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Relatório da Unicef mostra que é preciso ouvir as crianças

Por Cidadania-e   19 de dezembro de 2002
Tatiana Wittmann

O desafio da atual geração é ouvir e levar em consideração as opiniões das crianças. É isto que indica o Relatório Situação Mundial da Infância 2003, lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no dia 11 de dezembro. O tema do documento neste ano é a participação e o impacto que ações coordenadas por crianças e adolescentes de todo o mundo têm nas mais diferentes esferas da vida - família, escola, ruas, bairros ou projetos sociais.

"Falar sobre o tema da participação é um desafio porque é difícil defini-la em poucas palavras. Por isso, ao longo do relatório, encontramos exemplos vivos de iniciativas de crianças e adolescentes que contribuíram para a mudança de cenários e vidas", diz a representante do Unicef no Brasil, Reiko Niimi. O Unicef acredita que estimular e apoiar as crianças a fazer uma participação autêntica e significativa no mundo é uma tarefa dos pais, familiares e educadores. É responsabilidade dos adultos também "buscar as perspectivas e opiniões das crianças e levar seus pontos de vista com seriedade", segundo o documento. "A participação exige respeito mútuo, limites claros, e capacidade de ouvir e compreender", completa Reiko.

Exemplos brasileiros são destaques no relatório Para comprovar que é possível falar em democracia a partir da participação de crianças e adolescentes, o Relatório Situação Mundial da Infância 2003 traz como exemplo o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua. Criado em 1985, por crianças, adolescentes e adultos brasileiros, o Movimento foi fundamental para a incorporação do artigo 227 da Constituição Federal, que trata da infância e da adolescência como prioridade absoluta para o País. Dois anos depois, os meninos e meninas do Movimento estavam entre os principais ativistas na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. "O Brasil aparece também no relatório mundial do Unicef com destaque para a Fundação Casa Grande, um projeto na pequena cidade de Nova Olinda, no Ceará. Nele, crianças e adolescentes resgatam a cultura local, aprendendo música e o uso de mídias como rádio, televisão, Internet, revistas em quadrinhos, além da manutenção do museu do Homem Cariri, resultado de pesquisas e do trabalho dos próprios adolescentes", destaca a representante do Unicef no Brasil.

"Quando viajo por todo o mundo, a energia e o talento dos jovens para melhorar o mundo que os cerca servem-me de inspiração", diz a diretora executiva do Unicef, Carol Bellamy. "Para que possamos mudar este mundo dividido, prejudicado, atormentado por conflitos, avançando na prática da democracia, para que possamos tornar o mundo realmente adequado para todos os povos, precisamos garantir a participação plena das crianças e dos jovens", acredita Carol.

Para o Unicef, promover uma participação significativa e de qualidade de crianças e adolescentes é essencial para garantir seu crescimento e seu desenvolvimento. "Uma criança cujo envolvimento ativo com o mundo foi estimulado desde o início será uma criança com competência para desenvolver-se na primeira infância, responder às oportunidades educacionais e chegar à adolescência com confiança, assertividade e capacidade para contribuir com o diálogo e as práticas democráticas em casa, na escola, na comunidade e no país", ressalta o relatório. "Com este relatório, o Unicef reafirma sua filosofia e seu compromisso de criar o tempo e o espaço necessários para que as opiniões das crianças sejam ouvidas", diz Carol.

Números ilustram situação das crianças no mundo Além de discutir a participação de crianças e adolescentes, o Relatório Situação Mundial da Infância 2003 também traz números sobre mortalidade infantil, nutrição, educação e um quadro comparativo de mais de 160 países e seus avanços na redução da mortalidade de crianças com menos de cinco anos de idade nos últimos 10 anos.

O Brasil melhorou sua posição no ranking de bem-estar da criança em relação ao último levantamento divulgado pelo Unicef, no ano passado. O País passou de 89o para 92o lugar na taxa de mortalidade de menores de cinco anos, no ranking que classificados os países em ordem decrescente de sua taxa de mortalidade. Ou seja, há 91 países em situação pior. No Brasil, 36 de cada mil nascidos vivos morrem antes dos cinco anos. A Suécia, que ocupa o melhor lugar na lista - a 193o posição -, registra apenas três mortes para mil nascidos vivos, enquanto em Serra Leoa, pior colocada no ranking, registra 316 óbitos.

A saúde ainda é uma questão que preocupa, principalmente na área rural. Nela, apenas 43% das pessoas tinham acesso a instalações sanitárias adequadas em 2000, e 53% tinham acesso a fontes de água limpa de qualidade.

Situação da Adolescência Brasileira Na mesma data em que foi lançado o relatório mundial, o Unicef também disponibilizou os dados do relatório Situação da Adolescência Brasileira. O documento apresenta um retrato dos principais desafios e oportunidades para os 20,7 milhões de brasileiros com idade entre 12 e 17 anos e para as políticas públicas na área da adolescência nos próximos anos. O relatório contém uma análise da situação da adolescência, em todos os 5.507 mil municípios brasileiros, a partir de sete indicadores fundamentais: alfabetização, escolaridade, participação, violência, gravidez na adolescência, saúde, cultura, o esporte e o lazer. São dados do Censo da População Brasileira, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano 2000, do Tribunal Superior Eleitoral e do Censo Escolar, do Ministério da Educação (MEC), também do ano 2000.

"Não é por acaso que o Unicef lança um relatório sobre a adolescência neste ano. Em primeiro lugar, o documento brasileiro traz um olhar mais aprofundado e nacional do tema do relatório mundial. Em segundo lugar, em julho passado, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 12 anos e tornou-se adolescente. Para nós, isso marca um desafio, mas representa também muitas oportunidades", diz a representante do Unicef no Brasil, Reiko Niimi.

Os municípios estão organizados por Estado, segundo um ranking do percentual de adolescentes analfabetos. "A escolha do índice de analfabetismo foi feita por acreditarmos que um adolescente que não sabe ler ou escrever não tem espaço no mundo do trabalho, tem dificuldade em acessar informações básicas para sua saúde e carrega consigo um estigma que reforça e promove a sua exclusão social", explica Reiko.

Os números do Fundo das Nações Unidas para a Infância mostram que cerca de 8 milhões de adolescentes brasileiros - 38% do total de 21 milhões de jovens de 12 a 17 anos - têm o seu futuro comprometido por razões ligas à precariedade educacional e pobreza. Eles estão pelo menos cinco anos atrasados na série escolar em relação à idade e vivendo em famílias com renda per capita igual ou menor a meio salário mínimo. O Brasil também tem mais de 1,1 milhão de adolescentes analfabetos, 3,3 milhões abandonaram a escola e apenas 11,2% dos adolescentes de 14 e 15 anos concluíram o Ensino Fundamental.

Para a transformação dessa situação da adolescência brasileira e para a garantia dos direitos dos adolescentes, o Unicef propõe um processo de elaboração e implementação de políticas públicas voltadas especificamente para os adolescentes. "O Unicef espera que estes relatórios representem uma contribuição importante para o desenho e o colocar em prática dessas políticas. Os temas da participação e das políticas para a adolescência no País têm caráter de urgência urgentíssima", finaliza Reiko.

Os relatórios Situação Mundial da Infância 2003 e Situação da Adolescência Brasileira estão disponíveis no site do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) - www.unicef.org.br.

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