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Solidariedade anônima reabre as portas do Colégio São Bento

Por Teresinha Matos / Diário do Comércio    10 de dezembro de 2003
Foto de Clóvis Ferreira / Digna Imagem Depois de uma séria crise financeira, a escola que completará 101 anos em março ressurge com uma nova proposta pedagógica
No próximo dia 21 de março, o Colégio São Bento, uma das mais tradicionais instituições de ensino São Paulo, vai festejar seus 101 anos de portas abertas. A crise financeira que atingiu o centenário Gymnásio de São Bento nos últimos dois anos foi superada graças à ação pronta e anônima da sociedade e de um grupo de empresários da cidade.

O São Bento começa vida nova com uma ousada proposta pedagógica que vai privilegiar a multidisciplinariedade, a pedagogia de projetos e os temas transversais.

"Os temas percorrerão todas as disciplinas" , diz o reitor do colégio, dom Hildebrando Miranda. Entre as matérias, ecologia, ética, empreendedorismo, liderança e sucessão, além das disciplinas tradicionais.

Formação para a vida – Segundo dom Hildebrando, a escola deixará de ser uma ilha da fantasia. "Os alunos não sairão somente bem formados tecnicamente, mas com um projeto de vida, sabendo trabalhar em equipe e preocupados em se engajar em projetos de responsabilidade social", diz.

Outra preocupação: lidar com as diferenças. "O aluno será formado para a vida com a qual vai se deparar lá fora".

As diversas disciplinas do currículo vão "conversar" entre si. "Se o aluno for estudar o corpo humano, em biologia ele se deterá no aspecto físico; em geografia ele verá as várias diferenças entre os povos e suas regiões; em química ele estudará o processo da digestão e em física verá como funciona a pressão arterial diz dom Hildebrando.

Ele lembra que o conhecimento é um só, mas que a metodologia permitirá que os fundamentos da ciência conversem entre si, estimulando a criatividade do estudante e ampliando a visão do saber.

O Colégio São Bento também passa a integrar a partir de agora a rede Pitágoras, formada por 450 colégios em todo o País, com escolas até mesmo no Exterior. "O material didático da rede Pitágoras lança mão da multidisciplinariedade e será usado como guia mínimo", fiz dom Hildebrando. E, a partir daí, o discurso será ampliado, com o uso de livros didáticos e paradidáticos.

O colégio contará com o apoio da consultoria empresarial e educacional da Gênesis. "Hoje as escolas são pensadas tal qual empresas", explica.

A participação dos pais e da comunidade será ampliada. "Os pais poderão participar de atividades esportivas e culturais programadas para 2004", afirma o reitor.

Inadimplência – Por nunca ter aberto mão do princípio de manter um reduzido número de alunos, o Colégio São Bento foi vítima de um processo de descapitalização nos últimos anos. "Enquanto os grandes colégios particulares mantêm entre 1,5 mil e 6 mil alunos, o que lhes permite um ganho de escala e redução dos custos, o Colégio São Bento preferiu trabalhar em período integral e com cerca de 600 alunos", afirma dom Hildebrando.

Nos últimos dois anos, a crise financeira do País agravou esse quadro. "Os pais ou perderam o emprego ou viram sua renda familiar diminuir. Com isso, a inadimplência chegou a 30%", afirma o reitor.

Solidariedade – Segundo dom Hildebrando, para contornar a crise, recursos do Mosteiro de São Bento começaram a ser desviados para o colégio, mas sua manutenção tornou-se inviável. "Parte da sociedade paulista se sensibilizou e um grupo de empresários que partilha de nossas idéias contribuiu para reverter a situação", diz o reitor. E tudo isso anonimamente.

Tradição - Pelo Colégio São Bento já passaram mais de 30 mil alunos. Freqüentaram seus centenários bancos personagens da literatura, políticos e empresários, como os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Prestes Maia, Prudente de Morais, Franco Montoro, Eduardo Suplicy, Jorge da Cunha Lima e Mário Henrique Simonsen e o general Francisco Roberto de Albuquerque, entre outros.

"Lá aprendi a dar valor ao homem e uma maneira diferente de ver a vida ", afirma o presidente da Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas (Rebraf) e vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Rogério Amato.

E completa: "Tenho um sentimento de profunda gratidão com o Colégio São Bento, pois lá tomei contato com a filosofia da ordem beneditina, que estimula a oração e o trabalho." Também conviveu com professores que incentivavam o debate de idéias. "No ginásio, nas aulas de português, os alunos liam um artigo de jornal, expunham as idéias publicamente e as debatiam", relata.

O empresário, como os demais diretores da Fundação São Bento, da qual é vice-presidente, ficaram consternados com a notícia do fechamento do colégio. "Mas fatos como esse da reabertura me faz apostar num mundo melhor", afirma Amato. Sua ligação com o colégio continua por meio do trabalho na Fundação São Bento, dedicada ao ensino de estudantes carentes.

História - O colégio surgiu em 1903. A cidade de São Paulo crescia. Saltava dos 65 mil habitantes (em 1890) para uma população de 250 mil em 1910. "Os barões do café precisavam contar com uma escola que pudesse formar seus filhos", relata dom Hildebrando.

Os primeiros professores vieram da Europa. "O mestre de inglês tinha vindo da Inglaterra, muitos professores eram alemães e italianos", diz o reitor. Entre os professores fundadores estava o escritor e historiador Affonso D’ Estragnolle Taunay.

O São Bento foi fundado por dom Miguel Krause, na época prior do Mosteiro São Bento. "Os alunos saiam do São Bento sem dificuldade alguma para as melhores universidades da Europa", diz dom Hildebrando. Em 1943, o Gymnásio se transforma no Colégio e passa atender alunos do ensino fundamental e do segundo grau.

Hoje são perto de 600 alunos, muitos descendentes de chineses, coreanos e japoneses. "Os pais trabalham na cidade e deixam as crianças aqui o dia inteiro". Lá estudam moradores de S. Caetano, S. Bernardo e de toda a Capital, das classes A a D. "Cerca de 5% dos alunos são bolsistas", diz o reitor.

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