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Reformando a casa e transformando pessoas

Por Engel Paschoal   17 de setembro de 2002
São Paulo - Em 1999, os arquitetos Patrícia Chalaça e Marcelo Souza Leão, de Recife, PE, criaram o projeto Casa da Criança para reformar, sem usar dinheiro, creches, orfanatos e abrigos. Ainda na faculdade, Patricia queria construir uma creche. Um dia, visitou o abrigo estadual Casa de Carolina e ficou indignada com as precárias condições do local. Junto com colegas arquitetos, levou ao Governo do Estado um projeto de reforma, que foi autorizado na hora, porque não havia custo para os cofres públicos. Empreiteiras e empresas de material de construção doaram material e mão-de-obra e, em pouco mais de um mês, as 100 crianças da Casa de Carolina passaram a ter um local digno. Se fosse paga, a reforma teria custado R$ 600 mil.

A idéia da Casa da Criança começou a se espalhar, reunindo arquitetos, decoradores, designers e artistas plásticos, e agregando empresas da área da construção civil e fabricantes ou fornecedores de materiais de construção. Os patrocinadores nacionais são Amanco, Brasilit, Celite, Fabrimar, Florense, Nassau, Sicmol, Siemens e Suvinil. Até agora, foram arrecadados R$ 10,5 milhões, contabilizando-se mão-de-obra cedida por construtoras, materiais como cimento, tijolo, cerâmica, e decoração, como colchões, colchas, brinquedos, cortinas, luminárias, quadros, equipamentos. Desde que começou, a Casa da Criança já envolveu mais de 6 mil profissionais para a reforma de 21.113 m², beneficiando 1.800 crianças. As instituições reformadas são 12, a partir de Recife (única cidade onde o projeto atuou em 1999), chegando, em 2000, a Brasília, e em 2001 a Maceió, AL, Natal, RG, e Jundiaí, SP. Até o final de 2002, vai atender mais seis unidades em São Paulo, SP, Fortaleza, CE, e Goiânia, GO. Em São Paulo, os parceiros são o Instituto Camargo Corrêa e as construtoras Bratke Collet, Método Engenharia, Novomarco e INPAR. O IAS - Instituto Ayrton Senna banca o deslocamento dos interessados para treinamentos. Como observa Marcelo Medeiros (Sonho que se sonha junto, Rets – Revista do Terceiro Setor 5/04/02), “Por este motivo, o projeto é chamado de franquia social, já que ele funciona como uma franquia mesmo, dando treinamento e um acompanhamento passo a passo para quem quer desenvolver um projeto similar”.

O projeto Casa da Criança funciona como uma mostra de decoração: escolhe-se a instituição, avaliam-se os espaços e o que se propõe para melhorá-los, arquitetos e decoradores os “adotam” e fazem a reforma. Tudo com profissionalismo. A responsabilidade das construtoras vai do início ao final da obra, passando pela cobertura, redes hidráulica e elétrica. A Fabrimar, por exemplo, fornece o que há de melhor para cada ambiente: torneiras com fechamento automático onde há grande fluxo de pessoas, evitando o desperdício de água, e torneiras com sensores eletrônicos, que garantem mais higiene. O cuidado é ainda maior com as salas de aula e de artes, área médica, biblioteca, parte destinada aos esportes e refeitórios. Isso porque se pretende que estes espaços despertem o interesse pela leitura e pelos estudos, tornem a consulta médica mais alegre e até ajudem no ingresso no mercado de trabalho, com aulas de computação, reforço escolar, inglês, dança e música.

Empresas também procuram fazer da reforma um meio de transformação dos seus colaboradores. Em abril do ano passado, como parte da programação da Convenção de Gerentes de Serviço, promovida anualmente pela DaimlerChrysler, profissionais da rede de concessionários passaram o dia reformando o centro comunitário Criança Feliz, na Vila Brandina, em Campinas, SP, que assiste 120 crianças. Divididos em grupos, e com o apoio da Feac - Federação das Entidades Assistênciais de Campinas, reformaram instalações elétricas, construiram paredes, colocaram pisos e gramaram áreas livres, sempre acompanhados por profissionais especializados, não só para garantir a perfeição das obras, como a segurança das pessoas. “Nossa proposta é sensibilizar os participantes quanto à responsabilidade social, despertando-os para a importância do envolvimento com a comunidade, na qual estamos inseridos. Esperamos, com isso, que ações semelhantes possam se multiplicar, estendendo-se a todos os funcionários da rede de concessionários do Brasil”, diz Matthias Barth, diretor adjunto da Divisão de Assistência Técnica da DaimlerChrysler do Brasil.

O exemplo é dado também pelas religiões. Dia 7 de setembro, 50 mil voluntários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias reformaram 200 escolas públicas em 150 cidades dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará e Amazonas. Em São Paulo, já é o quarto ano. Em 2001, oito mil voluntários trabalharam em 28 escolas, consumindo 1.000 latas de 18 litros de tinta, quatro mil pincéis, rolos e espátulas, entre outros materiais, beneficiando 40 mil estudantes.

Transformando casas e crianças, a gente também se transforma. É só tentar.

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