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Marketing do fome zero
Por Isto É Dinheiro   10 de março de 2003
Mais que um programa social, a campanha virou slogan para vender de tudo: de
chocolates a geladeiras
Christian C. Cruz, Rosenildo Gomes Ferreira e Fabrícia Peixoto
Nasceu como bandeira de campanha eleitoral, cresceu como símbolo do novo governo, ganhou projeção internacional e invadiu o mundo corporativo como poderoso instrumento de marketing. O Fome Zero, aprovado por 52 milhões de brasileiros que levaram Lula e seu projeto social à presidência da República, se tornou nos primeiros dois meses de governo uma espécie de selo de qualidade para empresas de diversos segmentos. Nestlé, Pão de Açúcar e Ford saíram à frente. Cada uma à sua maneira, foram as primeiras companhias a anunciar a adesão ao programa. Mas centenas de outros grupos, grandes ou micros, também pegaram carona na onda nacionalista. Descobriram que Fome Zero vende de tudo: de chocolates e caminhões a impressoras e comida a quilo. Como o projeto ainda não saiu do papel, o desafio do governo agora é transformar o oportunismo em oportunidade para deslanchar de fato uma política social.
Este talvez seja o maior dilema de José Graziano, ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome. A campanha oficial, é verdade, ainda nem começou. Deve ser implementada em março. Por isso mesmo as ações isoladas vão se multiplicando - algumas comprometidas de fato com o governo, outras nem tanto. "O erro está na demora em divulgar os detalhes da campanha. Hoje, na prática, as empresas estão apoiando apenas um logotipo e não um conjunto de atividades bem estruturadas", aponta Fábio Fernandes, presidente da agência de propaganda F/Nazca. Até a parte operacional do programa anda a passos de formiga. Exemplo: os R$ 50 mil doados pela modelo Gisele Bündchen, durante o São Paulo Fashion Week, ainda não saíram da conta da top model. É que o governo não abriu nenhum fundo para depositar os recursos doados para a campanha.
Primeiras ações. De qualquer forma, as ações vão surgindo. Em dezembro passado, Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos e consultor do ministro Graziano, sugeriu ao Pão de Açúcar que assessorasse o programa. Via na bem montada estrutura logística do grupo, que tem mais de 500 lojas espalhadas pelo País, uma forma de fazer com que as toneladas de alimentos arrecadados chegassem à população. Além disso, o Pão de Açúcar contratou 600 jovens para distribuir panfletos e se encarregar de convencer funcionários e clientes a abraçar a causa. Os 60 mil empregados do grupo também foram incentivados a doar os centavos dos seus contra cheques para o programa. "A cada centavo doado a empresa doa mais um", explica Eduardo Romero, diretor de marketing do Pão de Açúcar. "Não pensamos em receitas ou ganho de imagem. Queremos cumprir nossa responsabilidade social".
O mesmo discurso é repetido pela Ford. No mês de fevereiro, a montadora resolveu doar 200 quilos de alimentos por caminhão vendido. Batizou a iniciativa de "Ford Zero, Fome Zero". Espera, com isso, arrecadar 200 mil quilos de alimentos. O próximo passo é envolver os 130 distribuidores para que eles funcionem como agentes de disseminação da idéia. Outra que mergulhou de cabeça foi a Nestlé. O presidente mundial, Peter Brabeck Letmather, foi a Brasília anunciar ao presidente Lula a adesão da multinacional suíça. A empresa distribuiu no último dia 16 um milhão de quilos de alimentos e promete novas doações em breve. Igualmente engajado está o pessoal da internet: 57 empresas pontocom estão oferecendo gratuitamente publicidade da campanha em seus sites. "O projeto dura três meses. Cada vez que alguém clicar no banner será remetido para um site oficial do Fome Zero", explica André Luiz Shinohara, diretor comercial do Submarino, um dos participantes.
O governo também usa suas armas. A Caixa Econômica Federal lançou o Caixa FIF Fome Zero, fundo de investimento que repassa 2,5% do seu patrimônio para o Ministério da Segurança Alimentar. O objetivo é ter um patrimônio de R$ 500 milhões no primeiro ano. Além disso, o governo começou na segunda-feira 24 a testar o Cartão Cidadão em dois municípios do Piauí. Trata-se de uma espécie de vale que permite ao beneficiado comprarem alimentos até o valor de R$ 50.
Se o governo faz por comprometimento com o social, as companhias têm razões a mais para abraçar a causa. Alguns termômetros dão a medida da diferença entre as empresas-cidadãs e aquelas que não se envolvem em projetos com a sociedade. Nos EUA, por exemplo, entre janeiro de 1994 e junho de 2002, o Dow Jones Sustainable Global Index (índice da Bolsa de Nova York que mede o desempenho das ações das empresas com preocupações sociais) teve uma valorização anual de 2,6% acima do Dow Jones. Por aqui, enquanto o índice de Bolsa de Valores de SP (Ibovespa) fechou 2002 com queda de 17%, a rentabilidade do ABN-Amro Ethical Fund - que reúne as empresas com responsabilidade social e ambiental - foi de 1,6%. É um grande negócio apostar em campanhas sociais.
Christian C. Cruz, Rosenildo Gomes Ferreira e Fabrícia Peixoto
Nasceu como bandeira de campanha eleitoral, cresceu como símbolo do novo governo, ganhou projeção internacional e invadiu o mundo corporativo como poderoso instrumento de marketing. O Fome Zero, aprovado por 52 milhões de brasileiros que levaram Lula e seu projeto social à presidência da República, se tornou nos primeiros dois meses de governo uma espécie de selo de qualidade para empresas de diversos segmentos. Nestlé, Pão de Açúcar e Ford saíram à frente. Cada uma à sua maneira, foram as primeiras companhias a anunciar a adesão ao programa. Mas centenas de outros grupos, grandes ou micros, também pegaram carona na onda nacionalista. Descobriram que Fome Zero vende de tudo: de chocolates e caminhões a impressoras e comida a quilo. Como o projeto ainda não saiu do papel, o desafio do governo agora é transformar o oportunismo em oportunidade para deslanchar de fato uma política social.
Este talvez seja o maior dilema de José Graziano, ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome. A campanha oficial, é verdade, ainda nem começou. Deve ser implementada em março. Por isso mesmo as ações isoladas vão se multiplicando - algumas comprometidas de fato com o governo, outras nem tanto. "O erro está na demora em divulgar os detalhes da campanha. Hoje, na prática, as empresas estão apoiando apenas um logotipo e não um conjunto de atividades bem estruturadas", aponta Fábio Fernandes, presidente da agência de propaganda F/Nazca. Até a parte operacional do programa anda a passos de formiga. Exemplo: os R$ 50 mil doados pela modelo Gisele Bündchen, durante o São Paulo Fashion Week, ainda não saíram da conta da top model. É que o governo não abriu nenhum fundo para depositar os recursos doados para a campanha.
Primeiras ações. De qualquer forma, as ações vão surgindo. Em dezembro passado, Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos e consultor do ministro Graziano, sugeriu ao Pão de Açúcar que assessorasse o programa. Via na bem montada estrutura logística do grupo, que tem mais de 500 lojas espalhadas pelo País, uma forma de fazer com que as toneladas de alimentos arrecadados chegassem à população. Além disso, o Pão de Açúcar contratou 600 jovens para distribuir panfletos e se encarregar de convencer funcionários e clientes a abraçar a causa. Os 60 mil empregados do grupo também foram incentivados a doar os centavos dos seus contra cheques para o programa. "A cada centavo doado a empresa doa mais um", explica Eduardo Romero, diretor de marketing do Pão de Açúcar. "Não pensamos em receitas ou ganho de imagem. Queremos cumprir nossa responsabilidade social".
O mesmo discurso é repetido pela Ford. No mês de fevereiro, a montadora resolveu doar 200 quilos de alimentos por caminhão vendido. Batizou a iniciativa de "Ford Zero, Fome Zero". Espera, com isso, arrecadar 200 mil quilos de alimentos. O próximo passo é envolver os 130 distribuidores para que eles funcionem como agentes de disseminação da idéia. Outra que mergulhou de cabeça foi a Nestlé. O presidente mundial, Peter Brabeck Letmather, foi a Brasília anunciar ao presidente Lula a adesão da multinacional suíça. A empresa distribuiu no último dia 16 um milhão de quilos de alimentos e promete novas doações em breve. Igualmente engajado está o pessoal da internet: 57 empresas pontocom estão oferecendo gratuitamente publicidade da campanha em seus sites. "O projeto dura três meses. Cada vez que alguém clicar no banner será remetido para um site oficial do Fome Zero", explica André Luiz Shinohara, diretor comercial do Submarino, um dos participantes.
O governo também usa suas armas. A Caixa Econômica Federal lançou o Caixa FIF Fome Zero, fundo de investimento que repassa 2,5% do seu patrimônio para o Ministério da Segurança Alimentar. O objetivo é ter um patrimônio de R$ 500 milhões no primeiro ano. Além disso, o governo começou na segunda-feira 24 a testar o Cartão Cidadão em dois municípios do Piauí. Trata-se de uma espécie de vale que permite ao beneficiado comprarem alimentos até o valor de R$ 50.
Se o governo faz por comprometimento com o social, as companhias têm razões a mais para abraçar a causa. Alguns termômetros dão a medida da diferença entre as empresas-cidadãs e aquelas que não se envolvem em projetos com a sociedade. Nos EUA, por exemplo, entre janeiro de 1994 e junho de 2002, o Dow Jones Sustainable Global Index (índice da Bolsa de Nova York que mede o desempenho das ações das empresas com preocupações sociais) teve uma valorização anual de 2,6% acima do Dow Jones. Por aqui, enquanto o índice de Bolsa de Valores de SP (Ibovespa) fechou 2002 com queda de 17%, a rentabilidade do ABN-Amro Ethical Fund - que reúne as empresas com responsabilidade social e ambiental - foi de 1,6%. É um grande negócio apostar em campanhas sociais.