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Só o aprendizado tira jovens do crime

Por Teresinha Matos   26 de novembro de 2003
Foto de Newton Santos / Digna Imagem Teresinha Sarteschi (acima), da CMDCA, que aprovou apenas duas certificadoras
O bárbaro assassinato dos adolescentes Liana e Felipe por outro jovem tem levado a refletir mais sobre a educação dessa parcela da população. A sociedade paulistana preocupada com a educação e a profissionalização dos jovens reivindica que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de São Paulo (CMDCA-SP) desburocratize e agilize a aprovação dos programas das entidades certificadoras, escolas e instituições que preparam os aprendizes da Capital.

Essa é a conclusão a que chegaram os participantes da audiência pública "Adolescente Trabalhador Aprendiz", promovida pela Comissão Extraordinária Permanente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal de São Paulo.

Desde a publicação da Resolução 68, do CMDCA-SP, em 6 de junho, as entidades certificadoras estão aguardando que o órgão aprove seus programas. Segundo a presidente do Conselho, Teresinha Sarteschi, até o momento foram aprovados apenas dois: o do CIEE e o do Campi Santana, por meio de liminar.

A lei 10.097, que regulamenta o trabalho do aprendiz -adolescentes entre 14 e 18 anos incompletos-, faculta a entidades sem fins lucrativos, voltadas à assistência e à profissionalização de jovens, a execução de programas profissionais desde que os inscrevam nos CMDCAs.

Criatividade - "Todo o Estatuto da Criança e do Adolescente, as leis, as normas e a Constituição norteiam a ordem, o comportamento social e a convivência acima de tudo. Porém, quando os estatutos se deparam com normas que não se adaptam à realidade, temos que ter a criatividade para superar esses entraves", declarou o vereador Rubens Calvo (PT), presidente da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Segundo ele, é preciso que o bom senso prevaleça para adequar o que vigora nos estatutos ao factível, que é nossa realidade social, considerando as dificuldades da conjuntura. "Teimar em se apegar a artigos e deixar de promover a verdadeira garantia para o adolescente que é seu futuro é improdutivo", analisou Calvo. Para ele, é preciso ter sensibilidade para perceber o que diz a lei e o que a sociedade precisa.

O vereador do PT relembrou a perplexidade geral causada por crimes como os de Champinha e Batoré, acusado de 15 homicídios quando ainda era menor de idade. "A Febem precisa ser repensada. Os adolescentes que cometeram crimes graves devem ser tratados e reeducados, e os com delitos leves, encaminhados ao trabalho", disse, elogiando a apresentação do Coral do Projeto Guri, formado por jovens do Internato Feminino Parada de Taipas, ligado à Febem. "É preferível ver os adolescentes trabalhando? Ou perambulando pelas ruas?", questionou.

Sem burocracia - Cristina Aparecida Ribeiro Brasiliano, procuradora regional do Ministério Público Federal do Trabalho, concorda que os conteúdos dos cursos precisam ser avaliados pelo CMDCA. "Mas não adianta colocar obstáculos, já que existe uma massa de adolescente clamando por educação", disse.

Segundo ela, a lei 10.097 veio para melhorar a aprendizagem. "A lei traz para o mercado mais instituições, oferecendo cursos que o sistema S (Sesc, Senai e Senac) não atende, por insuficiência de vagas".

"Alguns cursos profissionalizantes não atendem os adolescentes por que não estão inscritos no CMDCA, por conta dos trâmites burocráticos da Resolução 68/2003", lamentou.

Cláudia Franco, também procuradora regional do Ministério Público Federal do Trabalho, concorda e vai além: "O que acontece? Ao invés de proteger, essa situação acaba criando prejuízo aos adolescentes, que ficam à margem".

Marisa Negri, coordenadora do Movimento Degrau -iniciativa da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, da Associação Comercial de São Paulo e da Rede Brasileira de Entidades Assistenciais e Filantrópicas- também pediu a descomplicação dos processos de aprovação dos programas das entidades certificadoras. "Com o passar do tempo, todos os ajustes nos programas de aprendizagem seriam feitos".

Segundo ela, 15 mil adolescentes em todo o Estado estão trabalhando com contrato de aprendiz através do esforço da facilitação do programa de Convivência e Aprendizado no Trabalho do Degrau. "Ainda é pouco, mas esse processo começou há um ano. E o principal problema não são as vagas e nem o interesse por parte dos adolescentes".

A coordenadora do Degrau lembrou ainda que esses adolescentes vêm sendo contratado por micro e pequenas empresas, que compõem a maior parte da rede das 400 Associações Comerciais do Estado de São Paulo. "A MPEs não precisam cumprir a lei 10.097, mas têm o dever social de inserir o adolescente no mundo do trabalho e da escola. Se não oferecer essa oportunidade, nós sabemos quem o fará", ressaltou.

Mudanças - Cecília Coutinho Ribeiro, assessora de Dalton Silvano, representando o vereador do PSDB, sugere mudanças no processamento dos documentos no CMDCA-SP. "O ideal é que o conselho adotasse a via rápida, imprimindo mais velocidade na deliberação dos processos, a exemplo do que acontece em outros órgão públicos municipais".

Em sua opinião, se uma entidade certificadora apresenta um programa em desacordo com as normas, que ela possa fazer de pronto a adequação. "Enquanto a burocracia impede o trabalho do aprendiz paulistano, outros municípios como Mogi das Cruzes estão empregando e educando seus jovens", disse.

"Isso é acabar com sonhos e esperanças de adolescentes como o aprendiz Fabiano Silva, que pretende trabalhar como advogado", ponderou Cecília ao citar uma reportagem recente do Diário do Comércio, durante a audiência pública. A jovem assessora propõe mudanças no artigo 432 da lei 10.097 para que o adolescente aprendiz tenha garantido o ensino até o segundo grau completo.

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