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Perigo: a burocracia digital

Por Sergio Leopoldo Rodrigues / Diário do Comércio   9 de junho de 2004
Dois conselhos para garantir a inclusão digital no Brasil: primeiro, promover a inclusão econômica dando liberdade ao empreendedorismo para gerar empregos e renda. O outro: "Ao invés de digitalizar burocratizando, desburocratizar digitalizando", pregou Guilherme Afif Domingos, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp).

"Se queremos falar em inclusão digital temos que falar também em inclusão econômica", enfatizou Afif, ao falar, na sexta-feira passada, no painel "Competitividade e Inclusão Social", no Congresso e Exposição de Tecnologia da Informação (Ciab 2004), promovido pela Federação Brasileiras de Bancos (Febraban), em São Paulo.

Para o presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, é preciso olhar as implicações e efeitos da competitividade digital no País. O secretário de Tecnologia Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Roberto Jaguaribe Gomes de Matos, disse que o governo está atento buscando reduzir o peso da burocracia na vida do País.

Ele destacou: "Mas esse é um comportamento difícil de mexer de uma hora para outra, pois se trata de uma cultura muito arraigada". Para ele, a digitalização da burocracia é um passo positivo, sobretudo, porque dá mais transparência ao processo.

Afif reagiu: "Como temos uma enorme massa de excluídos do processo econômico, a competição digital vai ser brutalmente injusta", pois além da informalidade há "a maçaroca burocrática brasileira". Com uma agravante: "Não estou vendo surgir uma cultura de desburocratização ao contrário, estamos tendendo para uma burocracia digitalizada".

Facilitar – Guilherme Afif disse que antes da inclusão digital deve haver um enorme processo de desburocratização para facilitar a vida do cidadão. "Mas assistimos a manutenção do conceito da cultura burocrática somada ao processo de digitalização burocrática, o que representa um sério risco para o nosso desenvolvimento."

Essa cultura burocrática atinge mais duramente e joga na informalidade os que estão no primeiro degrau de ingresso no sistema econômico. Com reflexos no sistema bancário impedindo o acesso ao crédito. Mesmo importantes instrumentos de inclusão econômica, como o Simples, acabam sendo prejudicados, quando se deixa de corrigir o limite de entrada –R$ 120 mil anuais– por uma década.

"Por isso o Brasil é o único lugar no mundo que o empreendedor acorda planejando como não crescer, e se crescer como se distribuir para evitar entrar na zona de tormenta tributária que acaba inviabilizando o seu negócio", enfatizou Afif. Ele lembra que o artigo 170 da Constituição Federal, que garantia o livre exercício de qualquer atividade econômica "independente de autorização governamental, a não ser nos casos previstos em Lei" acabou sendo regulamentado "prevendo tudo em lei".

"Baseado nesse artigo levei ao presidente Lula, em maio passado, a proposta para a criação da figura do Empreendedor Pessoa Física Urbana", relatou. Trata-se do cidadão com seu CPF e um livrinho caixa, a exemplo do produtor rural. O EPFU é um contribuinte individual para a previdência, que poderá empregar da maneira mais simples possível, usando o exemplo das empregadas domésticas. Qual o limite para definir o EPFU ? Começar com R$ 60 mil por ano. "Só isso representa uma inclusão capaz de aumentar em 33% o contingente de contribuintes para a previdência social", explicou.

Significará também a inclusão de 10 milhões de pessoas na formalidade. "Quando forem ao banco terão seu CPF e o livro caixa como comprovante da atividade econômica que eles exercem", destacou. E como se formalizar ? "Por que não fazemos um convênio com a rede bancária nacional para que o empreendedor possa simplesmente fazer seu registro, comunicar à Receita Federal", propôs.

Outra forma de inclusão: dar ênfase ao trabalho do adolescente, entre 14 e 18 anos, como forma de capacitação profissional e de tirar os jovens das mãos do crime organizado. Afif apresentou uma cifra assustadora: "50% de desemprego está na faixa dos adolescentes". E enfatizou: "Se nós do mercado formal ou informal lícito, pois há também o informal ilícito, perdermos essa capacidade de absorve-los alguém fará isso por algum canal ilícito". Ele recordou que em 2000 foi regulamentada a Lei 10.097, que obriga as empresas a ter entre 5% e 15% de seu contingente em aprendizes de 14 a 18 anos.

O Programa de Convivência e Aprendizado no Trabalho, primeiro projeto do Movimento Degrau –resultado duma parceria entre a ACSP, Facesp e Rede Brasileira de Entidades Assistenciais e Filantrópicas (Rebraf), presidida pelo empresário Rogério Amato– permite a permanência por dois anos como aprendiz, desde que o adolescente continue freqüentando a escola. "Esse é o grande passo do processo da inclusão", insistiu. O Movimento Degrau divulga essa lei dentro das empresas.

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