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Entrevista / Mary Robinson

Por Correio Braziliense    30 de outubro de 2001
Em defesa dos civis afegãos

A comissária-chefe da Organização das Nações Unidas (ONU), Mary Robinson, pediu aos estrategistas militares responsáveis pela ofensiva contra o regime talibã que respeitem os princípios de ''necessidade e proporcionalidade''. Segundo ela, as ações bélicas no Afeganistão devem ser estudadas a fundo para que os bombardeios só aconteçam em situações de extrema necessidade. Robinson também alerta que é preciso proteger a população civil, assim como funcionários de entidades de ajuda humanitária, contra os ataques norte-americanos, iniciados no dia 7 de outubro, que já atingiram uma série de alvos civis. ''É imprescindível a abertura de corredores humanitários que permitam a chegada de ajuda nas próximas semanas para aliviar uma situação muito séria'', disse ela. Em entrevista ao jornal espanhol El País, Mary Robinson defendeu a entrega à Justiça de Osama Bin Laden - principal suspeito de ter comandado os atentados contra o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington, no dia 11 de setembro - e a ratificação de um tribunal internacional para julgar crimes contra os direitos humanos. Ex-presidente da Irlanda (1990-1997), Robinson esteve recentemente na Argentina e no Uruguai para participar de seminários regionais sobre justiça internacional e direitos humanos, sociais e culturais.

Como você avalia a atual fase do conflito no Afeganistão?

MARY ROBINSON - Não se pode piorar a vulnerabilidade de uma população que já sofreu muito. Temos, então, uma grande responsabilidade no cumprimento das pautas internacionais de necessidade e proporcionalidade.

Você continua lutando pelo fim dos bombardeios?

ROBINSON - Não posso opinar sobre a estratégia militar, mas insisto que a ajuda humanitária é de grande importância para os refugiados e o povo afegão. Não é só uma necessidade, mas um direito humano.

Por exemplo?

ROBINSON - As mulheres grávidas que foram deslocadas por causa da guerra. Elas estão sem teto, sem alimento e têm direito a um lugar seguro para dar à luz como qualquer outra mulher em qualquer parte do mundo. Todas as crianças do planeta têm o direito de serem alimentadas, mas no Afeganistão não há comida. Temos que atuar com urgência antes da chegada do inverno, em meados de novembro.

Em que condições se desenvolve a ajuda humanitária?

ROBINSON - O maior problema é que, depois do dia 11 de setembro, os talibãs expulsaram todos os trabalhadores das organizações não-governamentais. Só ficaram o pessoal do Unicef, do Programa Mundial de Alimentos e da Cruz Vermelha Internacional. Todos estão mostrando grande coragem porque são os últimos combatentes de luta humanitária neste momento.

Você tem mantido algum contato com o governo dos talibãs?

ROBINSON - Enviei uma missão à Islamabad para avaliar a situação e transmitir minha mensagem aos talibãs para que atuem com responsabilidade e entreguem Osama Bin Laden à Justiça. Não sei se minha voz será ouvida, mas foi essa a minha mensagem.

Como você observa a situação dos direitos humanos na América Latina?

ROBINSON - Na Argentina, falei com organizações não-governamentais sobre questões como a impunidade, os desaparecidos e o roubo de crianças de desaparecidos. É muito importante proteger os direitos humanos em uma situação de graves dificuldades como a que Argentina atravessou. Me preocupou que várias ONGs expressaram sua preocupação diante da tendência na Argentina de criminalizar o protesto social. Creio que a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais exige um discurso conjunto para atrair a todos aqueles que se sentem excluídos e marginalizados.

Você considera legítimo que juízes de outros países intervenham na perseguição de violadores de direitos humanos?

ROBINSON - Apóio a crescente corrente a favor de uma jurisdição universal e de um novo clima que se vive na esfera judicial para perseguir os culpados de graves violações de direitos humanos. Não podemos retroceder no empenho. Me alegra saber que há ditadores e generais que não dormem tranqüilos à noite. Isso acontece porque começamos a exercer a jurisdição universal e os tratados de extradição. Estou fazendo forte pressão para a ratificação de um tribunal internacional.

A esperança de que a Justiça universal poderia ser uma realidade não se perdeu quando o general Pinochet foi libertado em Londres e devolvido ao Chile?

ROBINSON - Apesar de hoje estar livre em seu país, houve um processo muito importante e, de fato, esse processo continua. Se levarmos em conta que há anos não se abria nenhuma ação contra ele, a prisão de Pinochet mudou radicalmente a reputação daqueles imputados em graves violações de direitos humanos e, por conseguinte, a percepção dos tribunais de Justiça, tanto na Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha quanto em Santiago do Chile.

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