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"Criou-se um clima de cooperação"

Por Jornal Valor    13 de maio de 2003
Um dos idealizadores do Fome Zero e integrante do Conselho de Segurança Alimentar (Consea), o economista Walter Belik, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), defende que o programa não deve servir apenas para alimentar as pessoas necessitadas, mas também para educá-las. Belik reconhece que o Fome Zero não vai resolver o problema da miséria. Só o crescimento econômico poderá resolver de vez a questão.

Valor: O que é melhor para quem tem fome: receber dinheiro ou comida?

Belik: A distribuição de comida tem de ser marginal, senão cria uma relação de dependência. O melhor caminho é a transferência de dinheiro para que as pessoas comprem alimentos - ou, melhor ainda, gerar atividades em que elas possam fazer sua própria renda. Além disso, comprar alimentos movimenta o comércio local.

Valor: O senhor concorda com a iniciativa do governo de exigir dos beneficiários do Fome Zero comprovantes de que gastaram os R$ 50 mensais com comida?

Belik: Eu sou favorável à comprovação como uma ferramenta educativa. É importante para a família saber que o dinheiro público que está sendo dado a ela tem de ser usado para a alimentação. É uma questão moral: dinheiro do Fome Zero não é para comprar cigarro. As pesquisas indicam que a comprovação faz o consumo de alimentos crescer 30%. Quando elaboramos o programa, tínhamos receio que ele fosse visto como esmola, por isso é importante que exista o compromisso da comprovação.

Valor: Como lidar então com uma família que usa o dinheiro para suprir outras necessidades urgentes, como remédios?

Belik: Cabe ao comitê gestor do projeto decidir sobre exceções. Ninguém vai perder o direito ao benefício porque gastou parte do dinheiro para comprar um remédio para o filho. Mas as famílias também recebem dinheiro de outros programas, como o Bolsa-Escola, que pode ser usado para estes outros fins.

Valor: Por quanto tempo o Brasil terá de manter o Fome Zero?

Belik: Espero que dure poucos anos. O Fome Zero não é um projeto de curto prazo, como o Natal Sem Fome, mas não pode ser eterno. O que se imagina é que as reformas estruturais e a política econômica dêem certo e o país volte a crescer, para então resolver a questão da pobreza. Só o crescimento pode acabar com a pobreza: sem ele, o programa teria de durar para sempre. Nosso objetivo é que o Fome Zero ajude também a gerar atividades sustentáveis: o governo dá dinheiro às famílias, que compram alimentos dos produtores da região, constituindo um mercado.

Valor: Existem reclamações sobre famílias pobres que deveriam ser, mas não são, atendidas pelo Fome Zero. Não seria melhor adotar uma " linha de miséria " ?

Belik: Acho válido estabelecer uma "linha de miséria" para que o governo possa definir os alvos dos programas sociais e quanto precisa ser distribuído por mês. Hoje o cartão do Fome Zero dá R$ 50 e o do Bolsa-Escola dá R$ 15 por criança na escola, mas o ideal seria adotar algo parecido com o que existe nos Estados Unidos, onde as políticas sociais são colocadas por camadas, de acordo com a região do país. A linha proposta pela Fundação Getúlio Vargas (que considera miserável quem recebe menos de US$ 1 por dia) seria interessante, mas é preciso estabelecer um indexador que varie por região, pois as diferenças são enormes de uma parte do país para outra.

Valor: Como é possível fazer isso?

Belik: Nos anos 70, o IBGE fez uma grande pesquisa que mostrava as despesas das famílias em cada região do país e traçava um perfil de consumo e de gastos. Sou a favor de o IBGE repetir algo do gênero: seria importante para ter um instrumento adequado de correção deste valor. Assim, o país teria uma linha de miséria, quem ganhasse menos que aquilo teria de ser assistido, e o país teria também um indexador adequado para corrigir este valor.

Valor: O Fome Zero é uma iniciativa grandiosa. Qual a diferença dele para outros projetos grandiosos que fracassaram?

Belik: Através do Fome Zero, o governo assume que é responsável pela segurança alimentar da população. A diferença é que ele admite que, sozinho, não tem competência para gerenciar esse problema por inteiro. O papel que o governo assume neste contexto é de organizador: ele atua com seus instrumentos e promove a sinergia com as iniciativas bem-sucedidas de empresas, ONGs e da sociedade em geral.

Valor: As iniciativas das empresas brasileiras têm força suficiente para fazer diferença no alcance do Fome Zero?

Belik: Sem dúvida. Em algumas áreas, como as áreas de abastecimento e de distribuição, as empresas são muito mais competentes do que o governo. Hoje, as políticas de responsabilidade social criaram também uma grande força de voluntariado nas empresas, que já apresenta bons resultados. O governo tem de aproveitar isso. Criou-se um clima favorável, de cooperação.

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