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A conscientização deve ser feita também na sociedade

Por Ana Carolina Prada - FAAP/SP   10 de dezembro de 2003
Foto de Ana Carolina Prada Nildete Duarte, voluntária da Casa Dia, entre Fábio e Nilton, dois internos.
Americana-SP - O vício nas drogas é, infelizmente, algo comum para boa parte da população. São drogas pesadas como cocaína ou leves, como a maconha. Entre os usuários há os que não admitem que são dependentes e aqueles que procuram ajuda. Para os viciados desse segundo grupo, Eyn Melo Ribeiro fundou a Casa Dia, uma instituição sem fins lucrativos, localizada na cidade de Americana, em SP, e que em seis anos se espalhou pelo Estado de São Paulo e possui hoje outras cinqüenta e quatro unidades.

O objetivo da Casa Dia é lutar pela recuperação dos drogados que chegam até uma de suas unidades. Como disse Nilton, 28 anos, interno da unidade de Americana, usuário de maconha e cola desde os treze anos, “pedir ajuda é assumir a sua fraqueza”, portanto apresentar-se voluntariamente é uma das regras seguidas por essa instituição. A Diretoria acredita que para o tratamento obter algum sucesso é primordial que o viciado tenha consciência de seu vício e queira tratá-lo.

A instituição considera a dependência química uma doença comportamental, incurável, progressiva e fatal e por isso conscientiza os internos de que um trabalho contínuo deverá ser feito e mantido para que eles consigam lidar com o seu vício. Esse trabalho é feito com base nos Doze Passos dos Alcoólatras Anônimos (AA), afinal os Narcóticos Anônimos (NA) são não mais do que ex-integrantes do AA que decidiram fundar uma outra irmandade que tratasse não só do vício em álcool, com em todos as outras drogas, portanto os Doze Passos continuam os mesmos.

  • 1°Admitimos que éramos impotentes perante as drogas e que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
  • 2° Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.
  • 3° Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.
  • 4° Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
  • 5° Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
  • 6° Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
  • 7° Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
  • 8° Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
  • 9° Fizemos reparações diretas aos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.
  • 10° Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
  • 11° Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.
  • 12° Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as atividades.

    A Casa Dia tem o objetivo de tornar os Doze Passos uma filosofia de vida para os internos, mas o ponto principal do tratamento, segundo Fábio, interno há três meses é “trabalhar o sentimento que faz a pessoa usar drogas”. Conscientizado disso, esse interno que tem 24 anos e usou crack, cocaína e maconha desde os treze anos já consegue identificar o problema que tem que encarar para não buscar mais ajuda nas drogas, “eu apanhava do meu padrasto, sempre via minha mãe com outros homens e meu pai era drogado, daí eu pensava o seguinte, se ele usa eu também vou usar, mas não percebia que usava só pra esquecer toda essa bagunça que era minha vida e pra preencher o vazio que eu sentia de não ter uma família legal”, afirma.

    Nilton, o outro interno já citado aqui, também tem um histórico familiar que o influenciou a se drogar, mas a curiosidade na adolescência foi o ponto de partida e a perda do emprego já quando adulto foi uma de suas várias recaídas, porém agora está decidido a trabalhar seu vício, “me encontro com a mente mais aberta, estou cansado de sofrer, admiti que não dá mais pra continuar nessa vida, por isso vim até a Casa Dia pedir ajuda, aqui encontro apoio nos outros internos que lutam pela mesma causa”.

    Como se verifica no depoimento de Nilton, os internos por terem passado por situações semelhantes se ajudam durante o tratamento, e é por esse motivo que Ribeiro, diretor da Casa Dia e ex-drogado, julga mais propício que só trabalhem na instituição pessoas que tenham esse mesmo passado. Toda a manutenção, limpeza e conservação do espaço é feita pelas pessoas estão ou que já foram internadas. Fazer os internos trabalharem é outra regra da Casa Dia, pois mantê-los ocupados física e mentalmente é uma oportunidade de preencher o vazio que antes era ocupado com as drogas.

    Nilton trabalha na horta da instituição e diz que “ocupando o tempo é mais fácil”. Fábio trabalha fazendo pinturas e esculturas nas paredes das salas da Casa Dia, e tem opinião parecida com o outro interno, “ter boa vontade pra trabalhar é importante, e o trabalho que agente faz aqui nos dá experiência para fazer alguma coisa lá fora”.

    A Casa Dia julga que em quatro meses é possível reeducar um adicto (nome que eles usam para os usuários de drogas), primeiro vem a desintoxicação, depois a consciência e por último a preparação para viver fora de lá. Fábio já está na unidade de Americana a três meses, e por isso em seu depoimento já menciona a possibilidade de sair, mas sabe que enfrentará dificuldade, “aqui dentro é fácil, tem que viver lá fora”. Ele diz isso pelo fato de a instituição ser um lugar para onde as pessoas correm e são recebidas com carinho no momento em que mais precisam de ajuda, porém na hora que estiverem prontas pra sair, sabem que não encontrarão tal receptividade no mundo real; como diz o mesmo interno, “minha família não me aceita mais, e a sociedade discrimina pessoas como eu, que além de ser um ex-drogado, sou também pobre”.

    Essa discriminação e esse abandono fazem, muitas vezes, com que o adicto se encontre novamente no vazio e tenha uma recaída, Nilton diz que é melhor não manter contato com as pessoas que usavam drogas junto com ele, pois “já que agora vou que cuidar de mim, assim é mais fácil ficar limpo”, Fábio concorda e diz ainda, “tentarei até mesmo não freqüentar bares”.

    Antes de se internar Fábio trabalhava como pintor autônomo e assim como Nilton, parou de estudar na 4ª série do ensino fundamental. Ele tem duas filhas de 6 e 4 anos que o esperam e o motivam a sair da instituição pronto para lutar por uma vida melhor do que ele levava antes. Ele pretende fazer supletivo e também um curso de informática. “Preciso de uma estrutura para conseguir viver, serviço de pintor não dá pra se manter, tem dia que tem trabalho e tem que não tem”, conclui.


    FENACAD -Federação Nacional das Casas Dias.
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