Notícias

Sociedade desrespeita direitos dos idosos

Por O Liberal   14 de março de 2003
MP publicará uma compilação das leis que protegem e garantem direitos aos idosos

Enize Vidigal, Cláudia Melo e Rosangela Maiorana Kazan



Os interesses dos idosos são defendidos em várias leis que, na maioria, nunca saíram do papel. É o caso da Lei Municipal 7.872/98 que dá desconto de 10% nos tributos das empresas que "adotam" um idoso residente em algum asilo de Belém. "Muitas empresas não têm conhecimento disso", ressalta o promotor de Justiça de Defesa dos Direitos de Deficientes e Idosos, Waldir Macieira. Na opinião dele, faltam ações políticas para a efetivação de leis federais, estaduais e principalmente das municipais, que costumam ser as mais ignoradas.

O curioso é que a não implementação dessas leis passa pelo fato de, muitas vezes, serem desconhecidas não só da população, mas também do próprio poder público. Tanto que, neste mês, a Câmara Municipal de Belém aprovou uma lei instituindo o Conselho Municipal do Idoso, ignorando a existência da lei nº 8.015/2000, anteriormente aprovada por ela própria, que tem o mesmo objetivo, mas nunca foi implementada. Aliás, a competência do conselho é implementar as políticas definidas na Lei Federal nº 9.842, de 4 de janeiro de 1994, que trata da política nacional do idoso.

"Muitos idosos desconhecem que podem obter isenção da declaração do Imposto de Renda se comprovarem que são portadores de uma doença degenerativa, como o câncer, o Mal de Alzheimer ou o Mal de Parkinson (legislação federal)", destaca o promotor, acrescentando que também falta maior divulgação dos programas de saúde, educação e lazer voltados à terceira idade.

Outro direito do idoso é a garantia de atendimento preferencial aos maiores de 65 anos de idade em repartições públicas, bancos, instituições financeiras estaduais, hospitais, laboratórios de análises clínicas e demais unidades sanitárias pertencentes ao Estado e a instituições conveniadas. Os maiores de 60 têm ingresso livre em estádios, cinemas, teatros, por lei municipal, mas ano passado, o Paysandu estava cobrando ingresso dos torcedores da terceira idade na Curuzu e só voltou atrás obrigado pela Justiça.

Talvez uma das leis mais conhecidas, e ao mesmo tempo mais descumpridas, seja a que assegura aos maiores de 65 anos a gratuidade nos transportes coletivos rodoviário e aquaviário, urbano, metropolitano, rural e intermunicipal, no Pará. Sem contar as vezes que os idosos são ignorados nas paradas de ônibus ou destratados pelos motoristas. A lei é severa: prevê a multa ao motorista no valor de 10 passagens e de 100 passagens ao dono do veículo, nas situações em que houver recusa no acolhimento do passageiro e a "queima" de parada. A punição é duplicada em caso de reincidência. O promotor explica que costuma requerer punições administrativas à Companhia de Transportes de Belém (Ctbel) e, quando necessário, a apuração criminal. Alguns idosos já ajuizaram ações de indenização por danos morais contra as empresas de ônibus com o auxílio de um defensor público (advogado custeado pelo Estado).

Macieira anuncia que, no final deste semestre, o MP publicará, em parceria com o Ministério da Justiça, uma compilação das leis que protegem e garantem direitos aos idosos.



É preciso vencer o conformismo e denunciar

A sociedade trata o idoso como se ele não existisse. A constatação é do coordenador das pastorais sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Jamersson Nascimento. A prática dá razão a ele, a começar pela falta de estatísticas sobre a real dimensão dessa negligência.

Apesar dessa "invisibilidade", não é difícil constatar o desrespeito. Exemplo: a lei garante o acesso à cultura, lazer e esporte às pessoas com mais de 60 anos mas, lembra Jamersson Nascimento, o percentual de idosos em campos de futebol, teatro ou cinema dificilmente é observado.

Outra discriminação visível acontece nos transportes coletivos. O desrespeito à gratuidade se revela diariamente através de motoristas que ignoram os idosos nas paradas ou, pior, arrancam bruscamente quando eles estão subindo ou descendo do veículo. Outras formas de discriminação são um pouco mais camufladas, mas fazem parte da rotina de muitas famílias. Uma delas é o caso dos avós que ajudam os filhos, como babás, mas depois que os netos crescem, acabam esquecidos nos asilos.

No mercado de trabalho, o drama dos idosos é mais grave. "Eles são considerados incapazes", observa Jamersson.

Para complicar mais ainda a vida de quem envelhece numa civilização ocidental, tudo parece ser pensado para jovens. Os projetos das prateleiras dos supermercados, as calçadas e a arquitetura dos hospitais, que não prevêem espaços adequados.

Na avaliação de Jamersson, o desrespeito contra o idoso está em todos os lugares: "na família, na escola, na sociedade e até dentro da própria igreja, quando os padres velhos são discriminados".

Para mudar a situação, o coordenador da pastoral ressalta que mais do que criar leis, é necessário implementá-las. Ele lembra que a Lei Federal 8.842/ 1994, estabelece a criação de conselhos estaduais e municipais para garantir a aplicação da Política Nacional do Idoso, mas ainda faltam leis para regulamentar o que seria pertinente a cada Estado.

Outra ação importante, afirma Jamersson, seria que os órgãos e entidades que trabalham com os idosos também mobilizassem a sociedade para que as leis fossem aplicadas.

A delegada Lucinda Antunes, da Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios, orienta os idosos para que não se conformem e denunciem sempre que forem maltratados. Ela revela que, desde que foi inaugurada a delegacia, em setembro de 2000, o número de queixas envolvendo idosos praticamente não existe. Mas o primeiro inquérito instaurado na delegacia baseava-se na queixa de um idoso, que teve a matrícula negada por uma academia de ginástica.



Serviço

Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios. Endereço: Travessa 13 de Maio 104, entre avenida Portugal e Sete de Setembro. Telefone: 212-3626. Horário: das 8 às 18 horas.



Os casos que chegaram à Promotoria

Ano passado, a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos dos Deficientes e Idosos recebeu 78 denúncias de maus tratos, abandono, situações de risco, apropriação de proventos, discriminação em transportes, entre outras, relativas ao idoso residente em Belém. O promotor Waldir Macieira não sabe quantas foram transformadas em processos ou julgadas, pois os casos de crimes contra idosos são repassados às promotorias criminais. No geral, a promotoria especializada faz um estudo social da situação do idoso e, quando não há referências familiares ou quando elas são ruins, consegue-se abrigá-lo na Fundação Papa João XIIII (Funpapa).

Em 2002, Macieira recebeu 19 denúncias de maus tratos contra idosos. Nesses casos, o idoso é levado a um asilo e, quando apresenta transtornos mentais, sendo incapaz de gerir os próprios recursos, a Justiça nomeia uma pessoa de confiança para fazê-lo, através de uma ação de interdição.

Outras cinco denúncias foram referentes à apropriação de bens do idoso, até mesmo do dinheiro da aposentadoria, por parentes e vizinhos. Há quem consiga receber a aposentadoria do idoso através de procuração ou se apossando do cartão magnético de saque, sem o conhecimento do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Quando isso ocorre, o Ministério Público bloqueia o cartão e requer ao INSS a expedição de um outro.

Também foi denunciada uma situação de idoso abandonado pela família, que estava perambulando pelas ruas e acabou sendo levado à Funpapa. Outras cinco situações de risco foram denunciadas: os idosos estavam sendo mantidos, pelas famílias, em condições precárias e subumanas.

A discriminação em transportes coletivos, apesar de muito comum, quase não aparece nas estatísticas da Promotoria, tendo sido recebidas apenas três denúncias no ano passado.



Flagrantes de humilhação cotidiana

Leonor Cordeiro Mesquita, 65, conta que muitos motoristas, quando o idoso está só na parada de ônibus, simplesmente passam direto."Como se nunca fossem envelhecer", comenta ela. Leonor já perdeu a conta de quantas vezes foi desrespeitada pelos motoristas de ônibus. Quando chove, aí é que eles não param mesmo.

Dentro do ônibus, é cada vez mais raro o jovem que se sensibiliza quando vê o idoso em pé. "Antes era diferente. Os velhos eram respeitados".

Antônio Alves de Assunção, 76, revela que várias pessoas, com pena, se oferecem para fazer sinal na parada, para garantir que o ônibus pare.

Há um ano, ele foi derrubado quando descia do ônibus: "O motorista arrancou. Eu mesmo me levantei e fui embora".

Com 85 anos, pai de sete filhos, Aurélio dos Santos Cruz já perdeu a conta de quantas vezes caiu ao tentar subir ou descer de um ônibus. Para ele, hoje a "mocidade não tem respeito pelo velhos, até dentro da sua própria casa".



Conheça alguns dos principais direitos do idoso:

Pessoas com mais de 68 anos sem meios para se sustentar, têm direito de receber o Benefício de Prestação Continuada (um salário mínimo mensal) - Decreto Federal nº 1.744/95. Preferência de atendimento nas repartições públicas, bancos, instituições financeiras do Estado, hospitais, laboratórios de análises clínicas e unidades sanitárias do Estado ou conveniadas - Lei estadual nº 5.782/93 Caixa especial em bancos - Lei Municipal7.615/93 Gratuidade, a partir dos 65 anos, nos transportes coletivos no Pará - Lei Complementar nº 15/94 Livre acesso, a partir dos 60 anos, em estádios, cinemas, teatros, estabelecimentos de lazer ou cultura de Belém - Lei Municipal nº 8.148/2002 Queixas não chegam à CTBEL

A Companhia de Transporte de Belém (Ctbel) registrou, em 2002, cerca de 2,9 mil reclamações contra serviços de transporte coletivo, das quais apenas 65 por desrespeito ao idoso. O tipo de queixa mais freqüente, cerca de 45%, foi a "queima de parada".

A Assessoria de Comunicação do Sindicato dos Rodoviários do Estado afirma que a causa do conflito entre idosos e motoristas está na determinação dos donos de empresa que orientam "a queima da parada quando há somente pessoas idosas". Ela diz ainda que os motoristas que contrariam a determinação são suspensos ou demitidos. A assessoria informou que o sindicato deve convidar a associação dos aposentados para buscar uma saída para o problema ou denunciar o caso ao Ministério Público.

A Ctbel promove treinamentos, palestras e reuniões nas empresas de ônibus, com a participação de representantes de entidades de idosos - a Federação das Associações de Aposentados do Pará (Faapa) - e de deficientes. Essa ação é realizada em parceria com os sindicatos dos Rodoviários e das Empresas de Transportes de Passageiros de Belém (Setrans-Bel).

A Faapa, por exemplo, junto com outras entidades, hoje integra comissões da Ctbel responsáveis por estudos e apresentações de propostas para a melhoria da qualidade dos serviços de transportes, revisão de ordens de serviço de ônibus e do regulamento do transporte coletivo.

Mário Martins Júnior, diretor do Sest (Serviço Social do Transporte)- Senat, diz que a entidade oferece cursos de relações humanas e de relações interpessoais para motoristas e cobradores. Mas desde que o Sest surgiu em Belém, em janeiro de 2002, apenas 478 motoristas fizeram esses cursos, e Mário não sabe dizer quantos deles dirigem ônibus. Como estima em cinco mil o número de motoristas de ônibus urbanos em Belém, Mário está apostando na negociação com as 21 empresas para fechar pacotes de treinamento. Duas delas, a Icoaraciense e a TransBCampos, já se mostraram interessadas.



Serviço

Os usuários dos sistemas de transportes públicos - ônibus, táxis e barcos - podem encaminhar reclamações e/ou sugestões sobre os serviços prestados na área municipal para a central 0800-91-1314, a Ouvidoria e o protocolo geral da Ctbel, Avenida Bernardo Sayão, sem número, entre Fernando Guilhon e Roberto Camelier.

Comentários dos Leitores