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Cria Fazendo Arte

Por Rest- Revista do terceiro setor   19 de setembro de 2002
São Paulo - Entrevista

Uma entrevista sobre temas relevantes para o Terceiro Setor

Utilizar a arte para despertar em jovens menos favorecidos economicamente a consciência para a educação, saúde e cultura. Com essa idéia surgiu em 1994 o CRIA - Centro de Referência Integral do Adolescente, pelas mãos de Maria Eugênia Millet, enquanto ela desenvolvia o projeto pessoal "Centro de Referência de Artes Cênicas para a Formação de Adolescentes", com apoio da Fundação MacArthur. Desde então, a ONG, sediada em Salvador (BA), vem desenvolvendo projetos de educação para a cidadania, produzindo peças teatrais, pesquisas, vídeos, agendas e outras formas de utilização da arte para abordar DST/Aids, escola, amor, liberdade, entre outros temas. O empreendimento mais recente é a peça "Você precisa de quê?", que trata do consumo de substâncias psicoativas e é protagonizada por doze jovens entre 12 e 17 anos. A Rets entrevistou Maria Eugênia, atualmente na coordenação da ONG. Atriz e professora da UFBA, ela conta sobre o que motivou a montagem da peça, as atividades da entidade e o uso do diálogo nas relações humanas.

Rets - Por que o CRIA resolveu montar uma peça sobre o consumo de substâncias psicoativas? Surgiu alguma demanda?

Maria Eugênia Milet - Os últimos dados divulgados contextualizam e reforçam a necessidade de reduzir danos com relação ao uso de substâncias psicoativas. Nove milhões de pessoas (19,4% da população das 107 maiores cidades do Brasil) já consumiram, ao menos uma vez na vida, algum tipo de droga ilícita. Os dados fazem parte do primeiro levantamento domiciliar do uso de drogas psicotrópicas no Brasil, divulgado durante a semana nacional anti-drogas (junho 2002), no Palácio do Planalto. No entanto, o espetáculo também alerta para a dependência de drogas lícitas. A dependência de álcool é a maior do país, e o nordeste é a região que revela os maiores índices, inclusive entre os adolescentes e jovens. Dos adolescentes de 12 a 17 anos, por exemplo, 5,2% já consumiram álcool e dos jovens com idade entre 18 e 24 anos, o percentual é de 15,5%. Em termos gerais 16,9% dos brasileiros são dependentes do álcool. Essa pesquisa foi feita entre setembro e dezembro do ano passado, com pessoas entre 12 e 65 anos. O espetáculo "Você precisa de quê?" resulta da primeira etapa de capacitação de jovens multiplicadores vinculados ao projeto Mobilização e Arte pelos Direitos Humanos, realizado pelo CRIA, apoiado pelo UNICEF, com consultoria do CETAD (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas) que também funciona aqui em Salvador.

Rets - Como foi o processo de escolha dos participantes e do enfoque da peça? Foram realizadas pesquisas para compor essa peça?

Maria Eugênia Milet - Toda a capacitação dos jovens foi feita pela equipe do CETAD, que é formado por um grupo de pesquisadores, essencialmente. O que nos interessa é problematizar a questão das drogas no contexto de uma sociedade de consumo onde estamos imersos na lógica do TER. Outra questão é romper os preconceitos. Levantar questões, se avaliar e provocar que o outro se avalie com relação a nossa postura diante dos usuários. Enfim, o espetáculo não busca trazer verdades absolutas mas explicitar questões muitas vezes ocultadas como a cadeia do tráfico, a angústia das famílias diante da questão e a essência dos questionamentos dos adolescentes, principalmente no que diz respeito aos seus medos, angústias e necessidade de liberdade.

Rets - Como surgiu o CRIA?

Maria Eugênia Milet - O CRIA surgiu ao longo do desenvolvimento do projeto “Centro de Referência de Artes Cênicas para a Formação de Adolescentes” idealizado por mim e apoiado pela Fundação MacArthur, através de Bolsa Individual do Fundo de Capacitação e Desenvolvimento de Projetos (1993/96).O CRIA é uma ONG fundada em fevereiro de 1994. É sediada no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, e tem como objetivo contribuir com a melhoria das políticas públicas de educação, saúde e cultura, a partir de um trabalho de arte e educação, centrado no teatro feito por adolescentes e jovens de diversos bairros da cidade, a maioria provenientes de camadas populares e estudantes de escolas públicas.A ênfase dos trabalhos recai na formação dos adolescentes, jovens e familiares do CRIA enquanto dinamizadores de ações culturais e educativas - envolvidos na co-gestão da ONG - e também no processo de construção de parcerias com diversos grupos e instituições da cidade. Desta forma, o CRIA constitui-se como espaço permeável a trocas e experiências comunitárias que venham agregar e estruturar seus conhecimentos construídos coletiva e dinamicamente, com vocação para fomentar redes de intercâmbio artístico-culturais.

Rets - Quais as formas de ação mais utilizadas pelo CRIA? Que projetos estão em andamento hoje em dia?

Maria Eugênia Milet - Mobilização social através do teatro: um teatro pautado no exercício criativo e poético dos jovens e de todas as pessoas envolvidas, que conduz e aponta os métodos de formação para que esses jovens sejam multiplicadores dessa experiência cultural e educativa; articulação dos poderes públicos; formação de adolescentes e educadores; articulação de redes são as prioritárias hoje. O CRIA desenvolve um projeto institucional que tem como centralidade a mobilização social a partir de ações educativas através do teatro nas escolas públicas em que estudam os jovens-atores dos grupos de teatro e poesia. Esses jovens são os dinamizadores culturais responsáveis pela articulação e sensibilização de pessoas da escola, comunidade, centros de saúde e do MIAC - Movimento de Intercâmbio Artístico Cultural pela Cidadania. Além disso, o CRIA desenvolve projetos em parceria: este ano, estamos trabalhando com o SERTA (Serviço de Tecnologia Alternativa) na Bacia do Goitá (PE); teatro sobre desenvolvimento local sustentável na zona rural; a concepção e coordenação do projeto é da TIM ARTEDUCAÇÃO em sete cidades do interior da Bahia - formação de redes de arte-educação para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes; implementação de uma proposta curricular que traz a arte em sua centralidade junto a uma escola municipal de Salvador; sensibilização de escolas da região metropolitana de Salvador (Camaçari e Dias D'Ávila) para a questão da participação dos adolescentes no projeto escolar e a importância da arte na escola; assessoria técnica para a formação de rede cultural no Baixo-Sul baiano; participação e formação do MIAC nas áreas de arte, produção cultural e comunicação.

Rets - Por que o CRIA fez a opção por desenvolver atividades em duas áreas - educação e saúde - tão complexas?

Maria Eugênia Milet - Porque consideramos a educação e a saúde direitos fundamentais do ser humano e que não só precisam ser garantidos como qualificados, principalmente no que se refere ao atendimento às crianças e adolescentes. Sem isso, a situação de risco social tende a um caos sempre maior.

Rets - Com a experiência adquirida pelo CRIA, é possível delinear ou eleger uma forma ideal, ou ao menos mais eficaz, de se lidar com os adolescentes?

Maria Eugênia Milet - Acreditamos que a forma ideal para se trabalhar com qualquer tipo de pessoa é através do diálogo. Para isso é preciso a educação da sensibilidade para uma escuta mais sensível que promova olhares mais poéticos, intensos, apaixonados para o mundo, coisa rara hoje em dia. A arte surge, assim, como necessidade. A forma ideal, portanto, é a arte de estar junto, criando teatro, música, poesia, danças, desenhos, percursos de educação.

Rets - Quem apóia o trabalho do CRIA?

Maria Eugênia Milet - A CESE (Coordenação Ecumênica de Serviços), Lei Estadual de Incentivo à Cultura - FazCultura/Governo da Bahia, Fundação Ford, Fundação MacArthur, Fundação Odebrecht, Instituto Credicard, Instituto WCF-Brasil, IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural), Maxitel/TIM, Pathfinder do Brasil, Pommar/USAID, SMEC, SMS, UNESCO, UNICEF.

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