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Catadores encontram cidadania
Por Folha de Pernambuco   18 de março de 2003
Projeto visa capacitar categoria para a auto-sustentação e inclusão social
Michele Zollini
Dez horas de trabalho puxando uma carroça com mais de 60 quilos ou com quantidades que podem chegar ao dobro desse peso. Na volta para casa, menos de R$ 10,00 no bolso para alimentar e sustentar a família. Essa é a realidade dos catadores de lixo, semelhante a de muitos brasileiros que vivem em condições subumanas e são marginalizados pela sociedade. Preocupadas com a continuidade da situação dessa categoria, organizações não-governamentais do Brasil e exterior, em parceria com a Prefeitura do Recife, elaboraram um projeto que visa qualificar esses profissionais para que eles possam gerir seus negócios e construir uma autonomia nas organizações.
"As carroças utilizadas são alugadas e, no final do dia, os catadores ainda têm a obrigação de vender tudo que conseguiram para os donos do veículo, na maioria dos casos, por uma ninharia. Por isso, é uma vida insustentável", explica o presidente da Cooperativa dos Agentes Ambientais e Recicladores do Estado de Pernambuco, Paulo André de Araújo. Com o projeto, os trabalhadores vão fazer todo o percurso coleta/triagem/venda sem atravessadores, aumentando, consequentemente, a renda familiar.
Para realizar esse trabalho de forma definitiva, os catadores vão receber capacitações e recursos destinados à construção dos materiais necessários para a coleta. Além disso, faz parte da iniciativa a assessoria técnica e humanitária com pessoas especializadas na área, como economistas e educadores sociais. "Essa proposta não prevê apenas o desenvolvimento econômico, mas também a inclusão social, já que, assim, eles passarão a se valorizar e ter auto-estima. É a chamada economia solidária", fala um dos coordenadores do projeto pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Recife, Romeu Lemos.
O Coque e a Imbiribeira são as duas áreas do Recife, que foram escolhidas para serem beneficiadas na primeira fase do programa, que começa no mês de abril. Nessa primeira etapa, 100 catadores vão receber as orientações e suportes para transformar o lixo em dinheiro. Cerca de R$ 200 mil serão investidos no início para a organização dos catadores, compra de material e estruturação de encontros e oficinas profissionalizantes. "As atividades vão se estender para todos os membros da família. A esposa do catador, por exemplo, vai se especializar em outro ofício para que possa ajudar o marido a sustentar a casa", ressalta Lemos.
Até o final do projeto, que não tem data prevista, serão instalados dois núcleos de triagem nas duas localidades, para que os próprios catadores reciclem o lixo recolhido, "dessa forma, eles não serão um mero instrumento da cadeia produtiva, mas um agente participativo e com poder de decisão. É um modo de resgatar a cidadania desses trabalhadores", argumenta Paulo André.
A Cáritas Brasileira, entidade religiosa parceira no projeto, vai ficar responsável pelo acompanhamento e monitoramento das atividades durante os dez meses previstos para a formação dos núcleos. "A perspectiva é de que em 2006 sejam cerca de 1.500 catadores ajudados pelo programa", destaca o secretário regional da Cáritas, José Hamilton da Costa.
A RMR agrupa mais de dois mil trabalhadores
A Região Metropolitana produz cerca de cinco mil toneladas de lixo por dia. Desse total, a cidade do Recife é responsável por 62%, o que significa três mil toneladas. De acordo com a Cooperativa de Agentes Ambientais e Recicladores de Estado de Pernambuco, apenas 30% do material pode ser reaproveitado pela coleta seletiva. "Seria mais fácil se as pessoas tivessem consciência da importância que é separar o lixo em casa ou nas empresas. Facilitaria muito o nosso trabalho", fala o presidente da Cooperativa, Paulo André Araújo.
Funcionando numa sede improvisada, no bairro da Encruzilhada, a Cooperativa surgiu da necessidade de se ter um instrumento de luta, para que os trabalhadores pudessem ser inseridos na sociedade e ter seus direitos reconhecidos, apesar da profissão não se regulamentada pelo Ministério do Trabalho (MT). Hoje, além dos funcionários da Cooperativa, já foram contabilizados 160 catadores associados. "Para a nossa realidade, esse é um número vitorioso e só tende a crescer", comemora Paulo André.
Na capital pernambucana, trabalham quase dois mil profissionais, eles coletam 10% de tudo que é jogado fora pela população. "O projeto é um amadurecimento da administração municipal para a questão da política de resíduos sólidos", avalia.
Para o representante da PCR na coordenação do projeto, Romeu Lemos, esse é apenas o primeiro passo para a consolidação dessa política. "Todos ganham com iniciativas como essa, do catador à comunidade onde ele vive e trabalha" , explica Lemos. (J.F.)
Coque será atendido por ter piores indicadores
O Coque foi escolhido para participar do projeto de organização dos catadores por ser considerado um dos piores indicadores sociais da cidade do Recife, com altos índices de violência. Os moradores que vivem nas duas comunidades, onde o projeto vai ser desenvolvido, trabalham basicamente da coleta seletiva de lixo. Só na favela do Pantanal, 30% das 320 famílias que residem embaixo do viaduto Joana Bezerra, trabalham com o lixo.
É o caso de Ednaldo Firmino do Santos, 47 anos, que já cata há mais de seis anos pelas ruas do bairro da Boa Vista. Por dia, trabalhando com a esposa, ele consegue juntar mais de 60 kg de papel branco e papelão. O primeiro custa por volta de R$ 0,30 o quilo e o segundo R$ 0,13. "Vou até às 22h catando, mas com esse dinheiro não consigo manter os meus filhos. A minha sorte é que já tenho um ponto fixo, onde tiro por volta de oito reais", comenta.
A adolescente de 16 anos, Ana Maria de Oliveira, também faz parte dessa realidade. Com dois filhos, um deles de apenas dois meses, ela faz coletas desde os 12 anos. "Eles já nascera catando. Como não tenho com quem deixar, coloco os dois dentro da carroça e levo comigo. Não sei qual vai ser o futuro deles", fala.
Na favela do Papelão, que fica embaixo do viaduto João Paulo II, no Cabanga, apesar de algumas famílias terem sido transferidas para outra área depois do incêndio que destruiu os barrados, em março de 1999, outras 28 continuam no local e metade trabalha diretamente com os materiais recicláveis. É lá que será implantado um dos núcleos de triagem. "Vivemos numa miséria sem tamanho e nunca vai ter mudança", reclama Sebastião Raimundo, 56, que há 15 cata no centro da cidade, conseguindo apurar até 150 quilos de papel, plástico e alumínio.(J.F.)
Michele Zollini
Dez horas de trabalho puxando uma carroça com mais de 60 quilos ou com quantidades que podem chegar ao dobro desse peso. Na volta para casa, menos de R$ 10,00 no bolso para alimentar e sustentar a família. Essa é a realidade dos catadores de lixo, semelhante a de muitos brasileiros que vivem em condições subumanas e são marginalizados pela sociedade. Preocupadas com a continuidade da situação dessa categoria, organizações não-governamentais do Brasil e exterior, em parceria com a Prefeitura do Recife, elaboraram um projeto que visa qualificar esses profissionais para que eles possam gerir seus negócios e construir uma autonomia nas organizações.
"As carroças utilizadas são alugadas e, no final do dia, os catadores ainda têm a obrigação de vender tudo que conseguiram para os donos do veículo, na maioria dos casos, por uma ninharia. Por isso, é uma vida insustentável", explica o presidente da Cooperativa dos Agentes Ambientais e Recicladores do Estado de Pernambuco, Paulo André de Araújo. Com o projeto, os trabalhadores vão fazer todo o percurso coleta/triagem/venda sem atravessadores, aumentando, consequentemente, a renda familiar.
Para realizar esse trabalho de forma definitiva, os catadores vão receber capacitações e recursos destinados à construção dos materiais necessários para a coleta. Além disso, faz parte da iniciativa a assessoria técnica e humanitária com pessoas especializadas na área, como economistas e educadores sociais. "Essa proposta não prevê apenas o desenvolvimento econômico, mas também a inclusão social, já que, assim, eles passarão a se valorizar e ter auto-estima. É a chamada economia solidária", fala um dos coordenadores do projeto pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Recife, Romeu Lemos.
O Coque e a Imbiribeira são as duas áreas do Recife, que foram escolhidas para serem beneficiadas na primeira fase do programa, que começa no mês de abril. Nessa primeira etapa, 100 catadores vão receber as orientações e suportes para transformar o lixo em dinheiro. Cerca de R$ 200 mil serão investidos no início para a organização dos catadores, compra de material e estruturação de encontros e oficinas profissionalizantes. "As atividades vão se estender para todos os membros da família. A esposa do catador, por exemplo, vai se especializar em outro ofício para que possa ajudar o marido a sustentar a casa", ressalta Lemos.
Até o final do projeto, que não tem data prevista, serão instalados dois núcleos de triagem nas duas localidades, para que os próprios catadores reciclem o lixo recolhido, "dessa forma, eles não serão um mero instrumento da cadeia produtiva, mas um agente participativo e com poder de decisão. É um modo de resgatar a cidadania desses trabalhadores", argumenta Paulo André.
A Cáritas Brasileira, entidade religiosa parceira no projeto, vai ficar responsável pelo acompanhamento e monitoramento das atividades durante os dez meses previstos para a formação dos núcleos. "A perspectiva é de que em 2006 sejam cerca de 1.500 catadores ajudados pelo programa", destaca o secretário regional da Cáritas, José Hamilton da Costa.
A RMR agrupa mais de dois mil trabalhadores
A Região Metropolitana produz cerca de cinco mil toneladas de lixo por dia. Desse total, a cidade do Recife é responsável por 62%, o que significa três mil toneladas. De acordo com a Cooperativa de Agentes Ambientais e Recicladores de Estado de Pernambuco, apenas 30% do material pode ser reaproveitado pela coleta seletiva. "Seria mais fácil se as pessoas tivessem consciência da importância que é separar o lixo em casa ou nas empresas. Facilitaria muito o nosso trabalho", fala o presidente da Cooperativa, Paulo André Araújo.
Funcionando numa sede improvisada, no bairro da Encruzilhada, a Cooperativa surgiu da necessidade de se ter um instrumento de luta, para que os trabalhadores pudessem ser inseridos na sociedade e ter seus direitos reconhecidos, apesar da profissão não se regulamentada pelo Ministério do Trabalho (MT). Hoje, além dos funcionários da Cooperativa, já foram contabilizados 160 catadores associados. "Para a nossa realidade, esse é um número vitorioso e só tende a crescer", comemora Paulo André.
Na capital pernambucana, trabalham quase dois mil profissionais, eles coletam 10% de tudo que é jogado fora pela população. "O projeto é um amadurecimento da administração municipal para a questão da política de resíduos sólidos", avalia.
Para o representante da PCR na coordenação do projeto, Romeu Lemos, esse é apenas o primeiro passo para a consolidação dessa política. "Todos ganham com iniciativas como essa, do catador à comunidade onde ele vive e trabalha" , explica Lemos. (J.F.)
Coque será atendido por ter piores indicadores
O Coque foi escolhido para participar do projeto de organização dos catadores por ser considerado um dos piores indicadores sociais da cidade do Recife, com altos índices de violência. Os moradores que vivem nas duas comunidades, onde o projeto vai ser desenvolvido, trabalham basicamente da coleta seletiva de lixo. Só na favela do Pantanal, 30% das 320 famílias que residem embaixo do viaduto Joana Bezerra, trabalham com o lixo.
É o caso de Ednaldo Firmino do Santos, 47 anos, que já cata há mais de seis anos pelas ruas do bairro da Boa Vista. Por dia, trabalhando com a esposa, ele consegue juntar mais de 60 kg de papel branco e papelão. O primeiro custa por volta de R$ 0,30 o quilo e o segundo R$ 0,13. "Vou até às 22h catando, mas com esse dinheiro não consigo manter os meus filhos. A minha sorte é que já tenho um ponto fixo, onde tiro por volta de oito reais", comenta.
A adolescente de 16 anos, Ana Maria de Oliveira, também faz parte dessa realidade. Com dois filhos, um deles de apenas dois meses, ela faz coletas desde os 12 anos. "Eles já nascera catando. Como não tenho com quem deixar, coloco os dois dentro da carroça e levo comigo. Não sei qual vai ser o futuro deles", fala.
Na favela do Papelão, que fica embaixo do viaduto João Paulo II, no Cabanga, apesar de algumas famílias terem sido transferidas para outra área depois do incêndio que destruiu os barrados, em março de 1999, outras 28 continuam no local e metade trabalha diretamente com os materiais recicláveis. É lá que será implantado um dos núcleos de triagem. "Vivemos numa miséria sem tamanho e nunca vai ter mudança", reclama Sebastião Raimundo, 56, que há 15 cata no centro da cidade, conseguindo apurar até 150 quilos de papel, plástico e alumínio.(J.F.)