Notícias

Comércio justo começa a ganhar espaço no Brasil

Por Carolina Cordioli / Cidadania-e   18 de setembro de 2002
Foto de Divulgação
São Paulo - São cestas e bolsas de fibras naturais, colchas e almofadas de patchwork, bordados. À primeira vista, o Espaço Mundaréu, localizado no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, é mais uma loja como tantas outras espalhadas pelo País que vendem produtos artesanais. Mas, observando melhor os avisos nas paredes do estabelecimento e as etiquetas dos produtos o consumidor logo percebe uma importante diferença. Todos os itens expostos na loja seguem os princípios internacionais do comércio justo, ou seja, foram fabricados por cooperativas, associações, projetos sociais ou empreendimentos coletivos que garantem que o produtor seja o maior beneficiário do resultado do seu trabalho.

O comércio justo também promove a participação dos produtores no processo de planejamento, execução e avaliação dos resultados do trabalho; respeita a originalidade e a identidade culturas dos produtos; garante a ausência de trabalho forçado, trabalho infantil ou de qualquer tipo de discriminação; e promove o respeito ao meio ambiente. Ao todo, são vendidos no Espaço Mundaréu produtos de 26 associações e cooperativas de todo Brasil que respeitam esses princípios.

Sem fins lucrativos, a loja é o primeiro projeto da ONG Associação Mundaréu, voltada para o incentivo do comércio justo. “O intermediário muitas vezes fica com grande parte do lucro. Queremos fazer com que o comércio beneficie o produtor”, explica a coordenadora geral da Associação Mundaréu, Lizete Prata.

Lizete resolveu fundar a Mundaréu quando percebeu que iniciativas governamentais e privadas que tinham como meta o fim da miséria no País ficavam no meio do caminho. "Havia capacitação profissional, mas nenhum auxílio para colocar esse novo profissional no mercado e ajudá-lo a vender. A loja Mundaréu surge como a etapa final desse processo, aproximando o produtor do consumidor, que passa a conhecer o trabalho e tem a chance de adquirir a mercadoria não somente pela qualidade do produto, mas também pela qualidade do processo em que foi produzido", afirma a coordenadora geral.

O conceito de comércio justo

Apesar de só agora estar sendo difundido no Brasil, o conceito de comércio justo não é novo. Ele surgiu na Europa por volta dos anos 60, através de grupos que tinham interesse em ajudar os países em desenvolvimento. A idéia era mostrar ao público europeu as injustiças e o desequilíbrio social causados pelo comércio internacional. Assim, em 1969 foi inaugurada na Holanda a primeira “loja solidária”, que vendia produtos do Terceiro Mundo cuja entrada no mercado europeu era prejudica pelas barreiras comerciais. O movimento logo se espalhou por todo o continente europeu e mais tarde chegou aos Estados Unidos, Canadá e Japão.

Hoje, dezenas de organizações internacionais promovem o comércio justo, como a Federação Internacional do Comércio Alternativo (IFAT, na sigla em inglês), a Associação Européia de Comércio Justo (EFTA) e a Federação do Comércio Justo (FTF). Existem selos que certificam as mercadorias produzidas através do comércio justo e cerca de 3 mil lojas espalhadas pelo mundo que comercializam esses produtos. A coordenadora geral da Associação Mundaréu visitou algumas dessas lojas antes de iniciar o projeto no Brasil. “Estas organizações trabalham principalmente com a comercialização de produtos alimentícios, como café, chá e mel. O Brasil, por exemplo, já vende castanha-do-pará e suco de laranja através do comércio justo”, conta Lizete.

A Associação Mundaréu optou por focar seu trabalho na venda de produtos artesanais. “Vimos que no Brasil existiam muitos projetos sociais para incentivar a produção de artesanato, mas não havia meios para o escoamento da produção”, diz Lizete. A Associação também decidiu investir no desenvolvimento das habilidades das cooperativas produtoras, ajudando na organização da produção. Através de uma parceria com a Fundação Telefônica ela ajuda a estruturar os grupos produtores, promover uma divisão de trabalho, e criar marcas e embalagens mais competitivas.

Outro objetivo do projeto é difundir o conceito de comércio justo no País. Por isso, o Espaço Mundaréu é, além de um ponto de venda, um espaço cultural para a troca de experiências entre os produtores, realização de palestras e workshops. “Para que possamos criar um selo no Brasil, a questão do comércio justo ainda precisa ser mais discutida e valorizada, pois só assim uma certificação será reconhecida”, afirma Lizete. Ela acredita que existe uma grande abertura do consumidor brasileiro para este tipo de produto.

Comércio justo X comércio com justiça

Enquanto a Associação Mundaréu trabalha para difundir o conceito de comércio justo entre os consumidores brasileiros, em abril de 2002 a ONG britânica Oxfam lançou uma campanha mundial para promover o comércio com justiça. “Também trabalhamos com o comércio justo, mas agora estamos tratando de uma tema mais amplo, que é o comércio com justiça”, explica a assessora de mídia e advocacy da Oxfam no Brasil, Kátia Maia.

A Oxfam pretende ir além da abertura de lojas que comercializam produtos do comércio justo. A entidade quer promover uma discussão das regras do comércio mundial. Ela defende que as regras e relações comerciais atuais são injustas e aumentam a situação de exclusão e pobreza no planeta. A campanha da Oxfam pretende levar para o cidadão comum temas complexos como a manipulação do comércio internacional pelos países ricos, a questão da propriedade intelectual, das commodities, entre outros assuntos diretamente relacionados ao comércio.

Junto com o lançamento da campanha, a ONG apresentou o relatório “Mudar as regras – Comércio, Globalização e Luta contra a Pobreza”. “O estudo mostra, entre outros números, que milhões de pessoas poderiam sair da pobreza se a África, América Latina, Sudeste Asiático e Extremo Oriente tivessem sua participação nas exportações mundiais aumentadas em apenas 1%”, afirma Kátia.


Para saber mais sobre a Mundaréu, acesse o endereço www.mundareu.org.br e sobre a Oxfam, www.oxfam.org.

Comentários dos Leitores