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Instituto Ethos

Por Pesquisadora aponta dificuldades na implantação de projetos sociais   23 de janeiro de 2003
Formada em arquitetura pela Universidade Federal Fluminense, Vanessa Goulart, 28 anos, teve o primeiro contato com a área de responsabilidade social ao elaborar seu projeto de conclusão de graduação. O interesse pelo tema levou-a a desenvolver, como projeto de Mestrado no IAG, Escola de Negócios da PUC-Rio, uma pesquisa inédita sobre as dificuldades de empresas na implantação de projetos sociais. Para a elaboração do estudo, Vanessa entrevistou dez companhias de grande porte localizadas no Rio de Janeiro e traçou um perfil do comportamento dessas empresas na hora de investir em programas sociais.

Nesta entrevista, Vanessa fala sobre a pesquisa e destaca alguns de seus resultados, como a falta de profissionalização tanto por parte das empresas, como dos agentes proponentes; os critérios adotados e a dificuldade em acompanhar de forma sistemática os resultados dessas ações.

Instituto Ethos: Como surgiu a idéia da pesquisa? Vanessa Goulart: Na verdade, eu já gostava do tema... sou arquiteta e como projeto final, na faculdade, fiz um Centro de Ressocialização para População de Rua. Junto ao projeto arquitetônico elaborei um programa para o seu funcionamento. De lá para cá meu interesse pelo tema só cresceu. Então, na pós-graduação já entrei com a intenção de fazer uma pesquisa relacionada à área social. Acredito na Responsabilidade Social como filosofia de gestão e queria ver, de fato, o que acontece no mercado na hora de propor um projeto social para uma empresa. Quis fazer uma pesquisa prática que pudesse ser útil para ambos os lados - investidores e proponentes. Analisar o processo decisório e suas dificuldades foi uma forma encontrada. Aí é onde tudo começa - a relação entre investidor/ proponente. A pesquisa levou cerca de sete meses.

É visível, em tudo que é descrito pelas empresas entrevistadas, que há uma grande dificuldade, como a falta de capacitação do pessoal envolvido nos projetos sociais dentro e fora das empresas e a ausência de incentivos fiscais. Algumas empresas já começaram a se organizar e a criar departamentos específicos, com pessoal apto para as funções que a área exige.



Instituto Ethos: Como são tomadas as decisões na hora de as empresas investirem em projetos/ações sociais?

Vanessa Goulart: A etapa da decisão é a última descrita na pesquisa - antes aparecem a apresentação dos projetos e a seleção. A decisão determina os projetos que de fato farão parte dos investimentos sociais da empresa. Nesta etapa são selecionados os projetos considerados mais interessantes e compatíveis com as exigências do investidor. Após serem selecionados por uma comissão avaliadora, os projetos escolhidos podem passar pelo aval da autoridade maior, geralmente o presidente, no caso de uma empresa. Além disso, os representantes dos projetos costumam passar por entrevistas e as comunidades ou entidades recebem visitas a fim se avaliar as reais condições e checar informações. Observa-se que a etapa da decisão, por envolver na grande maioria das vezes os mais altos níveis hierárquicos da organização, possui um grau de formalização maior, sejam quais forem os procedimentos empregados nas etapas anteriores. Os projetos selecionados na etapa anterior são apresentados, pelos responsáveis do processo seletivo, a uma comissão de avaliação. Os projetos classificados para compor a etapa da decisão possuem um nível semelhante, isto é, foram balanceados pelos critérios da etapa anterior. Agora, as propostas são avaliadas segundo uma análise comparativa fundamentada em critérios determinantes. Alguns critérios que compunham as fases anteriores (na etapa da seleção) voltam nesta etapa com maior força e ganham caráter estratégico.

Instituto Ethos: As empresas têm definidos seus posicionamentos estratégicos?

Vanessa Goulart: Esta pesquisa analisou empresas de grande porte que, umas mais outras menos, apresentam-se bem estruturadas e ampliando a sua visão sobre o assunto. O que está claro é que as empresas estão em níveis diferentes de amadurecimento. Percebe-se que, de uma forma geral, estão caminhando para isso, mas nem todas têm um posicionamento definido. Não se pode tirar essa conclusão se olharmos para a maioria. Ainda falta visão estratégica da Responsabilidade Social.

Instituto Ethos: Qual a importância de um alinhamento estratégico? Que benefícios e riscos trazem um alinhamento estratégico?

Vanessa Goulart: Exercer a Responsabilidade Social em alinhamento estratégico com as demais decisões da empresa, com a gestão de seu core business é de extrema importância. O fato de os investimentos sociais e alinharem com as diretrizes emanadas da missão e da visão corporativa confere aos investimentos sociais um caráter mais estratégico. Isto exige mais recursos e mais envolvimento profissional, principalmente da alta direção, integrando o investimento social às atividades principais da empresa. Se por um lado facilita a definição de prioridades, por outro, o alinhamento estratégico formaliza. A vantagem principal da formalização reside na condução do processo de seleção segundo diretrizes claras, que por sua vez, torna o processo mais articulado e independente. A pré-definição dos procedimentos facilita a alocação dos recursos, sejam eles humanos, materiais ou financeiros; o que evita o desperdício de tempo e dos demais recursos. Os benefícios são inúmeros: dá maior credibilidade as ações; envolve as pessoas (funcionários, fornecedores e terceiros) e torna as ações mais duradouras.

Não vejo riscos em se ter um alinhamento estratégico. Não há uma relação direta mas, sim, indireta. O risco passa pela possibilidade de se incorrer em uma excessiva formalização e exagerada burocratização. Tal burocratização pode engessar os procedimentos e torná-los mais demorados.

Instituto Ethos: O que as empresas objetivam com as ações sociais?

Vanessa Goulart: O retorno esperado pode ser expresso por diversas formas.

Há empresas que se sentiram motivadas a investir na área social através de seus funcionários. Desta forma, o retorno esperado, além de alcançar o objetivo da ação em si, é envolver os funcionários. O que gera outros benefícios como: melhoria do clima organizacional, da satisfação e motivação decorrentes do aumento da auto-estima - aumenta o comprometimento do funcionário com a própria empresa. Há a melhora nas relações com a comunidade, a valorização da marca e consolidação da imagem institucional. Quanto a isso, a minha pesquisa pôde reafirmar as conclusões da pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), de que embora as empresas encontrem muitas dificuldades em mensurar o retorno de suas ações sociais, elas sabem, ainda que intuitivamente, que este retorno é positivo e agrega valor à marca. Percebe-se que de fato a preocupação com a imagem da empresa não é a motivação principal para se investir na área social, mas sem dúvida faz parte desta e até como critério em se decidir por este ou aquele projeto.

Projetos que além de cumprirem sua função social são capazes de agregar valor à marca e à imagem da empresa - trazendo atributos e valores como confiança, respeito, responsabilidade - são mais valorizados pelos investidores.

Mas em relação às ações em si, é difícil avaliar os projetos. Isso ocorre por vários motivos tais como o planejamento incipiente e frágil, a falta de metas e objetivos dos proponentes, o que gera uma enorme dificuldade em saber o que esperar. A princípio existe a preocupação em saber se os investimentos estão sendo bem empregados. Claro, que existe uma preocupação muito grande em ajudar e, uma vontade sincera que os projetos dêem certo. E existe uma preocupação humanitária sim.

Instituto Ethos: O que esperam os investidores e os propositores?

Vanessa Goulart: Além dos pontos levantados na questão anterior, os investidores não oferecem só recursos financeiros, mas também recursos humanos, conhecimento. Desta forma, alguns investidores esperam criar condições para que os projetos se tornem auto-sustentáveis ou que seus responsáveis estejam capacitados a buscar outras fontes de recursos após um determinado tempo. Os propositores por sua vez esperam o mesmo. Esperam ter seus projetos realizados e, que com o tempo consigam se auto-sustentar. A expectativa dos propositores, às vezes, é afetada por uma `super-estimação`da boa vontade versus a capacidade de se resolver as questões de seus projetos. É um sentimento nem sempre fácil de se administrar.

Instituto Ethos: Como é feito o acompanhamento dessas ações pelas empresas?

Vanessa Goulart: Neste ponto, pode se dizer que esta pesquisa também corrobora as conclusões da pesquisa IPEA, a qual constata que a maioria das empresas não segue processos formais quanto ao acompanhamento e avaliação das ações empreendidas. As empresas não dispõem de um planejamento e estabelecimento de metas e objetivos mais específicos e detalhados, prevalecendo a preocupação dos empresários com a boa utilização dos recursos. Para colher estas informações, as empresas costumam visitar as comunidades ou entidades favorecidas e cobrar prestações de contas e relatórios periódicos. Apesar de algumas diferenças, grosso modo, as empresas parecem estar satisfeitas com o retorno informal que recebem das comunidades e entidades apoiadas.

Para entrar em contato com a autora, envie um e-mail para vagoulart@uol.com.br. A íntegra da pesquisa está disponível (em pdf) no endereço www.lambda.maxwell.ele.puc-rio.br/cgi-bin/db2www/PRG_0490.D2W/INPUT?CdLinPrg=pt.

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