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O show de solidariedade que ameaça acabar

Por Beatriz Martins Câmara - Faap/SP   24 de junho de 2003
Olhares melancólicos, nostálgicos, suspiros que denunciam saudades abraços consoladores e que identificam tristeza. Esse vêm sendo o clima dos atuais ensaios do grupo de patinadores que integram o show “Periquitos em Revista”, da Sociedade Esportiva Palmeiras.
Nenhum dos patinadores consegue relatar com clareza porque o espetáculo perdeu seu esplendor de décadas atrás e apresenta-se quase chegando ao fim depois de mais de quarenta anos de sucesso absoluto, no Brasil e até mesmo fora dele.
Alguns acreditam ser devido a ausência de seu fundador, o comendador Hiada Torlay, falecido há oito anos, outros atribuem a derrocada ao falecimento precoce e inesperado de seu sucessor, seu filho e diretor Yader Torlay, mas a grande maioria é unânime ao justificar a falência do grupo devido ao falecimento do seu grande e polêmico coreógrafo, Hugo Setti.
Entretanto, apesar de todas essas atribuições e indagações a respeito da progressiva decomposição do famoso grupo, verifica-se que grandes contribuidores para essa aparente desintegração podem ser relacionados tanto ao clube Palmeiras, quanto à falta de objetivos coerentes com toda a história do show por parte de seus novos diretores.
Relatam, a maior parte dos patinadores, que após uma longa fase de grandes e significativas “perdas” para o show, houve a substituição às pressas de sua diretoria. Com a morte inesperada de seu diretor Yader Torlay, entrava em cena uma nova diretora, ex-patinadora do show, que estava afastada do mesmo há anos.
Apesar da surpresa com relação a escolha da nova diretora, todos os patinadores carregavam consigo a vontade de continuar, e confiaram que, uma vez que o clube se prontificara a contratar uma nova pessoa para dirigir o show, o mesmo iria continuar. Porém, as diferenças começaram a surgir a partir do momento em que foram esclarecidos os novos objetivos e idéias para manter o show ativo.
Diferentemente de como os patinadores estavam habituados, seus treinos começaram a acontecer freqüentemente com a ausência dos diretores do show, e ao longo dos meses os objetivos foram sendo transformados.
O show “Periquitos em Revista” caracterizava-se por ser um espetáculo de caráter filantrópico que reunia atletas de Patinação artística amadores em prol de determinada instituição.
O espetáculo de patinação ajudava as instituições a medida em que consistia em um espetáculo beneficente, e toda a renda arrecadada em cada apresentação era doada à instituição que estava sendo beneficiada em determinada ocasião.
O elenco do show, formado não apenas por crianças (alunos da escolinha de Patinação artística do Palmeiras), como também por profissionais como advogados, arquitetos, professores, etc., identificava-se muito com a proposta de ajudar ao próximo fazendo aquilo que mais gostavam, ou seja, patinar. Não é por acaso que o lema do show era “brincando e ajudando”.
Estes artistas, membros do espetáculo, estavam acostumados a dormir em alojamentos sediados pelas prefeituras das cidades nas quais iam se apresentar, a comer a comida servida pelas próprias instituições que iriam beneficiar, a tomar banho frio quando necessário e a viajar durante horas quando se apresentavam em cidades mais distantes, tudo pelo prazer de patinar e ajudar.
Percebe-se que todos os patinadores gostam muito de patinar e em seus relatos, muitos comentam que se sentiam privilegiados por poder ajudar e participar de um grande espetáculo. A maior parte do elenco integrava o show há pelo menos nove ou dez anos, e a cada show marcado, separava o final de semana apenas para patinar. Alguns profissionais comentam que às vezes, precisavam até mesmo levar parte do trabalho da semana para terminar durante o pequeno tempo livre que sobrava nos dias de show, devido ao grande número de atividades contidas na programação destes finais de semana.
Segundo os patinadores, até há poucos anos atrás, o show continha em sua programação não apenas a apresentação, mas os ensaios e um tempo separado para conhecer de perto o trabalho que era realizado pela instituição que o show iria beneficiar.
De acordo com a antiga proposta do show, todos os patinadores eram levados a estabelecer um contato direto com as pessoas que integravam as instituições.
Através deste contato, muitas histórias marcaram a vida destes artistas; alguns patinadores após conhecer determinadas instituições continuam a ajudar até os dias de hoje, outros se correspondem com “fãs” provenientes destas instituições há anos. Isso, sem contar as demonstrações de carinho que o grupo recebia, como os aplausos de pé ao término do espetáculo e os espectadores do mesmo que aguardavam os artistas na porta de saída do show apenas para conhecê-los e pedir autógrafos.
Através destas atitudes que constituíram os 49 anos de existência do grupo, atuando no setor filantrópico, foram conferidos à Sociedade Esportiva Palmeiras, em 1967 a condecoração de um título da UNESCO (órgão internacional responsável pelo intercâmbio de atividades culturais) e uma comenda da Fraternidade Universal (entidade filantrópica alemã).
Devido a toda essa dedicação e persistência deste grupo de atletas amadores em realizar um espetáculo de qualidade, em prol de alguma causa é que torna-se difícil entender como o show possa estar passando para um estágio que parece caracterizar o seu final.
Para esta indagação nota-se que além das possíveis causas apontadas pelos patinadores, existem outras que talvez influenciem ainda mais esta decadência.
Comenta-se que a partir da entrada da nova diretora, verificou-se inúmeras mudanças na estrutura organizacional do espetáculo. O grande show, com duas tradicionais horas de duração, deveria ser reduzido para uma apresentação de, no máximo uma hora. Seqüências inteiras foram cortadas da produção, assim como diversas roupas, cenários e até mesmo patinadores (o show que antes contava com quase 50 patinadores, hoje apresenta mais ou menos 20).
Diante de tais mudanças, percebe-se uma nova forma de show sendo moldada. Cortes e mais cortes parecem ser o reflexo da atual situação da Sociedade Esportiva Palmeiras, a qual vêm passando por um grande período de crise e em decorrência disso está deixando de investir nos esportes que a representam.
Esta crise deriva-se tanto da redução considerável sofrida pelos clubes, devido às novas opções de lazer de que hoje possuem as pessoas como por exemplo: piscinas e salas de ginástica em seus prédios, academias com aulas diferenciadas, etc., como também, ou principalmente do fato do time de futebol do Palmeiras ter sido rebaixado para a 2ªdivisão.
O futebol interfere diretamente em todas as questões relativas ao setor financeiro do clube, sendo seu principal meio de gerar lucros.
Em conseqüência disto nota-se que o objetivo exclusivo do clube neste momento passou a ser o de reerguer seu time, o que acarretou um grande descaso com relação a todos os outros esportes, inclusive a patinação e o show.
Na realidade, o clube sempre dividia a pouca verba que era distribuída para os esportes, sendo que a verba destinada à patinação ainda passava por um segundo processo de divisão com o hóquei, visto que ambos esportes (hóquei e patinação) são parte do mesmo departamento sendo dirigidos por uma pessoa em comum.
Em virtude desta crise do Palmeiras, esta verba vem sendo reduzida progressivamente, possivelmente até deixar de existir. A pouca quantia que o clube destinava à patinação, praticamente não existe mais.
As medidas adaptativas pelas quais a patinação passou e vêm passando têm desanimado e enfraquecido a força e a união do grupo, que após passar por tantas perdas, fazendo de tudo para não se desintegrar, sente-se agora sem alternativa para lutar.
É notável o desinteresse do clube e dos próprios diretores da patinação com relação ao show, mas pouco se pode fazer... Talvez esperar o clube passar pela eleição do novo diretor geral e munir-se de esperanças para lutar, talvez reunir estes atletas e formar um novo grupo independente. Talvez, apenas esperar pelo final deste grupo, que certamente deixará cicatrizes na historia de muitas pessoas.
É lamentável que um grupo tão disposto a fazer um grande show em prol de pessoas necessitadas seja levado lentamente a se munir de coragem para assistir ao fechar das cortinas do famoso espetáculo.

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