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Excepcional é ser voluntário

Por Informativo Ethos - Cássio Clemente   26 de outubro de 2001
Minha convivência com o terceiro setor começou no dia em que nasci. Um irmão com síndrome de Down, dez anos mais velho, fez com que meus pais se empenhassem desde logo para encontrar um lugar onde ele pudesse ser aceito, educado e desenvolvesse algum tipo de atividade. Acabaram fundando, em São Paulo, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, Apae-SP, que, além do meu irmão, abrigou e acolheu milhares de deficientes. Para mim aquela atividade, que fez nascer uma instituição útil e reconhecida, sempre foi um trabalho para meus pais, bem como para alguns que, na minha opinião, tinham algumas duplicatas para pagar a Deus. Não tinha nada a ver comigo.

Há um ano, porém, mudei completamente minha maneira de pensar. Talvez por ser pai de duas meninas e um menino, absolutamente normais, e por achar que o mundo poderia ser um pouco melhor, mais humano e mais solidário. Certa vez me choquei com estatísticas alarmantes: existem aproximadamente 13 milhões de deficientes mentais em nosso país. Meu irmão já não faz parte desse grupo. Ele morreu em julho.

Meu pai, médico e professor de radiologia da Escola Paulista de Medicina, pretendeu tranqüilizar-me quando me informou que alguns dos deficientes sofreram algum tipo de problema durante o parto ou tiveram má alimentação durante a tenra infância. Mas, sabendo disso, fiquei ainda mais preocupado. Comecei a me conscientizar de que o problema não era só dos meus pais, ou de algumas poucas pessoas, mas, sim, de toda a nação. Pensei se não seria o caso de nos mobilizarmos para superar esse que, eu recém-descobrira, é um dos grandes desafios do nosso país.

Claro que não é tão simples. Quanta gente já escreveu, pesquisou, analisou nossos problemas sociais, educacionais e de saúde? Inúmeros talentos da área governamental já olharam para o problema, mas as verbas, sempre escassas, os faziam dar prioridade a outras destinações. No entanto, como publicitário, comecei a questionar se o problema, antes de ser do governo, não diz respeito à sociedade, ao empresariado, a nós que, como indivíduos, convivemos com maior ou menor intensidade, diariamente, com essa questão.

Este é o ano do voluntariado. Inúmeros apelos foram feitos para que cada um doe um pouco de seu tempo e de seu talento a quem precisa. Perdoem-me os colegas de profissão, mas nessa fantástica campanha, que tanta consciência tem trazido à população, faltou a famosa ordem de comando, como `Ligue para` ou `Faça agora`.

Existem muitas instituições precisando de ajuda, mas, advogando em causa própria, queria lembrar que ajudando os 13 milhões de deficientes mentais estaremos, na verdade, contribuindo para um país melhor, mais eficaz. Há oito meses a Apae-SP iniciou um processo de renovação do seu foco de trabalho, buscando estar preparada para o futuro, para as novas realidades e demandas desse nicho da sociedade. Dois grandes projetos foram lançados como metas daquele biênio de administração que se iniciava. O primeiro é desenvolver fontes de recursos para manter e renovar a Apae-SP e seus centros comunitários espalhados pela cidade, buscando a integração do excepcional deficiente mental à sociedade, de forma útil.

O segundo projeto é a abertura do Centro de Estudos do Desenvolvimento Humano - pioneiro na América Latina, visando à prevenção e maior geração de conhecimento sobre o assunto. É claro que muitos já se juntaram a essa luta. Mas muito ainda está por fazer. É preciso dinheiro, incentivos governamentais e principalmente dedicação de mais pessoas interessadas em ajudar para transformar esse projeto, que começou com o desespero e a força de alguns pais, em orgulho da maturidade e conscientização de um país.



* Cássio Clemente é presidente da Lumina Américas e diretor da Apae-SP.

Artigo publicado na Revista Forbes Brasil, 10 de outubro de 2001, página 102.

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