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Filantropia e Renúncia Fiscal

Por Ives Gandra da Silva Martins   26 de março de 2003
São Paulo (SP) -Questão de permanente indagação, na mídia e nos Tribunais, tem sido a discussão sobre as entidades beneficentes de assistência social e o direito de usufruir da imunidade constitucional de impostos e contribuições sociais. O Conselho Nacional de Assistência Social tem reiteradamente negado os denominados "Certificados de Filantropia", que sempre concedeu às entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos, em "alteração de rumo" sem consistência jurídica, fato que, certamente, prejudicará o trabalho complementar que o setor privado faz a favor do "social", em nível incomensurável melhor do que aquele que os governos realizam apesar de contarem com arrecadação equivalente a 34% da carga tributária, em relação ao PIB. Toda a questão reside em interpretar o texto constitucional, que cuida das entidades beneficentes (gênero) (art. 150, inciso VI, letra "c" e 195 § 7º) e não de entidades filantrópicas para o gozo da imunidade. Beneficente é aquela entidade que atua em favor de outrem que não seus próprios instituidores ou dirigentes, podendo ser remunerada por seus serviços. Filantrópica é entidade com idêntico escopo, mas cuja atuação é inteiramente gratuita, ou seja, nada cobra pelos serviços que presta. O constituinte ao outorgar a "imunidade" dos impostos não falou em "filantropia", mas em entidades beneficentes de "assistência social e educação" e, ao cuidar das contribuições sociais, cuidou de entidades beneficentes e não apenas das entidades filantrópicas. A condição essencial para que uma entidade seja beneficente é, a meu ver, cumprir o disposto no artigo 14 do CTN, que, na sua redação original, exigia, apenas, a aplicação dos recursos no país, a não distribuição de benefícios a seus diretores e a escrituração regular. As alterações da lei complementar n. 104/2001 não atingiram, todavia, o âmago do perfil -nem poderia fazê-lo- continuando a haver a distinção entre entidades filantrópicas e beneficentes. O governo, todavia, incapaz de cortar despesas administrativas (mais de 50% de todos os tributos são destinados a remuneração da mão-de-obra oficial da Federação Brasileira e mais de 25% de toda a mão-de-obra formal do país pertence ao Poder Público), tem denominado pejorativamente as entidades que fazem o que o Estado não faz com os tributos que recebe, de "pilantrópicas", vociferando contra a "renúncia fiscal" -leia-se imunidade- ao mesmo tempo esconde o fato de que destina 50% de todos os tributos somente para remunerar os servidores da União e 60% para os servidores dos Estados e Municípios. É bom lembrar que a imunidade constitucional é uma vedação absoluta ao poder de tributar destinada a beneficiar as entidades privadas, que não são obrigadas a fazer o que seria obrigação do governo, mas que o fazem incentivadas pela desoneração constitucional, visto que o governo presta serviços sofríveis nessas áreas vitais para a coletividade. Pessoalmente, creio que a insuficiência de caixa do governo não justifica seu maléfico esforço em desestabilizar as entidades benemerentes -que não são filantrópicas- retirando uma garantia constitucional, que viabiliza suas atividades, hoje não apenas complementares, mas de relevância maior do que aquelas prestadas pelo Estado. Os governos, portanto, deveriam --como faz a Kanitz & Associados, ao promover 50 entidades escolhidas todo ano por seu trabalho- prestigiar essas instituições, e não em virtude de uma errônea e autofágica política de escorchante arrecadação, emperrar os dois objetivos constitucionais que foram instituídos em prol do voluntariado. Já que os governos não fazem o que devem fazer, não sabem cortar despesas, mantêm uma ultrapassada e inaceitável política de arrecadação, que, pelo menos, não "atrapalhem" aquilo que o segmento privado faz melhor do que o Estado, embora não seja sua obrigação.

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