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Viva e Deixe Viver conta histórias para quem luta pela vida

Por Evelin Fomin / Diário do Comércio   28 de abril de 2004
Era uma vez uma casa malassombrada. Todos que estavam do lado de fora dela viravam o rosto, em sinal de repúdio. Ali dentro, corredores sombrios, cinzentos, pouco iluminados. Nos quartos isolados, criancinhas semiabandonadas, privadas do direito de sorrir, de gargalhar, de brincar.

Esta história poderia ser mais uma historinha de livrinhos coloridos, com um final feliz qualquer. Mas não foi. Real como nunca, a casa malassombrada era nada menos que o Hospital Emílio Ribas. As pessoas do lado de fora, a sociedade. As criancinhas, reais e fadadas ao esquecimento. Não fosse um publicitário com uma idéia na cabeça: Valdir Cimino.

Mantenedor informal do hospital, com doações de brinquedos e ajudando a organizar festas e mais tudo o que fosse preciso para ajudar o departamento de pediatria, Cimino resolveu conhecer de perto aquelas crianças que recebiam seu carinho à distância. Uma visita foi o bastante para o publicitário ser impactado e dar o pontapé inicial, em 1997, para o que hoje é a ONG Viva e Deixe Viver, que treina voluntários interessados em se tornarem contadores de histórias.

Quase sete anos depois, a organização já alcançou com seus aventais mágicos 75 mil crianças espalhadas pelos 25 hospitais da cidade de São Paulo. "O Viva já esta consolidado na Bahia e Recife em 4 hospitais e a partir de maio deste ano estaremos em Porto Alegre. Através do nosso livro lançado em agosto de 2003 - 'Viva e Deixe Viver - História de quem conta histórias', de Maria Helena Gouveia, o Viva passou a chamar a atenção de outras praças. Vestir o nosso avental é vestir uma atitude positiva", conta Cimino, orgulhoso de seu avental amarelo com listras, desenhado pelo estilista Walter Rodrigues.

Neto de avós voluntários da Cruz Vermelha, Cimino cresceu num ambiente em que a solidariedade fazia parte do dia-a-dia familiar. "Minha avó paterna, inclusive, fundou um centro espírita no Ipiranga, era benzedeira e trabalhava com a comunidade carente da região", diz.

"Saio em alfa" – Depois de passar por uma seleção rigorosa e um treinamento de nove meses, a pedagoga Eliana Cardoso de Almeida deu novo rumo às suas quintas-feiras. Depois de um dia cheio de trabalho como administradora na Telefônica, Eliana segue para o Hospital Santa Casa de Misericórdia, no prédio onde fica o departamento de pediatria, no 5° andar.

Depois de colocar seu avental, repleto de badulaques, tira de uma sacolinha pelo menos cinco opções de livrinhos, e segue para o 3° andar, onde fica a enfermaria geral, em que a maior parte das crianças tem alguma doença crônica. Ali, uma menininha corre em direção a ela, chamando a atenção de outras crianças atraídas pela visita inesperada. Naquele dia, Eliana apareceu numa segunda-feira. "Eu achava que ia ajudar alguém contando histórias. Mas saio em alfa, sendo também ajudada", afirma.

Sentindo-se a mais beneficiada do projeto, Maria Tereza Gutierrez, diretora do departamento de pediatria da Santa Casa, vibra a cada visita dos contadores de histórias. "Eles fazem a criança pensar, se colocar no lugar da história, raciocinar junto. Isso ajuda muito até para a criança se abrir mais e podermos melhorar o tratamento médico", afirma, fã do contador de histórias Toni, especialista em esculturas com bexigas.

"Número de queixas diminui" – "O trabalho do Viva ajuda, inclusive, a melhorar o conceito do hospital. Quando as mães percebem que queremos trazer alegria à enfermaria, que é um lugar triste, e que estamos preocupadas com o bem-estar das crianças além da saúde física, o número de queixas diminui", diz. Em maio, a presença da ONG deve completar um ano na Santa Casa. "Foi a melhor coisa que aconteceu durante a minha gestão", afirma Maria Tereza.

Adelaide Silva de Paula concorda. Mãe da pequena Marina, de apenas 5 anos, internada há 20 dias, se surpreendeu com o trabalho. "A gente não espera este tipo de coisa num hospital público. É um trabalho muito lindo", disse, com lágrimas nos olhos. "O jeito que ela olha não passa só o que ela quer contar, mas fala o que ela sente", afirmou, referindo-se a Diva Mastroti, que espalhou pelo leito de Marina uma porção de histórias para contar.

Diva, que já faz parte da diretoria da entidade e conta histórias desde 1999, é um dos anjos que ilumina as manhãs de dezenas de crianças do Emílio Ribas. Estava apenas fazendo uma visita à Santa Casa. "Comigo, o trabalho voluntário veio até mim. Não precisei procurá-lo", conta. Estudante de Teatro, uma colega de classe a convidou para conhecer o trabalho. "Me apaixonei e não larguei mais", disse, com o brilho nos olhos que cativou Adelaide. "Recebo tanto que estamos longe de dar a elas o que elas nos dão".

Sentada na cadeira de rodas, por alguns instantes Ana Carolina, de 11 anos, esqueceu o que a mantinha ali. Com as asas da fivela colorida que ganhou de Cimino, voou longe e adentro do livrinho laranja, liderando em voz alta a leitura de "A Felicidade das Borboletas", de Patrícia Secco. Leu com ternura o conto da borboletinha cega que conseguia fazer tudo com esmero, apesar de não enxergar nada. "A gente aprende muita coisa. Achei esta história bem interessante, porque ela podia sentir as coisas como elas são apenas com a sensibilidade", disse Ana Carolina. "Não importa como você é, se você é especial ou não. Importa que você sente com o coração."

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