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Uma alternativa à Febem

Por Valor Econômico   9 de fevereiro de 2004
Rubens Naves

Santo André, São Bernardo e Diadema terão unidades para internação de adolescentes infratores diferentes do modelo atual da Febem. A definição aconteceu no dia 22 de janeiro, durante reunião do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, na qual também se definiu a municipalização da medida socioeducativa de Liberdade Assistida nos sete municípios consorciados.

As unidades de internação serão pequenas, comportando 75 internos cada uma. Devem ter proposta de trabalho, desenho arquitetônico e projeto pedagógico bem diferentes da lógica prisional que prevalecia na grandiosa e problemática unidade de Franco da Rocha, fechada no fim do ano passado.

Infelizmente, no dia seguinte ao acordo que formulou essa nova proposta de trabalho, dois jovens foram mortos na unidade de Vila Maria, confirmando a urgência de se fazer uma profunda mudança na Febem.

Agindo dentro da perspectiva do acordo firmado entre Estado, municípios do ABC e organizações da sociedade civil, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, caminha no sentido de aplicar, de fato, o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Já sua proposta de mudanças na legislação brasileira sobre juventude, enviada ao Congresso Nacional no fim do ano passado, caminha na direção contrária. Ela colide com a Constituição ao punir mais rigorosamente uma faixa da população (os adolescentes em conflito com a lei) do que os adultos, cujos delitos são regidos pelo Código Penal.

Por via transversa - ou oblíqua, como afirma o Professor Miguel Reale Júnior -, o anteprojeto de lei altera a maioridade penal, na medida em que impõe internação com prazo determinado de até oito anos e, na hipótese de reiteração do ato infracional, de até dez anos.

Já o adulto condenado por um delito grave, como homicídio, se imputado a 18 anos de prisão, sendo primário e com bom comportamento, sairá depois de cumprir 1/6 da pena. Ou seja, após ficar preso pelos mesmos três anos que chocam os que hoje se rebelam contra a suposta suavidade do ECA. Um país não pode tratar seus adolescentes, que são pessoas em formação, com mais rigor que seus adultos mais perigosos.

É um ilusionismo penal acreditar que criar ou reformar leis podem mudar um país. Se isso fosse verdadeiro, teríamos observado uma diminuição no número de seqüestros desde o surgimento da legislação sobre crimes hediondos, a Lei nº 8.072, que ampliou a pena para esse tipo de crime. Em 1996, por exemplo, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo registrava 24 ocorrências no Estado. Em 2002, foram 642 casos. Um aumento de 2.575%!

A proposta de mudança no ECA também parte de um falso pressuposto ao mencionar a "constante escalada de crimes graves praticados por menores de 18 anos". Embora muitos tenham essa mesma impressão, os dados não a confirmam. Existem no Brasil cerca de 10 mil adolescentes cumprindo medida de privação de liberdade, número pequeno comparado aos 33 milhões de brasileiros que têm entre 12 e 21 anos.

Um levantamento divulgado no início deste ano pela Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, tendo como base prisões em flagrante e boletins de ocorrência lavrados em 2003, mostra que os adolescentes foram responsáveis por 1% dos homicídios dolosos (com intenção) e 1,5% do total de roubos. E a participação dos jovens na criminalidade do Brasil está em torno de 10%, abaixo da média mundial de 11,6% obtida pela ONU no relatório Crime Trends.

Agora vamos pensar no pior. Como sairia da prisão esse adolescente que chegou aos 17 anos e ficou lá até, por exemplo, 25 anos? Sairá melhor do que entrou? Ou terá se "graduado" nas escolas de crimes que são nossos presídios? O maior acerto do ECA é sair da lógica punitiva e criar uma perspectiva socioeducativa, com o objetivo de reinserção social - embora, na maioria dos casos, fosse mais correto dizermos "inserção".

O Estatuto prevê que o adolescente seja acompanhado, em seu retorno ao convívio social, por outras medidas que completem sua formação cidadã, como a Liberdade Assistida e a Prestação de Serviços à Comunidade, por um prazo mínimo de seis meses. São medidas que têm mais efeito quando geridas a nível municipal e com apoio de entidades civis, tal como ocorrerá no ABC.

A fixação do tempo de reclusão no dia do julgamento, em vez de avaliações semestrais, outra mudança proposta, pode gerar efeito contrário. A perspectiva de avaliação periódica dá ao jovem infrator, tratado como sujeito de direitos, a motivação necessária para refletir sobre seus erros, mudar seu comportamento e, assim, readquirir a liberdade. Ao contrário, a fixação de uma pena rigorosa, podendo equivaler à quase metade de sua existência, tenderá a gerar no recluso uma idéia fixa, a de fugir.

Por fim, é preciso enterrar a falsa crença de que o adolescente brasileiro não seja punido pelo que faz. Ele é responsável pelos seus atos. A diferença, diante dos adultos, é que ele não é penalmente imputável, justamente por estar em formação psíquica, moral e física.

Segue-se no Brasil o entendimento de inúmeras legislações no mundo inteiro, principalmente dos países mais desenvolvidos. Mas isso não quer dizer, de forma alguma, que autores de crimes bárbaros sejam protegidos. Há sete medidas de responsabilização previstas no ECA, entre elas a de internação por até três anos.

O jurista Luiz Flávio Gomes destaca, aliás, que o art. 112, § 3º do ECA prevê a adoção de medida de segurança para adolescentes que revelem grave desvio de personalidade, cuja extensão pode ultrapassar os três anos, até que cesse a periculosidade. O ECA, portanto, não precisa ser reformado. Necessita, isto sim, de políticas públicas eficientes para ser de fato implementado.

Rubens Naves é diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente E-mail: fundação@fundabrinq.com.br

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