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Crianças da Baixada querem continuar a fazer música

Por Marcelo Carvalho /IBASENET   17 de setembro de 2002
Rio de Janeiro - Como é possível uma entidade receber um importante prêmio por serviços prestados às crianças e adolescentes de uma das mais pobres regiões do Brasil e, no mesmo mês, perder o financiamento do Estado? Essa é a situação da Associação do Movimento de Compositores da Baixada Fluminense (AMC).

Depois de ganhar, com outras 99 entidades de todo o Brasil, o Prêmio Banco Mundial de Cidadania, em junho, a AMC entrou em crise quando a Secretaria de Cultura do Estado cortou o financiamento, inviabilizando o funcionamento da Escola de Música da entidade. Para comemorar o trabalho realizado e denunciar o estado difícil da instituição, a AMC promoverá um evento na sua sede, em São João de Meriti, no sábado, 14 de setembro, às 14h.

Todo o alunado irá tocar. A gente quer fazer um evento festivo, acreditamos no projeto, nós e muitas outras pessoas. Estamos convocando a comunidade, as famílias das crianças, a imprensa para expormos formalmente a situação. Para que, se tivermos que fechar, as pessoas saibam que tentamos de tudo. Estamos batendo em todas as portas", afirma Lena de Souza, diretora da AMC.

A AMC trabalha há cinco anos com crianças e adolescentes de 9 a 17 anos. Só em 2002 já freqüentaram as aulas mais de 100 estudantes. Quem não tem instrumento, vai diariamente à escola. Quem tem, precisa ir pelo menos três vezes na semana. Várias vocações estão sendo reveladas e muitas crianças pensam em fazer faculdade de música no futuro.

A Escola oferece cursos de cavaquinho, clarineta, teoria musical (disciplinas ministradas pelo professor Bernard von der Weid, que também é o coordenador geral da AMC), violão (professor Amarildo Cardoso), percussão (professor Coquinho do Vilar) e orientação musical (com professor Ronaldinho da Matriz, compositor e cantor

Há vários grupos formados para apresentações. Além do Grupo de Samba, formado por compositores e compositoras, há bandas de estudantes como o Grupo de Choro da AMC, Grupo As Meninas do Samba, Trio Instrumental, Orquestra de Pandeiros e o Grupo de Samba dos Meninos da AMC. Na bagagem, apresentações no teatro Carlos Gomes, na Casa da Ciência de Botafogo, na abertura de festival de Cinema no Espaço Unibanco, no Sesc, UFRJ e na Casa de Cultura e Casa de Seresta de Conservatória, interior do Estado.

A atividade ajuda na formação musical, além de ser uma forma das crianças e adolescentes continuarem no ensino regular sem que precisem abandonar os estudos pela necessidade das famílias ganharem dinheiro. "Adolescentes com 15, 16 anos já começam a ser solicitados a ajudar financeiramente em casa. Isso cria um problema social grave. E como é que comumente conseguem esse dinheiro? Como camelôs, nos trens e ruas, atividades que os deixam mais expostos à violência", alerta Lena.

De volta ao começo

A Casa do Compositor é o embrião da AMC. Surgiu com a união de compositores da região que criaram um espaço para que pudessem mostrar suas composições. Enfim, uma casa do samba e do choro em São João, ponto de encontro de instrumentistas que facilitasse a troca de informações, além de pólo de lazer e cultura no município. É também um lugar onde podem trabalhar as partituras para posterior registro de suas músicas. Mais de 80 já foram registradas na Escola de Música da UFRJ desde a criação da AMC.

A onda do pagode comercial, financiada pela indústria fonográfica, ocupou um espaço enorme na sociedade. E o samba autêntico e o chorinho tornaram-se ritmos estranhos para as pessoas. "Quando as crianças entram para a Escola, preenchem uma ficha de inscrição. Um dos itens que têm que responder é quais os compositores, entre os que listamos, que elas já ouviram falar. Veja bem, não perguntamos se já ouviram as músicas, mas se conhecem os nomes que estão escritos ali. São aproximadamente 15 compositores, Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho etc. A maior parte não conhece nenhum. Como vão conhecer esses artistas se não tocam no rádio ou aparecem na televisão?", critica Lena. "Mas, depois que conhecem, se apaixonam", arremata.

No início, a Escola era mantida por 30 pessoas, com doações mensais de R$ 30. Já havia os instrumentos musicais necessários. O dinheiro era suficiente para o aluguel da sede, um mínimo de infra-estrutura e uma pequena ajuda de custo para professores/as.

O sistema perdurou por três anos. Como a casa alugada era pequena, eram comuns atividades no quintal. Com o tempo bom, tudo bem, mas em dias de chuva a situação complicava. Representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) conheceram o projeto. O banco financiou a compra da sede e propiciou a construção de quatro salas de aula.

O projeto cresceu e as contribuições pessoais já não eram suficientes. Foi quando se firmou a parceria com a Secretaria de Cultura do Estado, que custeou por dois anos o projeto. Em abril, a diretoria da Escola procurou a Secretaria com o objetivo de renovar o contrato. Em fim de mandato, foi prometido financiamento até dezembro. No entanto, em junho, a Secretaria alegou não ter recursos suficientes para manter a Escola.

"Nós contávamos com esse financiamento. Os professores estão sem salário. Os amigos continuam ajudando, mas isso não cobre as despesas atuais porque a Escola cresceu muito. O projeto é importantíssimo para essa região. Deveria até estar sendo implementado em outros lugares", afirma Lena.

"Nós trabalhamos com as crianças questões como solidariedade, amizade e a importância de se estudar. Isso tudo através das raízes musicais do povo brasileiro, ensinando samba e chorinho. Toda sexta-feira temos um momento no qual conversamos sobre outros assuntos como drogas, gravidez na adolescência, a importância do voto. É a consciência do coletivo que nos interessa. A Escola fecha às 17h30, mas as crianças não vão embora, ficam zangadas porque não funcionamos no fim de semana. Elas acreditam no futuro. Continuamos trabalhando porque não se pode fechar as portas de uma instituição como a nossa, de repente. O que vão fazer essas crianças se isso acontecer?", pergunta para a sociedade a diretora da AMC.


Rua Duque de Caxias, n° 536, Vila dos Teles São João de Meriti - RJ CEP 25560-060 Tel: (21) 2752-8876 E-mail: amc@alternex.com.br

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