Notícias

Cartas de Josué de Castro

Por Jornal do Commercio   11 de março de 2003
Hoje, continuando na linha documental e memorativa, cedo a palavra a Josué de Castro, publicando (em benefício dos leitores) mais duas cartas que ele me escreveu. Uma delas, de 1971, enviada para o Recife. A outra, mais antiga, me foi mandada à cidade de Genebra, no tempo em que eu ainda trabalhava (aliás fôra nomeado a convite dele) na Delegação do Brasil Junto aos Órgãos Técnicos da ONU. Mas vamos aos textos, na verdade cheios de contextos.

Paris, 1/2/1971. Meu caro Bandeira, de regresso do Egito, onde fiz uma interessante e enriquecedora viagem da foz do Nilo até quase as fronteiras do Sudão, escrevo-lhe para mandar os votos de felicidades em 1971 e dar algumas notícias de maior importância. Felizmente a saúde vai bem, apesar da enorme carga de compromissos que me pesam sempre o tempo todo. Tenho a impressão, com a carta que você me enviou em novembro último, que o escândalo que quiseram armar através do Jornal do Commercio, se desfez como uma bola de sabão. O Fernando Menezes mandou-me uma longa carta dando-me mil explicações e mil desculpas e atacando violentamente os autores da tal entrevista.

Acaba de sair, aqui na França, a décima edição francesa da Geopolítica da Fome, que é quase um livro novo de tal maneira e cuidadosamente revi e aumentei a edição original. Na Inglaterra, Estados Unidos e Espanha preparam edição de bolso deste livro que está condenado a ser vendido por muitos anos como um clássico, já que a fome continua a imperar no mundo. O Homens e Caranguejos, que é até certo ponto um divertissement, faz sucesso nos Estados Unidos, conforme um artigo que lhe mando saído no Saturday Review e, na Alemanha, onde uma edição de 10.000 exemplares se esgotou em um mês. Estranho povo este de Bismarck e Goethe, com tanto amor pela cultura e tanta capacidade de destruí-la pela guerra... Em pacote à parte mando-lhe um volume da nova edição francesa da Geopolítica. Saiu, também, uma nova edição revista do Nordeste ... mas acho mais prudente não enviá-la.

Suas notícias são boas e me dão satisfação porque sei que se ocupa com coisas que lhe dão prazer, principalmente cinema. Glauce e Sônia vão bem, mandam lembranças a Sylvinha e a você e pedem notícias dos filhos. Vê se inventa uma viagem por estes lados de cá e se esta sugestão lhe interessa diga-me como posso ajudar em sua realização. Dê lembranças e abraços ao Jamesson, que me escreveu sobre sua Faculdade de Medicina mas, infelizmente, numa fase em que não pude fazer nada para ajudar no seu projeto. Hoje minhas ligações com a ONU e a UNESCO, onde faço parte de uma comissão de equivalência universitária, poderão ser de alguma utilidade. Diga-lhe, por favor, que volte a me escrever contando em que pé se encontra a iniciativa dessa Faculdade. Renovando os meus votos de felicidades para você e toda a família, abraça-o com a amizade de sempre, Josué. (Nota de FBM: Josué faz referência ao livro Une Zone Explosive/ Le Nordeste du Brésil - editado também na Itália - que na carta ele suprimiu até o nome e não o enviou para não mexer com a censura policial etc).

Paris, 19/1/65. Meu caro Bandeira, recebi sua cartinha acompanhando correspondência aí chegada. (Na Delegação do Brasil junto à ONU). Muito obrigado. Quanto à visita a Genebra para cuidar da ASCOFAM, ainda não posso fixá-la no momento. Aproveito para informar que o Ciclo do Caranguejo vai ser filmado no Brasil, através de uma co-produção da Companhia do Luiz Carlos Barreto, que filmou Vidas Secas, e a companhia francesa Ancinex. Ficou tudo assentado esta semana com o Barreto que estava aqui em Paris.

Seria ótimo se o Cabral achasse o texto do bumba-meu-boi. Gostaria também que você tentasse obter no Recife a coletânea de poesia popular do Ariano Suassuna.

O artigo do Le Monde teve uma repercussão enorme no Brasil. Recebi várias dezenas de recortes e, o que é significativo, tudo a favor. Aproveito para lhe mandar um cheque correspondente ao pagamento que o Le Monde fez do artigo, o qual lhe corresponde. Com um abraço do Josué. PS. Peço-lhe comprar e procurar mandar por um bom portador um vidro de Phanodorme, dos grandes. Grato. Josué

Francisco Bandeira de Melo, jornalista, é da A.P.L.

Comentários dos Leitores