Em entrevista exclusiva à NOVA ESCOLA ON-LINE, a doutora em educação e autora de oito livros sobre o tema, explica que a inclusão é um desafio que, se enfrentado, enriquecerá a prática de ensino de qualquer escola. "A inclusão fará o corpo escolar promover mudanças. O ensino não evolui porque os professores não tem desafios", afirma. Para ela, instituições de Educação Especial usam o discurso da inclusão para continuar fazendo a mesma coisa, segregando estudantes de forma arbitrária. "Agrupar pela diferença é impossível. O que nos iguala é a diversidade", explica.
Para a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), a maior instituição de ajuda aos portadores de deficiência mental do mundo, a Educação Especial não pode acabar. Para Edgilson Tavares, coordenador do Instituto Apae de São Paulo, a maior das 1800 Apaes espalhadas pelo país, as redes de ensino ainda não estão preparas para receber esses alunos. Ele alerta para o fato de que a adequação das escolas não é uma tarefa de fácil execução. Tavares explica que muitas crianças portadoras de deficiência – a maioria, segundo ele – precisa de um atendimento individualizado, com um ambiente e um ensino adaptados.
Por muito tempo as crianças que nasciam com algum tipo de deficiência no país não podiam contar com o apoio do serviço público. Foi por isso, segundo Tavares, que as Apaes se desenvolveram pelo Brasil assumindo a responsabilidade pelo atendimento desse público. A Apae de São Paulo sensibiliza escolas que buscam na instituição informações sobre os procedimentos básicos para a inclusão e ainda produzem Kits que são enviados (veja abaixo como pedir o seu) para professores que querem aprender mais sobre o assunto. Além disso, a Apae-SP oferece uma educação adaptada – da Educação Infantil até o Ensino Médio Profissionalizante –, que busca formar os deficientes e garantir, por meio de convênios, uma vaga no mercado de trabalho.
Já a secretária de Educação Especial do Ministério da Educação, Marilene Santos, afirma que a maioria dos alunos matriculados em classes e escolas especializadas tem condição de estar em escolas regulares. "Basicamente, esses estudantes foram excluídos do sistema educacional", explica em entrevista concedida à NOVA ESCOLA ON-LINE. Marilene explica que a estratégia do governo é colocar todos os alunos nas escolas regulares. Assim, os professores, a escola e a comunidade aprenderão a conviver com a diferenças. "Nenhum pai estava preparado para ter um filho deficiente. Ele aprendeu a conviver com ele a partir desse problema", compara.
Na prática, a Secretaria de Educação Especial do MEC parece não estar investindo na inclusão. Aplica atualmente 80% dos recursos em instituições especializadas privadas. Marilene afirma, no entanto, que essas instituições compram os materiais mas os repassam integralmente para a rede pública. "Precisávamos de equipamentos de alta qualidade. Com a licitação os governos escolheriam os materiais mais baratos", explica. A secretária reafirma que a tendência é a inclusão. "Vamos remanejar os recursos da Educação Especial para criar uma rede de apoio para a rede regular", promete.