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Juiz revela: crianças são alugadas a R$ 10 por dia para mendigar nas ruas

Por O Globo    27 de janeiro de 2003
Rio de Janeiro Por R$ 10 é possível alugar uma criança para pedir esmola um dia inteiro na Zona Sul. Informações colhidas pelo Juizado de Menores revelam que famílias da Baixada Fluminense, principalmente de Belford Roxo, emprestam seus filhos por esse valor para impressionar quem dá esmolas. Segundo o juiz substituto da 1 Vara da Infância e Adolescência, Leonardo de Castro Gomes, por trás da mendicância infantil quase sempre há um adulto explorador, de forma direta ou indireta.

- Ou o pai obriga a criança a ir para as ruas e voltar com dinheiro, ou as acompanha na mendicância, ou espancam as crianças em casa, fazendo com que elas prefiram viver nas ruas - disse o juiz.

A exploração de crianças com este fim pode levar a família a perder os direitos sobre o menor. O juizado tem 50 fiscais, que, no entanto, não fazem abordagens na rua, à exceção de um colaborador na Zona Sul, informou o juiz.

Uma família vive com um menino de cerca de 3 anos na Praça Nossa Senhora da Paz, em frente ao Quartier Ipanema. Há outros moradores de rua por perto. Um grupo de menores passa pela Rua Dias Ferreira, no Leblon, diariamente. Em Copacabana, os coqueiros da praia servem de abrigo para crianças e adolescentes, principalmente nos Postos 4 e 3. Na Rua Barata Ribeiro havia ontem duas mulheres com duas crianças pequenas brincando com as pedras portuguesas.

A poucos metros dali, uma menina de não mais que 10 anos dormia, por volta do meio-dia, ao lado de um frasco de cola na porta do Edifício Pádua, na Rua Hilário de Gouveia 61. O aposentado Hibrahim Esteves, morador do prédio, contou que a cada dia há uma criança diferente dormindo ali. Elas chegam a interromper a passagem da garagem, impedindo que os moradores entrem ou saiam de carro. O porteiro Elias Queirós contou que já foi obrigado a puxar um menino que dormia na porta da garagem, dopado de cola.

- Ele deu um pinote e saiu jogando pedra - contou.

Mendicância, um problema cada vez mais chocante

A presença de crianças nas ruas sempre choca, mas os menores são a parte mais frágil de um problema mais amplo que é a população de rua. A Secretaria municipal de Desenvolvimento Social estima que haja na cidade 1.500 pessoas vivendo nas ruas, entre gente que vive somente de esmola e que faz pequenos biscates. Grande parte delas tem casa, mas prefere dormir nas calçadas do Centro, da Zona Sul e da Tijuca, onde conseguem serviço e esmolas.

Morador de Ipanema, o antropólogo Gilberto Velho, autor de artigo sobre o assunto publicado esta semana no GLOBO, acha que o número de pessoas morando nas ruas tem aumentado:

- Somos obrigados a assistir a cenas de abandono, degradação e agressividade. Se a prefeitura diz que tem tanto dinheiro, por que não investe em abrigos públicos?

Assistente social: população de rua aumenta no verão

Segundo a superintendente do Sistema municipal de Assistência Social, Bernadete Jeolás, realmente a população de rua aumenta na Zona Sul durante o verão, devido ao movimento nas praias e de turistas. A secretaria realiza operações de abordagem de famílias, crianças e adultos de acordo com a demanda de cada região. O telefone para denúncias é 2503-2356.

Mesmo com as grades, as praças não ficam livres dos moradores de rua, que passaram a ficar nos arredores das praças. Na Praça Antero de Quental, no Leblon, havia um homem dormindo ontem. Na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, havia outro grupo, na Rua Maria Quitéria. Ao longo da Rua Visconde de Pirajá havia diferentes grupos de até seis mendigos.

Os cariocas se dividem em relação à maneira de lidar com o problema. Enquanto alguns se recusam a dar esmola, outros até conhecem os mendigos pelo nome.

- Eles não me incomodam, mesmo quando me abordam para pedir dinheiro. Eu digo que não dou e pronto. Já imaginou se eu fosse dar dinheiro para todo mundo que pede? E muitos querem dinheiro para beber e fumar. Prefiro dar dinheiro para os orfanatos - diz a aposentada Marília Quintella Nogueira, moradora de Ipanema.

Já o economista Adalberto Lima, morador da Lagoa, se sente agredido quando é abordado de maneira inconveniente por algum mendigo:

- Você não pode reagir ou arruma um grande problema, mas eu fico muito irritado.

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