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ONG Empreenda! Crédito a pequenos comerciantes
Por Setor3 / Laura Giannecchini   5 de abril de 2004
Os bairros da periferia de São Paulo vivem hoje uma realidade bastante
parecida. Afetados pelo desemprego e baixo poder aquisitivo, os
moradores dessas regiões vêem seu poder de compra despencar a cada dia.
Esse processo de empobrecimento se reflete também no bolso dos pequenos
comerciantes, que não conseguem vender seus produtos.
É o que acontece, por exemplo, nos bairros do Jardim São Luís e Ângela, na zona sul de São Paulo. Com faturamento baixo, os pequenos comerciantes não conseguem girar o capital de seus negócios e, conseqüentemente, ficam impedidos de comprar novas mercadorias. Em algumas padarias e lanchonetes, os produtos básicos ficam dias desaparecidos das prateleiras. Nos bares falta até cerveja.
Para tentar reverter essa situação, há um ano, dois franceses resolveram montar uma organização não-governamental (ONG), a Empreenda!, que concede microcrédito produtivo a comerciantes e pequenos empreendedores. O objetivo do projeto é "fomentar o desenvolvimento sustentável, ajudando com instrumentos econômicos as pessoas excluídas do sistema", explica Laurence Perron, responsável pelo financiamento e gestão da organização.
De acordo com Laurence, o primeiro passo da organização foi conhecer a região escolhida para implantação do projeto. Uma pesquisa desenvolvida pelo grupo, a partir de dados da Prefeitura de São Paulo, revelou o potencial empreendedor da região: dos cerca de 2 milhões de moradores do Jardim Ângela e Jardim São Luís, onde a ONG atua, 150 mil são pequenos empreendedores. Muitos deles, no entanto, não têm seus negócios legalizados e não conhecem instrumentos eficazes de gestão. Por isso, o sucesso do negócio fica comprometido. "Um dos fatores-chave de sucesso [nesse tipo de organização] é uma boa integração com o bairro em que você atua. Você deve focar os esforços em uma população que você pode contatar freqüentemente", afirma Laurence.
Identificado o perfil do público-alvo, a organização passou a desenvolver sua metodologia de trabalho. No início, a Empreenda! concedia apenas crédito individual, no qual o empréstimo é liberado mediante uma garantia que, na maioria dos casos, é a alienação de um bem. Com o desenvolvimento do trabalho, a ONG percebeu que o crédito solidário era bastante eficiente para emprestar dinheiro a empreendedores que estão em uma situação mais difícil. Nesse caso, monta-se um grupo de três a sete pessoas e o empréstimo é feito em conjunto, embora cada um dos membros peça o valor que considerar necessário.
No crédito solidário não é necessário nenhum tipo de garantia porque cada um dos membros do grupo é responsável pelo pagamento das parcelas dos outros. De acordo com Laurence, geralmente os grupos são formados por pessoas que já se conhecem e que têm confiança uns nos outros. O sistema é indicado para pessoas que não têm agilidade para gerenciar negócios e planejar a data de pagamento do empréstimo. "Eles se organizam e a solidariedade funciona bem", afirma.
A metodologia da organização foi sendo aperfeiçoada no decorrer do desenvolvimento do trabalho. Os agentes de crédito da organização (atualmente são dois) acompanham os empreendedores, orientando-os sobre como utilizar corretamente o crédito. São eles que visitam os clientes, e não vice-versa, porque às vezes é muito difícil para um comerciante se deslocar até onde a organização. Isso, segundo Laurence, evita o calote. Hoje, a taxa de inadimplência desse tipo de crédito solidário é zero e a de crédito individual, até o final do ano passado, ficou em 6%.
"Não aprovamos apenas o crédito como o banco faz, no qual a pessoa vai até o balcão, traz a documentação e o crédito é liberado. Antes de fecharmos o empréstimo, analisamos cuidadosamente o caráter do empreendedor, suas condições socioeconômicas, as condições do negócio (maquinário, local, capacidade de pagamento do empréstimo, fluxo de capital) e principalmente a finalidade do crédito. Depois, há um acompanhamento do microempreendedor que custa caro. Embora não seja nossa missão dizer ao empreendedor como ele deve gerir o negócio, verificamos se o crescimento do negócio está indo conforme o planejado, se a pessoa está conseguindo lucrar conforme foi esperado", explica Laurence.
"A função do agente de crédito não é só conceder o crédito, mas conversar com o cliente, estar sempre próximo. Ele concede o crédito, faz a cobrança, auxilia o cliente em determinadas ações como explicar sobre pontos fracos da atividade dele, fazendo uma avaliação completa do cliente. Ele é o elo principal entre o cliente e a instituição", completa Everson Alves Machado, que é agente de crédito da instituição.
Esse tipo de acompanhamento, entretanto, gera altos custos para a organização. Por isso, a taxa de juros cobrada deve ser alta (no caso da Empreenda! é de 3,9% ao mês). Alain Delcourt, gerente operacional da ONG, critica, nesse sentido, o programa de microcrédito do governo federal - que exige que as organizações de microcrédito cobrem, no máximo, uma taxa de 2% de juros ao mês. "A política nacional de apoio ao microcrédito está muito evasiva, então a gente não consegue financiamentos institucionais".
Alain explica que o plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva visa principalmente incentivar as pessoas a terem uma conta no banco. "É o que a Caixa Econômica Federal faz no programa Caixa Aqui, que abriu 500 mil contas para pessoas de baixa renda. A iniciativa é louvável, mas não tem muito a ver com o que a gente faz. O empréstimo para fins de consumo eles chamam de microcrédito. Se você aplica uma taxa de 2% ao mês, ao nosso modelo, ou a gente nunca vai conseguir ser auto-sustentável e sempre vai depender de subsídio, ou a gente vai deixar de fazer crédito produtivo. É o que acontece hoje", conclui.
Alain explica que, ainda na França, antes de começar a atuar no Brasil, ele e o amigo Olivier criaram a sede da organização que arrecada fundos para o trabalho desenvolvido no Brasil. A empresa Hewlett-Packard (HP) foi a principal apoiadora do projeto. Doou 80 mil euros para que a ONG iniciasse suas atividades. De doadores individuais, a organização conseguiu arrecadar mais 20 mil euros.
De acordo com Alain, esse capital ainda não é suficiente para tornar a organização auto-sustentável. Para isso, é preciso que ela continue emprestando a uma taxa de 3,9% e consiga ter entre 2 e 3 mil clientes ativos por ano.
Atualmente, a Empreenda! tem 200 clientes ativos, sendo que, em fevereiro, foram cadastrados 15 novos clientes individuais e 15 novos grupos solidários (de quatro pessoas cada). No primeiro mês da atuação da ONG, eram apenas sete clientes ativos.
A prioridade da Empreenda!, segundo Everson Machado, é conceder o crédito para as mulheres "porque a mulher é o pivô da casa, ela sustenta normalmente todas as obrigações com o lar e tem preocupação com a família". A organização pretende atingir uma média de 60 ou 70% de empréstimos às mulheres e 30% aos homens.
O pagamento do empréstimo é feito quinzenalmente para que os juros não fiquem altos e para que eles possam pagar as parcelas em dia. "Como eles mexem praticamente todos os dias com dinheiro, é bem mais fácil dividir uma parcela em duas vezes em um mês do que cobrar numa parcela só porque o percentual de juros ficaria mais elevado. Sendo dividido assim, a tendência dos juros é ficar sempre com parcelas baixas, dando condições para eles pagarem", afirma Everson.
Empreenda!
Estrada do M'Boi Mirim, 1427, sala 6 - São Paulo - SP
E-mail: alain.delcourt@Empreenda!.org.br;
laurence.quezel@empreenda!.org.br
Site: www.empreenda!.org.br
A ONG procura o apoio de doadores individuais e empresas.
É o que acontece, por exemplo, nos bairros do Jardim São Luís e Ângela, na zona sul de São Paulo. Com faturamento baixo, os pequenos comerciantes não conseguem girar o capital de seus negócios e, conseqüentemente, ficam impedidos de comprar novas mercadorias. Em algumas padarias e lanchonetes, os produtos básicos ficam dias desaparecidos das prateleiras. Nos bares falta até cerveja.
Para tentar reverter essa situação, há um ano, dois franceses resolveram montar uma organização não-governamental (ONG), a Empreenda!, que concede microcrédito produtivo a comerciantes e pequenos empreendedores. O objetivo do projeto é "fomentar o desenvolvimento sustentável, ajudando com instrumentos econômicos as pessoas excluídas do sistema", explica Laurence Perron, responsável pelo financiamento e gestão da organização.
De acordo com Laurence, o primeiro passo da organização foi conhecer a região escolhida para implantação do projeto. Uma pesquisa desenvolvida pelo grupo, a partir de dados da Prefeitura de São Paulo, revelou o potencial empreendedor da região: dos cerca de 2 milhões de moradores do Jardim Ângela e Jardim São Luís, onde a ONG atua, 150 mil são pequenos empreendedores. Muitos deles, no entanto, não têm seus negócios legalizados e não conhecem instrumentos eficazes de gestão. Por isso, o sucesso do negócio fica comprometido. "Um dos fatores-chave de sucesso [nesse tipo de organização] é uma boa integração com o bairro em que você atua. Você deve focar os esforços em uma população que você pode contatar freqüentemente", afirma Laurence.
Identificado o perfil do público-alvo, a organização passou a desenvolver sua metodologia de trabalho. No início, a Empreenda! concedia apenas crédito individual, no qual o empréstimo é liberado mediante uma garantia que, na maioria dos casos, é a alienação de um bem. Com o desenvolvimento do trabalho, a ONG percebeu que o crédito solidário era bastante eficiente para emprestar dinheiro a empreendedores que estão em uma situação mais difícil. Nesse caso, monta-se um grupo de três a sete pessoas e o empréstimo é feito em conjunto, embora cada um dos membros peça o valor que considerar necessário.
No crédito solidário não é necessário nenhum tipo de garantia porque cada um dos membros do grupo é responsável pelo pagamento das parcelas dos outros. De acordo com Laurence, geralmente os grupos são formados por pessoas que já se conhecem e que têm confiança uns nos outros. O sistema é indicado para pessoas que não têm agilidade para gerenciar negócios e planejar a data de pagamento do empréstimo. "Eles se organizam e a solidariedade funciona bem", afirma.
A metodologia da organização foi sendo aperfeiçoada no decorrer do desenvolvimento do trabalho. Os agentes de crédito da organização (atualmente são dois) acompanham os empreendedores, orientando-os sobre como utilizar corretamente o crédito. São eles que visitam os clientes, e não vice-versa, porque às vezes é muito difícil para um comerciante se deslocar até onde a organização. Isso, segundo Laurence, evita o calote. Hoje, a taxa de inadimplência desse tipo de crédito solidário é zero e a de crédito individual, até o final do ano passado, ficou em 6%.
"Não aprovamos apenas o crédito como o banco faz, no qual a pessoa vai até o balcão, traz a documentação e o crédito é liberado. Antes de fecharmos o empréstimo, analisamos cuidadosamente o caráter do empreendedor, suas condições socioeconômicas, as condições do negócio (maquinário, local, capacidade de pagamento do empréstimo, fluxo de capital) e principalmente a finalidade do crédito. Depois, há um acompanhamento do microempreendedor que custa caro. Embora não seja nossa missão dizer ao empreendedor como ele deve gerir o negócio, verificamos se o crescimento do negócio está indo conforme o planejado, se a pessoa está conseguindo lucrar conforme foi esperado", explica Laurence.
"A função do agente de crédito não é só conceder o crédito, mas conversar com o cliente, estar sempre próximo. Ele concede o crédito, faz a cobrança, auxilia o cliente em determinadas ações como explicar sobre pontos fracos da atividade dele, fazendo uma avaliação completa do cliente. Ele é o elo principal entre o cliente e a instituição", completa Everson Alves Machado, que é agente de crédito da instituição.
Esse tipo de acompanhamento, entretanto, gera altos custos para a organização. Por isso, a taxa de juros cobrada deve ser alta (no caso da Empreenda! é de 3,9% ao mês). Alain Delcourt, gerente operacional da ONG, critica, nesse sentido, o programa de microcrédito do governo federal - que exige que as organizações de microcrédito cobrem, no máximo, uma taxa de 2% de juros ao mês. "A política nacional de apoio ao microcrédito está muito evasiva, então a gente não consegue financiamentos institucionais".
Alain explica que o plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva visa principalmente incentivar as pessoas a terem uma conta no banco. "É o que a Caixa Econômica Federal faz no programa Caixa Aqui, que abriu 500 mil contas para pessoas de baixa renda. A iniciativa é louvável, mas não tem muito a ver com o que a gente faz. O empréstimo para fins de consumo eles chamam de microcrédito. Se você aplica uma taxa de 2% ao mês, ao nosso modelo, ou a gente nunca vai conseguir ser auto-sustentável e sempre vai depender de subsídio, ou a gente vai deixar de fazer crédito produtivo. É o que acontece hoje", conclui.
Sustentabilidade
Alain explica que, ainda na França, antes de começar a atuar no Brasil, ele e o amigo Olivier criaram a sede da organização que arrecada fundos para o trabalho desenvolvido no Brasil. A empresa Hewlett-Packard (HP) foi a principal apoiadora do projeto. Doou 80 mil euros para que a ONG iniciasse suas atividades. De doadores individuais, a organização conseguiu arrecadar mais 20 mil euros.
De acordo com Alain, esse capital ainda não é suficiente para tornar a organização auto-sustentável. Para isso, é preciso que ela continue emprestando a uma taxa de 3,9% e consiga ter entre 2 e 3 mil clientes ativos por ano.
Atualmente, a Empreenda! tem 200 clientes ativos, sendo que, em fevereiro, foram cadastrados 15 novos clientes individuais e 15 novos grupos solidários (de quatro pessoas cada). No primeiro mês da atuação da ONG, eram apenas sete clientes ativos.
A prioridade da Empreenda!, segundo Everson Machado, é conceder o crédito para as mulheres "porque a mulher é o pivô da casa, ela sustenta normalmente todas as obrigações com o lar e tem preocupação com a família". A organização pretende atingir uma média de 60 ou 70% de empréstimos às mulheres e 30% aos homens.
O pagamento do empréstimo é feito quinzenalmente para que os juros não fiquem altos e para que eles possam pagar as parcelas em dia. "Como eles mexem praticamente todos os dias com dinheiro, é bem mais fácil dividir uma parcela em duas vezes em um mês do que cobrar numa parcela só porque o percentual de juros ficaria mais elevado. Sendo dividido assim, a tendência dos juros é ficar sempre com parcelas baixas, dando condições para eles pagarem", afirma Everson.
Empreenda!
Estrada do M'Boi Mirim, 1427, sala 6 - São Paulo - SP
E-mail: alain.delcourt@Empreenda!.org.br;
laurence.quezel@empreenda!.org.br
Site: www.empreenda!.org.br
A ONG procura o apoio de doadores individuais e empresas.