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"O MOVIMENTO DEGRAU, NÃO EXIGE VERBAS . SÓ PRECISA DE 'VERBO' PARA CONVERSAR COM PARCEIROS..."

Por Interior Paulista   17 de maio de 2004
É o que garante Rogério Amato, presidente da Rebraf (Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas) e do Movimento Degrau. Nessa entrevista, Amato fala diretamente com os administradores municipais. E dá um recado aos prefeitos: o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente tem que facilitar, mobilizar, incentivar a atuação das entidades educativas para que as empresas possam contratar os aprendizes. É o primeiro passo.



O Movimento Degrau é protagonizado pelo Segundo e Terceiro Setores: as empresas privadas que, ao cumprirem a Lei 10.097, passam a contribuir para a inclusão do adolescente no mercado de trabalho; e as entidades e ONGs, responsáveis pela educação do aprendiz. Como a administração municipal está inserida nessa cadeia?

A Lei 10.097 garante basicamente que o(a) garoto(a) que quiser trabalhar possa fazê-lo por meio de uma entidade sem fins lucrativos. Mas, para que isso aconteça, essa entidade tem que ser registrada no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente daquele município. E o programa que será oferecido para acompanhar o trabalho do aprendiz também tem que ser aprovado. Tudo parece fácil, simples. Mas não é. Os Conselhos, com raras exceções, ainda não estão familiarizados com a legislação sobre os aprendizes. Previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente é formado por um grupo de pessoas para gerir recursos e programas públicos. Esse grupo é composto 50% por funcionários da prefeitura local e 50% por integrantes da sociedade civil. O que acontece é que a maioria deles não funciona, atua somente "carimbando" programas.

Podemos dizer então que mesmo, que todas as empresas e entidades decidam participar do Movimento Degrau, esse esforço será em vão caso os Conselhos Municipais da Criança e do Adolescente não colaborem?

Exatamente. Por isso, nossa proposta aqui no Congresso Estadual de Municípios é sensibilizar os prefeitos para a questão do adolescente. É preciso que os administradores públicos saibam que esse não é um problema da prefeitura, da Associação Comercial ou das ONGs - é de todos. Mas, para que essa cadeia seja fluente, o prefeito precisa colaborar. Ele é o principal articulador das políticas públicas nos municípios. E o primeiro passo é evitar o excesso de burocracia na autorização dos programas.

Que tipo de problemas as entidades com objetivos educacionais vêm enfrentando para terem seus cursos aprovados nos Conselhos Municipais?

O principal problema é o excesso de exigências, muitas delas totalmente desnecessárias. É preciso facilitar a vida dessas entidades. Fazer com que os programas sejam aprovados. No momento, nós queremos o "bom" antes do "ótimo". E os integrantes do Conselho Municipal precisam saber fazer as concessões necessárias para que as propostas caminhem. Eu tenho visto muitos jovens tentando se tornar aprendizes e não conseguindo justamente porque lhes são exigidos tantos documentos, tantos procedimentos, que acabam desistindo. Para ser "aviãozinho" no tráfico de drogas não é preciso nada disso. Com o narcotráfico eles ganham mais - e muito mais rápido. Quando o jovem começa a fazer esse tipo de comparação, é muito mais difícil convencê-lo do contrário.

Podemos dizer que a maioria dos problemas enfrentados pelo Brasil hoje pode começar a ser solucionada se as questões da infância e da adolescência forem priorizadas?

Nunca o Brasil teve tanto adolescente como tem hoje. E essa garotada está entrando no mundo do trabalho no momento mais difícil dessa Nação. O governo, a indústria e o comércio não têm condições de dar emprego para essa turma toda - ao menos no sentido tradicional do termo "emprego". O Terceiro Setor ajuda, mas tem suas limitações. Assim só resta o "Quarto Setor", que é o crime organizado.

Nesse cenário um tanto quanto amargo, o Movimento Degrau vem alcançando índices significativos de sucesso. Mas, por outro lado, há quem ainda confunda o trabalho do aprendiz com exploração de mão-de-obra infantil?

O programa chama-se "Convivência e Aprendizado no Mundo do Trabalho". Isso não significa colocar crianças quebrando pedras, não é trabalho escravo, não é substituir o emprego de um profissional. É um movimento de conscientização da sociedade. Eu tenho hoje 55 anos de idade e comecei a trabalhar muito cedo, ainda adolescente. E não sou exceção. Muitas pessoas que hoje dirigem empresas começaram a trabalhar aos 13 ou 14 anos de idade - e se orgulham disso! Nossa proposta é justamente fazer com que os jovens tenham a oportunidade de aprender. Não queremos formar apenas office-boys ou contribuir para o desemprego de profissionais. É preciso deixar claro a diferença entre aprendiz e trabalhador.

A inclusão dos adolescentes no mercado de trabalho pode estar associada à vocação de cada cidade?

Com certeza. Vamos tomar, como exemplo, um município que tenha como fonte principal econômica a produção de calçados. Nesse caso, não adianta colocarmos os adolescentes na indústria moveleira ou em qualquer outra. Ele precisa saber como funciona todo o processo de produção da principal indústria da sua cidade. Ao se tornar aprendiz, o garoto aprende uma série de coisas - desde o bê-a-bá do universo do trabalho até noções mais específicas da empresa em que ele está inserido. Esse movimento pretende fazer com que todos os agentes da cidade trabalhem juntos.

A principal justificativa para que muitos projetos não saiam do papel é a falta de recursos. No caso do Movimento Degrau, há necessidade de verbas públicas?

O Movimento Degrau não exige nem um centavo do dinheiro público. A lei prevê que quem paga os jovens e as entidades certificadoras são as empresas. E o valor é muito pequeno, se comparado à contribuição social que elas estão fazendo ao inserirem o jovem no universo do trabalho. E mais do que isso: o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que as pessoas jurídicas destinem 1% do imposto de renda a pagar para o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. E, no caso das pessoas físicas, a porcentagem é de 6%. Hoje, infelizmente, praticamente ninguém adere a esse tipo de proposta. Porque não confiam no Conselho, não sabem para onde o dinheiro vai. Confiança é como uma teia de aranha: é fortíssima, mas ao mesmo tempo frágil.

Qual a importância de se trabalhar em rede no que diz respeito à administração pública?

Nossa sociedade civil está completamente desorganizada. E para reverter essa situação é preciso ter um objetivo comum. Estou lendo um livro do escritor espanhol Ortega Y Gasset , de 1930. Entre outras coisas, ele diz que povo é um grupo de pessoas com um projeto em comum. Quando não há esse projeto, temos apenas um bando. O futuro do adolescente precisa ser resolvido em rede, assim como muitos outros. Se o empresário quiser colaborar mas não tiver apoio de entidades ou da prefeitura, nada adianta. E vice-versa.

O Movimento Degrau coincide de alguma maneira com os cursos profissionalizantes, técnicos, já oferecidos por entidades como Sesi e Senai?

O Senai, por exemplo, é uma entidade de indiscutível excelência. É fabuloso. Mas é profissionalizante, está direcionado às necessidades da indústria. Por isso mesmo, exige que o candidato tenha aptidões. E, devido à concorrência, é extremamente seletivo. Apenas 1% da população de adolescentes está no Senai. São considerados a elite da área industrial, justamente porque já tinham um bom nível escolar antes de serem aprovados. O Movimento Degrau não trabalha com profissionais, mas com aprendizes. Não atendemos os melhores alunos, os mais preparados, os mais brilhantes. Nossa proposta é dar chance justamente àqueles que nunca a tiveram.

Podemos dizer, então, que os aprendizes que fazem parte do Movimento Degrau saem do projeto para enfrentar qualquer área de atuação?

Há uma grande diferença hoje entre emprego e trabalho. O emprego formal está em extinção no mundo todo. As pessoas precisam trabalhar, mas sabem que está cada vez mais difícil ser empregado. Esse conceito precisa ficar claro, e isso nós estamos passando para os aprendizes.

O 48o Congresso Estadual de Municípios será encerrado com um "Pacto pela Juventude". Essa é mais uma etapa do Movimento Degrau?

Estamos num momento fundamental para conversarmos com prefeitos, às vésperas das eleições municipais. Trouxemos para o 48o Congresso Estadual de Municípios um material publicitário inédito, de excelente qualidade, que marcará o lançamento do pacto. Assim que o Congresso for encerrado, esse material vai ser distribuído a todas as Associações Comerciais do Estado, para que seja divulgado pelo interior. Há spots de rádios, anúncios para revistas e jornais e até filmes para serem reproduzidos nas televisões locais. Esse não é um movimento social piegas. É um movimento de mobilização das lideranças locais para que assinem um pacto em favor do cumprimento da lei. Vamos aproveitar a reunião de tantos políticos, prefeitos, secretários, vereadores, para concretizarmos essa corrente de mobilização. E o que é melhor: não é preciso fazer nada de novo. O Movimento não precisa de um novo prédio, um novo órgão. Basta que a cidade use os recursos e a estrutura que já possui.

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