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O trabalho infantil no Brasil

Por Cilene Marcondes/ Cidadania-e   19 de setembro de 2002
Foto de Divulgação
São Paulo - Um dos maiores desafios no Brasil é a erradicação do trabalho infantil. Apesar da Constituição Federal proibir o trabalho de meninos e meninas com idade inferior aos 16 anos, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 4,5 milhões de crianças do campo e da cidade já estão no mercado de trabalho, sendo que 1,5 milhão deles têm idade abaixo de 10 anos, trabalham em torno de 48 horas semanais e recebem cerca de meio salário mínimo por mês.

Esta triste realidade coloca o Brasil em terceiro lugar na utilização da mão-de-obra infantil na América Latina, só perdendo para o Haiti e Nicarágua. Como nesses dois países, o trabalho infantil no Brasil é mais freqüente na área rural (53%), em especial na agricultura. Já na área urbana, a atividade que mais absorve o trabalho de crianças é a doméstica, em residências, que, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), emprega mais de 500 mil crianças no País. Em seguida, ficam o comércio informal, os lixões e a prostituição.

Prejuízos do trabalho infantil

O trabalho infantil é condenável sob vários aspectos. A criança que trabalha está privada dos seus direitos básicos de educação, lazer e saúde, já que todos estes campos são diretamente afetados pelo trabalho. De acordo com especialistas das mais diversas áreas, a criança obrigada a trabalhar precocemente tem seu desenvolvimento físico, psicológico e emocional definitivamente afetados.

Apesar da existência de normas internacionais legais, como Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em 1973 e ratificada pelo Brasil em 1999, que define como 15 anos a idade mínima de admissão ao emprego, relacionando-a à obrigatoriedade escolar, mais de 250 milhões de crianças trabalham no mundo atualmente. Para combater o problema, diversas ações têm sido adotadas nos últimos anos. Entre elas, está a criação pela OIT, em 1992, do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, e a realização da Marcha Global Contra o Trabalho Infantil, em 1997. A Marcha surgiu quando grupos de defesa dos direitos humanos de todo o mundo se mobilizaram para proteger a criança contra a exploração do trabalho infantil e qualquer atividade considerada prejudicial à sua formação.

No Brasil, além da Constituição Federal, há o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que elaborou regras para que se respeitem a criança e o adolescente como cidadãos sujeitos de direitos e deveres, conferindo-lhes prioridade absoluta, sobretudo na elaboração e implementação de políticas públicas. Em 1994 foi criado o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, uma iniciativa patrocinada pela Unicef e pela OIT que envolve governo e organizações não-governamentais. O Fórum desenvolve o Programa de Ações Integradas (PAI), que busca a articulação de ações de governo e sociedade civil em regiões onde a situação é mais crítica. “Toda essa mobilização resultou em dois pontos: a inclusão do combate infantil nas políticas públicas e a redução da utilização dessa mão-de-obra de 1992 a 1995”, explica a Isa Maria de Oliveira, secretária executiva do Fórum.

Segundo um estudo do Núcleo de Assessoria, Planejamento e Pesquisa (Napp), houve uma queda significativa do número de crianças trabalhando de 1995 a 1996, mas de 1996 a 1999 não houve diminuição. A queda de 1995 a 1999 correspondeu a cerca de 90% da variação total. Entre 1996 e 1999, a variação foi inexpressiva, representando apenas 2,4%. “Num primeiro momento houve o choque, as imagens de crianças trabalhando nos lixões e nas carvoarias, que mobilizou a sociedade. Agora, é preciso descobrir novas estratégias de sensibilização. As pessoas precisam entender que o problema continua e que lhes cabe uma parte na busca de soluções”, acredita Isa.

De acordo com a jornalista Andréia Peres, autora do livro “A Caminho da Escola – 10 anos de Luta pela Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil”, uma das possibilidades para esta queda é o próprio processo de conscientização sobre o problema. “Acho que ainda estamos no meio do caminho. Num primeiro momento houve o impacto, as grandes denúncias. Hoje, as pessoas deixaram de se chocar com a utilização da mão-de-obra infantil e é preciso partir para a busca de soluções integradas, como a geração de renda da família e a garantia de estudo das crianças”.

O papel de cada um

O combate à exploração da mão de obra infantil envolve questões complexas e de difícil enfrentamento. Em um país como o Brasil, onde a má distribuição de renda coloca milhões de cidadãos vivendo abaixo da linha da pobreza, os ganhos das crianças que trabalham quase sempre representam parte substancial da renda familiar.

Além das questões sócio-econômicas, há o agravante cultural, que valoriza a inserção de crianças no mercado de trabalho com o objetivo de retirá-las do ócio e de uma possível delinqüência. “A erradicação do trabalho infantil não pode ser enfrentada somente pelo governo e pela sociedade civil, é preciso que ocorra uma integralidade”, afirma Isa. Segundo ela, a sociedade precisa acreditar e defender a escolaridade. “Você não pode ter a ilusão de que só programas como o PETI vão resolver o problema”, afirma Isa. O PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, tem como objetivo eliminar, em parceria com os diversos setores dos governos estaduais e municipais, o trabalho infantil. Voltado, prioritariamente, às famílias atingidas pela pobreza e exclusão social, com renda per capita de até ½ salário mínimo, com filhos na faixa etária de sete a 14 anos, este programa possibilita o acesso e permanência dessas crianças e adolescentes na escola, mediante a concessão às famílias de uma complementação de renda, o Bolsa-Escola.

O Ministério do Trabalho também mantém Núcleos de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente nas Delegacias Regionais de Trabalho. O papel dos Núcleos é diagnosticar, planejar, executar, articular e avaliar ações que contribuam para o fim da exploração do trabalho infantil. Uma importante peça na utilização direta ou indireta da mão-de-obra infantil são as indústrias. Consciente deste problema, que muitas vezes não está diretamente na organização das empresas, mas na cadeia produtiva que ela envolve, a Fundação Abrinq, uma ONG envolvida com os direitos das crianças, vem realizando desde 1995 o Programa Empresa Amiga da Criança, que busca o engajamento de empresas no combate ao trabalho infantil, reconhecendo seu compromisso com um selo social. De acordo com Daniel De Bonis, coordenador do Programa, o interesse das empresas na questão do trabalho infantil tem aumentado nos últimos anos. “O próprio comércio internacional já percebeu que a utilização de mão de obra infantil é um fator negativo e está punindo as empresas que não combatem esta prática no seu processo produtivo”, conta.

Uma outra iniciativa da Fundação Abrinq é a campanha Prefeito Amigo da Criança, que reconhece os prefeitos do País que priorizam a criança na sua gestão. “Com relação ao trabalho infantil, o prefeito para ser reconhecido como Amigo da Criança precisa fazer um mapeamento do trabalho infantil na sua cidade e apresentar ações de combate a esta prática”, conta De Bois.

Para o próximo ano, a Fundação Abrinq, em parceria com a ANDI – Agência de Notícias da Criança e OIT, lançará uma ampla campanha abordando o trabalho infantil doméstico, que segundo De Bois, é um dos mais difíceis de ser identificado e combatido, pois envolve questões culturais muito sedimentadas no cotidiano da sociedade brasileira. “As pessoas não identificam a garota que faz o trabalho doméstico como alguém que está sofrendo exploração. Para a maioria das pessoas é uma atividade saudável e que oferece oportunidades, o que não é verdade”.

A imprensa também tem desempenhado um papel fundamental no combate à exploração do trabalho infantil. De acordo com a ANDI, que acompanha a cobertura da mídia nas questões relacionadas a infância e adolescência, o tema trabalho infantil passou de nono lugar no ranking de pautas em 2000, para sétimo lugar no ano passado. “Este aumento acompanha a ampliação das matérias tratando de educação. Uma coisa está diretamente ligada à outra”, explica Patu Antunes, editora de Notícias e Análise de Mídia da ANDI.

“O trabalho infantil é uma pauta que começou a surgir na mídia brasileira com mais força a partir de 1998, com a criação de programas sociais como o Bolsa Escola e o Renda Mínima”, conta Patu. Segundo ela, no início da década de 90, as matérias eram de denúncia sobre a utilização do trabalho infantil em carvoarias, canaviais, olarias, entre outras atividades. “As pessoas não se chocam ou se incomodam mais com uma matéria denunciando o trabalho de crianças, e as pautas agora tendem a fazer mais do que denunciar. Elas precisam apontar alternativas e envolver a sociedade nas soluções”, analisa Patu.

“Uma das ações mais urgentes é a conscientização de que a utilização do trabalho como um formador é um mito”, afirma Isa. Segundo ela, a idéia de que o trabalho enobrece o homem desde a sua mais tenra idade é um equívoco cruel. “Este é um mito cruel, pois só serve para a criança pobre. Pois a classes média e alta reconhecem a necessidade de se oferecer meios para que a criança possa usufruir de uma infância digna, com direito à fantasia, escola e socialização”.

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