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Escotismo aponta para a cidadania e o trabalho voluntário

Por Evelin Fomin   5 de maio de 2004
Foto de Newton Santos / Digna Imagem Os grupos asteiam as bandeiras todos os finais de semana; Carolina Siniscalchi (acima), se diz
Eles estão pouco interessados em videogame, jogos de computador, televisão ou shopping centers. Bem ao contrário, são loucos por alguma aventura no campo, adoram fazer nós de todos os tipos, sabem como ninguém sobreviver onde qualquer paulistano sofreria horrores e, melhor de tudo, estão sempre dispostos a praticar a cidadania. É assim que o movimento escoteiro tem atuado no Estado através do voluntariado de mais de cinco mil pessoas, entre elas crianças e jovens.

Mais do que ajudar idosos a atravessar ruas, o trabalho dos escoteiros transforma as atividades anuais, quase mil, em potencial para o serviço social à comunidade. Isto sem contar o trabalho desenvolvido com milhares de crianças e adolescentes que ingressam no escotismo.

"O movimento escoteiro foi tudo na minha vida. Através dele eu aprendi valores que ajudaram a desenvolver meu caráter, fui incentivada a ajudar o próximo, a buscar transformar o mundo num lugar melhor. Foi daí que escolhi minha profissão", conta a "pioneira" Nayara Baracho, de 20 anos, estudante de pedagogia na Universidade de São Paulo.

Aos 11 anos, quando ingressou no Grupo Escoteiro São Paulo –o mais antigo do Estado, fundado em 1923–, foi fisgada pela patrulha de meninas, com as quais se identificou desde o primeiro encontro. Amizade feita, passou a se interessar ainda mais pelas atividades, desenvolvida sábado após sábado, como as técnicas mateiras, com as quais ela aprendeu a montar uma barraca, fazer fogo, fazer móveis apenas com amarras e técnicas de observação do tempo, por exemplo.

Aos 18, entrou no chamado Ramo Pioneiro, onde o lema é servir. Nesta fase, o escoteiro é incentivado a aplicar tudo o que aprendeu no movimento em favor do próximo. No final do processo, teve a opção de desenvolver um projeto que oferecesse algum serviço à comunidade. Foi o que Nayara fez.

Durante pouco mais de seis meses, a pioneira resolveu montar um curso de alfabetização para adultos. Conseguiu o apoio da Secretaria Estadual da Educação e, através do espaço cedido pela Prefeitura, no Clube Desportivo Municipal, no Brooklin, montou o curso. "O que falta, agora, é divulgação, pois as vagas estão sobrando", diz a professora de cinco alunos, por enquanto.

Nayara avisa que qualquer adulto, acima de 18 anos, que ainda não saiba ler e escrever, está convidado a participar. São 50 vagas, no total, para duas turmas em períodos distintos, embora apenas a classe vespertina esteja funcionando. "A maioria dos projetos acaba depois de seis meses. Este quero que sobreviva durante anos", afirma Nayara.

"Somos anormais" – "Quando a gente se envolve com os escoteiros, nem lembra mais o quanto o grupo é anormal. Porque, se for comparar com gente de fora, nós realmente não somos normais", brinca a também recém-pioneira Carolina Siniscalchi, de 18 anos. Orgulhosa do movimento –ela ingressou aos 12 anos–, não hesita em ressaltar a vantagem de participar de uma instituição em que valores como companheirismo, solidariedade e serviço são qualidades "anormais".

Em tempos em que personagens como Darlene, da novela Celebridade, que têm como ideal de vida a fama instantânea e o esforço zero, personificam os ideais de uma grande parcela da população, Carolina sabe o valor do que se aprende no escotismo. Darlene, aliás, é personagem pouquíssimo conhecido pela galera escoteira. "Se você perguntar sobre os famosos, pouca gente vai saber falar a respeito", conta, exemplificando a hierarquia dos interesses do movimento.

O que Carolina também tenta mostrar, com muita graça e uma certa ingenuidade, é o que pouca gente vê nos bastidores de uma cidade gigantesca como São Paulo, que ainda precisa de muito mais trabalho voluntário para ter seus efeitos mais evidentes. "Existem cidades do interior que nem sabem da existência de um movimento escoteiro. Quando vêem um bando de malucos uniformizados, já logo acham que se trata de um exército", analisa.

Como um exército de formiguinhas, porém, o movimento já organizou a doação de agasalhos, replantou árvores em zonas degradadas e levou carinho e afeto a crianças carentes e deficientes.

No ano passado, quando ainda fazia parte do Ramo Sênior, Carolina se envolveu numa ação social para crianças carentes da cidade mineira de Brazópolis. Como neste ramo o lema é explorar o desafio, o grupo se organizou para levar cestas de Natal, com roupas, brinquedos e doces. Pode parecer simples, mas os guias e seniores (nomes dados a meninas e meninos que fazem parte deste ramo) tiveram muito trabalho até alcançar o objetivo de montar pelo menos 100 cestas.

"Cada cesta saía mais ou menos ao custo de R$ 50. Tivemos que nos virar para atingir nosso objetivo. Organizamos festas para arrecadar dinheiro e vendemos coisas dentro e fora do grupo", conta Luiz Carlos Pina França, de 17 anos, integrante do movimento desde os 13 anos.

Foi em uma de suas crises existenciais que escolheu se envolver no projeto de Brazópolis. "Eu tinha tudo e nunca ajudava ninguém, assim, mais de perto. Era o mínimo que eu poderia fazer."

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