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Empresas dão chance a ex-infratores

Por Jornal Valor    18 de outubro de 2001
Recuperação Jovens condenados aprendem profissão e podem ser contratados por grandes corporações



Você daria uma segunda chance a um ex-assaltante de 16 anos? Embora não seja uma resposta fácil, cada vez mais empresários brasileiros têm respondido sim.

A guinada começou em 1999, ano das grandes rebeliões na Febem, em São Paulo. É onde se concentram - capital e interior - 60% dos 22.845 brasileiros entre 14 e 18 anos tidos como "menores infratores", expressão infeliz, mas ainda usada por falta de outra. "Jovens em conflito com a lei", querem alguns. Desses, 4.300 estão presos em São Paulo.

Segundo o Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, em 1997 havia 17 mil adolescentes infratores no Brasil. Em 2000, eram 22.845, 10% do total de criminosos no país. "Privados de liberdade" eram, só no Estado de São Paulo, 2.800, em 1997, e 4.300, em 1999.

Dois fatos tornaram 1999 o divisor das águas. A Febem - cuja prioridade até então era educar, treinar numa profissão e arranjar emprego para o "adolescente carente" -, pressionada, talvez pelas rebeliões, decidiu voltar-se para o "adolescente infrator", que era tratado, até então, só como número.

A decisão foi traumática. Empresas romperam com a Febem. A Ericsson, que até então apoiava projetos, tirou o time de campo. "Vamos procurar parceria com quem cuida de menores carentes", justificaram seus representantes a Laurence Casagrande Lourenço, responsável pela área de Educação Profissionalizante da Febem. Em dois anos, com apoio de empresas privadas e estatais (mais estatais que privadas), Lourenço implantou 17 projetos nos quais os adolescentes aprendem profissões.

Quem são esses adolescentes? O sentimento de Sergio Mindlin, presidente da Fundação Telefônica, é ambíguo. Diz que são "uns caras desse tamanho", "se resolverem bater em mim, estou frito" , "são fortes porque têm muita atividade física, muito esporte", mas também os elogia por esbanjarem energia. Foi Mindlin quem, ao assumir a presidência da Fundação Telefônica, em 1999, criou o segundo fato que abriu as mentes dos empresários.

Tendo presidido a Abrinq, primeira entidade criada por empresários em defesa das crianças, Mindlin ousou propor uma coisa que nenhuma outra empresa fazia: canalizar dinheiro para os jovens infratores. A primeira reação da cúpula foi negativa. Mas Mindlin venceu. Só em 2001, mais de R$ 418,5 mil foram investidos em cinco projetos de cinco cidades, dentro e fora do Estado de São Paulo. Na capital nada foi feito. "Não dava para falar com o governo Pitta."

A estratégia adotada passa ao largo da Febem. "Seria dar um passo grande demais" pondera Mindlin. Optou-se por investir em projetos de Conselhos dos Direitos da Criança, que são municipais, formados, meio a meio, pela sociedade civil e por representantes da prefeitura. E que atendem adolescentes cujos delitos não foram considerados tão graves a ponto de exigir a perda da liberdade.

O projeto mais dispendioso, no valor de R$ 157 mil, chama-se "O adolescente em conflito com a lei e um novo projeto de vida". Sediado em Limeira (SP), atendeu 60 adolescentes em regime de liberdade . A reincidência foi zero.

Contemplado com R$ 37 mil, o Projeto Reintegra Brasil, de Araraquara, foi iniciativa do juiz de menores Silvio Sales. "Eu ficava preocupado com o número de crianças que cometiam crimes." Resolveu, então, criar uma ONG para amparar as crianças. Em um ano de atividade, com 61 adolescentes, a reincidência caiu em 90%.

Alguém pode perguntar: e a Telefônica? Dá emprego a esses jovens? "Não dá", diz Mindlin, "porque a empresa não contrata ninguém com menos de 18 anos". Outras empresas, como a Price Waterhouse Coppers, fazem essa parte. "Temos nosso Comitê de Ação Social", diz Wander Teles, um dos sócios. "Elencamos seis projetos básicos, um dos quais sobre adolescente infrator."

Quem não se surpreende com o talento e as aptidões dos jovens infratores é o presidente da Abrinq, o empresário Helio Mattar. "O adolescente em conflito com a lei tem uma ambição, uma iniciativa, uma vontade, uma energia, que pode ir para o negativo, mas também pode ir para o positivo."

Mattar faz autocrítica e diz não não ser "um bom exemplo": sua pequena rede de restaurantes não dá emprego aos adolescentes. Mas diz ter uma fórmula. "São 8 mil adolescentes infratores em São Paulo. Basta 8 mil empresas contratarem, cada uma, um adolescente. Em São Paulo deve haver 1 milhão de empresas."

Supermercado atua com o Estado Alexa Salomão, Para o Valor, de São Paulo



O Unidão, rede de supermercados do interior do Rio Grande do Sul, investiu em planejamento e parcerias para se transformar em exemplo de empresa voltada à socialização de adolescentes. Seu programa, batizado de Comunidade Unida, nasceu no RH, passou pelo Marketing e só ganhou sinal verde da diretoria após um ano de maturação.

A proposta está em fase de implantação, com apoio do Estado e duas dezenas de organizações não-governamentais (ONGs) em dez municípios onde há uma das 19 lojas da rede. O maior diferencial da proposta é o público alvo: 60 jovens, entre 16 e 18 anos, em risco social. Alguns deles cometeram pequenos delitos. Outros conhecem o abandono e os maus tratos. Todos aprenderam cedo a lei das ruas. "Queremos dar oportunidades, através do trabalho. Mas não vamos fazer isso sozinhos, porque a responsabilidade é de todos: do Estado, da empresa e da sociedade", define do diretor do Unidão, Augusto de Cesaro.

O suporte legal do projeto foi formatado pela Fundação Semear, entidade fundada por empresários da região para trabalhar com projetos sociais. O governo estadual dá a sua cota com o Programa Primeiro Emprego. Paga integralmente o salário médio de R$ 201,14 por um ano, com possibilidade de renovação.

O Unidão foi a primeira empresa a assinar convênio a Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (STCAS) disposta a atender adolescentes em risco social. Firmou um dos maiores contratos também. Dos 6.362 estabelecimentos que já aderiram ao Primeiro Emprego, 72,87% são microempresas, com no máximo cinco funcionários.

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