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Cidadania na ponta dos pés

Por Mariana Loiola   13 de novembro de 2002
Foto de Saburo Miyamoto Crianças durante ensaio de balé
Para quem acha que aula de balé é um luxo, a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil vem com a intenção de provar justamente o contrário - é possível que se constitua em um grande projeto de construção de cidadania através da arte no nosso país. Tendo aberto as cortinas em 2000, a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, localizada na cidade de Joinville, em Santa Catarina, é a primeira e única filial da Escola atuando fora da Rússia, seguindo a mesma metodologia da sua sede em Moscou. Sessenta profissionais, entre professores e pianistas russos e brasileiros, aplicam com fidelidade na Escola brasileira a técnica desenvolvida pelo Bolshoi de Moscou. Instituição sem fins lucrativos, a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil é patrocinada por pessoas físicas e jurídicas através da lei de incentivo à cultura e via doações.

O Brasil conquistou a oportunidade de ser palco desse projeto, em parte, pela grande contribuição do Festival de Dança de Joinville, que acontece, anualmente, há 20 anos. Em apresentação na cidade, profissionais do Ballet Bolshoi de Moscou se impressionaram com a receptividade do público e a estreita relação do local com a dança. No futuro, o projeto de expansão da Escola deverá ser realizado em outros países.

A Escola do Teatro Bolshoi no Brasil foi criada com a mesma preocupação social com que nasceu a Escola Coreográfica de Moscou, em 1776. Além de oferecer a melhor formação para artistas de balé, a Escola quer garantir o acesso a essa arte para crianças de baixa renda. Segundo Henrique Beling, professor e assessor do núcleo artístico-pedagógico da Escola Bolshoi, o trabalho da Escola é uma tentativa de democratizar a técnica da dança clássica no Brasil – que, diz ele, "sempre foi elitizada" - e possibilitar que esses jovens se vejam com a mesma capacidade que outros, mais bem amparados financeiramente. Dos atuais cerca de 300 alunos, 85% são bolsistas provenientes de famílias de baixa renda e da rede municipal de ensino de Joinville, que recebem estudo, alimentação, uniforme, transporte, assistência médica emergencial e fisioterapia gratuitos.

Uma equipe percorre 128 colégios públicos da cidade catarinense para apresentar o trabalho da Escola a cerca de 60 mil crianças, buscando despertar o interesse naquelas que nunca haviam sonhado em ter condições de conviver com a arte. Uma das normas para ser aluno da Escola é estar matriculado no ensino formal e ter boas notas. Através de uma avaliação que verifica o biotipo, o perfil e a improvisação dos meninos e meninas, são selecionados, por ano, 100 bolsistas da rede pública de ensino, com idades entre 9 e 11 anos. Os demais alunos são de diferentes estados brasileiros e países vizinhos, selecionados através de exames classificatórios realizados anualmente pela Escola. São oito anos de curso de formação e dois anos de estágio modular (curso de aperfeiçoamento). As crianças recebem, além das disciplinas que fazem parte do programa regular de formação técnica – dança clássica, preparação e prática cênica, educação musical e rítmica, ginástica respiratória, danças populares históricas, entre outras – noções de higiene, nutrição e educação geral. O Teatro Bolshoi de Moscou não só enviou professores e pianistas para o Brasil, mas também faz um acompanhamento detalhado de todas as atividades desenvolvidas na filial brasileira, para garantir a qualidade do trabalho.

A instituição tem planos de integrar mais alunos de outras regiões além do Sul do Brasil. Para isso, já está entrando em contato com autoridades das principais cidades das regiões Norte e Nordeste, a fim de ampliar a divulgação do seu trabalho e firmar um convênio que beneficiará crianças e adolescentes dessas regiões com bolsas de estudo.

Para mostrar ao público brasileiro os resultados desses primeiros dois anos, quarenta e cinco alunos-bailarinos da Escola sobem ao palco, em turnê nacional, na I Mostra Didática de Dança da Escola do Teatro Bolshoi. Para Beling, a Mostra, que vem desde 2001 garantindo sucesso de público e de crítica, tem sido uma ótima experiência para os alunos que pensam em fazer parte de uma companhia profissional. A próxima apresentação da Mostra será no dia 16 de novembro, no Grande Teatro do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Os resultados também são percebidos no dia-a-dia pelas famílias. Além do orgulho de verem os filhos passarem numa seleção tão rigorosa, elas verificam a melhora no comportamento das crianças e no rendimento escolar - apesar de as quatro horas de dedicação exigidas pela Escola serem muito puxadas e exigirem bastante disciplina. "Com o aumento da auto-estima e do sentimento de identidade, elas vêem que têm algo para oferecer para a sociedade", diz Beling. "O nosso diferencial está na intenção não de fazer com que esses jovens se ocupem fazendo arte e, sim, dar a eles uma perspectiva real de inserção social. É um mercado que se abre, e é também um trabalho de formação de cidadãos", completa.

Quem quiser fazer parte do corpo docente da Escola, como professor ou pianista, terá até o dia 20 de novembro para se inscrever para a próxima audição. Os interessados devem enviar currículo para henriquebeling@escolabolshoi.com.br ou antonietaspadari@escolabolshoi.com.br e preencher o cadastro na página da Escola na Internet (www.escolabolshoi.com.br). Informações sobre os exames classificatórios podem ser obtidas também pelo telefone (47) 422-4070.

Mariana Loiola

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