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Mulheres lutam para derrubar novas barreiras da sociedade

Por Correio da Bahia - http://www.correiodabahia.com.br/ - Amélia Vieira   10 de março de 2003
Apesar das conquistas, elas ganham menos e quase não têm acesso ao poder

Até duas décadas atrás, era comum homens que assassinavam suas esposas ou companheiras utilizarem na sua defesa perante a Justiça a alegação de legítima defesa da honra, uma vez que afirmavam ter matado por serem traídos. Assim, Raul Fernando do Amaral, o Doca Street, foi absolvido, em 1979, pelo assassinato da socialite Ângela Diniz. Levado a novo júri, em 1981, sob forte pressão das feministas, ele acabou condenado a 15 anos de prisão. Essa vitória do movimento abriu novos caminhos - porém, a disputa pelo mercado de trabalho e a luta por mais respeito e dignidade ainda permanecem. E é essa a marca da data de hoje, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher.

"Conquistamos muitas vitórias nos últimos anos, no campo legal, de direitos políticos, civis e sociais. Porém, essas barreiras que foram rompidas fizeram surgir novas demandas. E esse é o grande desafio", reflete a cientista política Ana Alice Alcântara, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher (Neim) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A inserção da mulher no mercado de trabalho é um dos maiores símbolos da mudança implementada no estilo de vida feminino atual. Apesar de constituírem uma parcela significativa da mão-de-obra ativa, elas recebem salários inferiores aos dos homens e têm acesso limitado aos cargos de poder.

Mas, as dificuldades não param por aí. A jornada de trabalho na rua é apenas mais uma na vida da maioria das mulheres, que acumulam obrigações com a educação dos filhos e os afazeres domésticos. Só para se ter idéia, o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabilizou que aproximadamente 30% das famílias são chefiadas por mulheres e cerca de 50% delas contribuem de forma paritária ao homem na formação da renda familiar.

"Não houve alteração no mundo doméstico. Apenas se agregaram novas atividades", observa Alcântara. Não se pode negar, entretanto, que, lentamente, a concepção masculina também vem sofrendo avanços. Alguns homens já ajudam nas tarefas de casa. Mas, isto não é suficiente. "Isso não inclui todos. E ajudar significa quando quer e pode. Não implica em obrigação. A responsabilidade recai sobre as mulheres", analisa o cientista política.

E isso é fácil de observar no dia-a-dia da maioria das mulheres. Afinal, quem é que falta ao trabalho para levar o filho ao médico quanto este adoece? "O que houve foi um acúmulo de atividades. As mulheres estão sobrecarregadas", lamenta Alcântara. Para ela, é necessário mudar de mentalidade, na busca de um compartilhamento de responsabilidades entre o casal. "É preciso haver uma mudança de comportamento da sociedade, de atuação das mulheres e de atitude dos homens", diagnostica a estudiosa. Mas, a cada conquista, haverão novos obstáculos a serem vencidos. E vale lembrar a citação da escritora Juliette Michel: "A vida das mulheres é uma conquista interminável".


Violência doméstica aumenta
Somente nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher registrou, entre outras, 385 casos de lesões corporais, 561 agressões físicas sem lesão, nove estupros e 107 agressões morais, de um total de 1.479 ocorrências. O crescimento do número de vítimas que procuram os órgãos competentes para denunciar a violência revela que as mulheres, cada vez mais, estão criando coragem para enfrentar o problema.

"O fenômeno da violência contra a mulher é complexo, pois envolve perspectivas sociológicas, jurídicas e psicológicas. Sob o ponto de vista sociológico, a sociedade legitima esta violência", analisa a socióloga Sílvia de Aquino pesquisadora associada ao Neim. Ela acrescenta que, apesar das conquistas, o ambiente social não estimula a denuncia.

Por isso, muitas mulheres sofrerem violência doméstica por anos a fio e não delatam seus algozes. Isto porque, na maioria das vezes, não encontram apoio social e o suporte familiar para enfrentar a situação. Afinal, denunciar maridos e companheiros que as agridem ou espancam implica em abandonar o lar e o parceiro. "É uma decisão delicada e complexa, que envolve culpa, medo e vergonha", diz Aquino.


Condições subumanas
Na década de 1850, nos Estados Unidos, as operárias trabalhavam 16 horas nos teares das fábricas. As condições eram tão subumanas que não era raro algumas darem à luz no local. Mesmo vitimadas pela tuberculose ou outras doenças, elas continuavam na labuta. Mas, alimentavam o sonho de salários dignos, melhores condições de saúde e jornada de trabalho que deixasse tempo para o convívio familiar.

Ao tomar conhecimento deste sonho, um patrão considerou um absurdo e um caso de polícia. Foi assim que, no dia 8 de março de 1857, as portas da fábrica Cotton de Nova York foram trancadas e 129 mulheres incendiadas dentro do edifício. O holocausto inspirou Clara Zetkin, a propor, em 1910, durante o Congresso Internacional de Mulheres, realizado na Noruega, a instituição do 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.


Números
A violência contra a mulher é maior na América Latina, na África, na América do Norte, na Austrália e Nova Zelândia.

A violência contra a mulher é menor onde elas são emancipadas. Menos de uma em cada três vítimas procuram a polícia. A situação é pior na América Latina.

As mulheres são mais da metade (52%) dos cinco bilhões de habitantes do planeta. Elas formam 73% da população mundial de miseráveis, estimada em 1,3 bilhão.

As mulheres ocupam 36% dos empregos no mundo. No entanto, recebem entre 30% e 40% do salário dos colegas homens, sendo que no Japão, ganham metade.

Nos países em desenvolvimento, a jornada de trabalho diária da mulher é 13% maior do que a dos homens.

Nos EUA, a violência doméstica atinge dois a quatro milhões de mulheres: são 21 milhões de hospitalizações, a um custo de US$44 milhões ao país. A cada 18 minutos, uma mulher é espancada; a cada seis minutos, uma é estuprada.

Segundo a Associação Médica dos EUA, quase um terço das 77 mil mulheres de menos de 50 anos que atuam nas forças armadas sofreu estupro.

Na Índia, nove mil mulheres são assassinadas ao ano porque o dote não é suficiente.

Dois terços dos 885 milhões de analfabetos adultos recenseados pelo Fundo das Nações Unidas para a Educação (Unesco) são mulheres.

Mais de 114 milhões no mundo sofreram algum tipo de mutilação sexual. São seis mil por dia, cinco por minuto.

Na França, 95% das vítimas de violência são mulheres: 51% sofrem agressões dos próprios maridos.

Na Bolívia, as agressões de maridos somente são punidos se a mulher ficar incapacitada por mais de 30 dias.

No Paraguai, a lei perdoa maridos que matam mulheres flagradas em adultério. A lei não se aplica às mulheres nas mesmas circunstâncias.

Em Uganda, na África, a lei reconhece ao homem o direito de bater na mulher.

Na China, um terço das mulheres diz apanhar dos maridos. Nas zonas rurais, as mulheres são vendidas para casar com desconhecidos.

No Paquistão, em casos de estupro, quatro homens religiosos devem testemunhar para dizer se houve penetração. Se as acusações não forem comprovadas, o depoimento da mulher pode ser considerado "sexo ilícito" e ela pode ser condenada à morte.

Apenas 44 países aprovaram legislação contra a violência doméstica. Somente 27 têm leis contra assédio sexual.

(Fonte: Sexto Relatório Global sobre Crime e Justiça/ONU - 1990 e Delegacia da Mulher do Distrito Federal - 2002)

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