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Presença de Anita

Por Isto É Dinheiro   18 de dezembro de 2002
Anita Roddick, dona da rede inglesa de cosméticos The Body Shop, investe em hotéis na Amazônia, cyber cafés indígenas e na parceria com os caiapós

Juliana Simão

. "Graças a Deus nunca entrei em uma aula de administração de empresas."

. "Negócios são bens públicos, não privados."

. "Sou contra hierarquia. Existe coisa mais improdutiva?"



Frases como essas soam raras na boca de qualquer cidadão do século 21. Mais estranhas ainda quando a pessoa em questão é uma consagrada executiva européia, que criou, em 1976, uma companhia de cosméticos, hoje com 2 mil lojas em 50 países. Mas Anita Roddick, a fundadora da maior rede de varejo britânica, certamente não pode ser comparada a outros empreendedores. Depois de ter trabalhado na Divisão dos Direitos da Mulher da Organização Mundial do Trabalho, órgão da ONU, Anita idealizou e fundou a The Body Shop, a primeira fabricante de cosméticos do mundo que, além de vender produtos naturais - com matérias-primas que não usam agrotóxicos -, utiliza embalagens feitas de materiais recicláveis. Desde o princípio, Anita deixou claro que sua empresa seria nada convencional. Nos corredores da Body Shop, entre um esfoliante de milho e um creme à base de bananas, figuram pôsteres com imagens de crianças morrendo de fome, animais ameaçados de extinção e outras causas sociais. "Quanto mais envelheço, mais radical eu fico", conta à DINHEIRO Anita Roddick.

Pode se criticá-la - e muitos o fazem - por lucrar quase US$ 1 bilhão por ano vendendo sabonetes e cremes transvestidos em ideais humanistas. Mas, enquanto dirige um Volkswagen a diesel, menos poluente, Anita prefere responder às provocações mostrando seus projetos sociais ao redor do mundo. Um dos que ela mais gosta fica justamente no Brasil. Em sua primeira visita ao País, em 1984, ela foi convidada pelos índios caiapós para visitar uma reserva florestal em Altamira, Pará. Apaixonou-se pela comunidade e resolveu criar alternativas econômicas para que os índios não precisassem viver do corte de madeira. Anita resolveu transformá-los em fornecedores dos componentes usados em produtos de beleza da rede. "Era uma solução para eles e para nós", comenta. A parceria foi selada e a companhia inglesa começou a fabricar um produto que é, hoje, um sucesso de vendas - os xampus e condicionadores à base de castanhas do Pará.

O negócio deu tão certo que a empresária passou a financiar outros projetos na região: uma farmácia verde - na qual extraem medicinas naturais para a comunidade - , um resort ecoturístico no meio da selva (Tataquara Lodge) - totalmente integrado ao meio ambiente e com guias turísticos locais - e até um café com internet, numa cidade que sequer tinha biblioteca. Todos os projetos são tocados pela AmazonCoop, uma cooperativa que reúne 1.400 índios. Os recursos ficam nas mãos das comunidades e são reinvestidos em educação, saúde e patrulhamento das terras indígenas. Para construir toda a infra-estrutura, a rede inglesa juntou um grupo de empreendedores internacionais e investiu muito. O mais interessante? A Body Shop não tem, e não pretende abrir até 2004, nenhuma loja no Brasil. "A ação social não é uma ferramenta de marketing", diz Anita.

É muito mais. Para manter as 25 comunidades de fornecedores, espalhados entre África, Ásia e América Latina, a companhia investe anualmente US$ 3,3 milhões. Trata-se de uma filosofia que Anita criou no mundo dos negócios. Sob o termo "Trade not Aid" - algo que pode ser traduzido como "Transação, não ajuda" -, a empresária passou a buscar alternativas econômicas para comunidades carentes. Mas quem acaba lucrando é a The Body Shop. "Temos a simpatia dos clientes", diz Anita. Ou seja, a companhia ganha uma história atrás da marca. Além disso, vira sinônimo de responsabilidade social. Já fez campanha em prol dos direitos humanos ou contra o uso de animais como cobaias. "Conseguimos mobilizar a Inglaterra e proibir o teste de cosméticos em animais", conta. E mais: depois da campanha, 4 milhões de consumidores entraram nas lojas.

A inglesa, que nunca freqüentou um curso de administração, deixou o dia-a-dia da empresa e vem gastando seu tempo com tudo aquilo que gosta de fazer. Foi dela a idéia de criar um curso de mestrado de dois anos, na Universidade de Bath (Inglaterra), que ensina a jovens empreendedores um novo jeito de fazer negócio. Acaba também de entrar como investidora na Free Play, uma companhia que inventou lanternas e rádios movidos a corda. Além de não estragar o ambiente, os produtos são trocados por armas de fogo na África. Para poder repassar suas experiências, ela escreveu um livro, Meu jeito de fazer negócios (Editora Negócio) e parece ter gostado disso. Em maio de 2003, deve chegar às livrarias mais duas obras da autora: Revolution in Kindness, em que busca uma definição para a palavra bondade, e History of Spiritual Activism, que honra líderes que lutaram para proteger os índios e pobres. Enfim, um baita "papo cabeça". Mas quem disse que Anita era uma executiva tradicional?

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