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Um 'nascedouro' de cultura e cidadania

Por Marco Bahé   21 de julho de 2004

Um antigo matadouro se transformou em berço de um importante projeto social no Recife

Foi nas ruínas de um antigo matadouro, na periferia do Recife (PE), que Chico Science misturou pela primeira vez os poderosos batuques do maracatu ao som de guitarras eletrônicas. Nascia o mangue beat, ritmo que contagiou o País inteiro na década de 90.

O maracatu atômico de Chico Science revelou ao mundo a efervescência cultural recifense e, na contramão do destino, que vitimou Science num acidente de carro em 1997, o velho matadouro transformou-se em berço de novas gerações de mangueboys. De suas ruínas agora está sendo erguido um ambicioso projeto de manifestação cultural e inclusão social.

O matadouro, localizado num terreno de 24,5 mil metros quadrados no bairro de Peixinhos, funcionou entre 1912 e 1976. Com a sua falência, a prefeitura tomou posse da área como pagamento de impostos atrasados. Tudo seria transformado num lixão, não fosse a luta dos moradores. A comunidade ocupou o espaço à força, com atividades de lazer e esportes, e o rebatizou de Nascedouro de Peixinhos.

"Eu cresci em Peixinhos e vinha assistir aos festivais de música no matadouro, organizados pelo Boca do Lixo (uma organização não-governamental). Foi aqui que vi Chico Science e Nação Zumbi pela primeira vez. E foi aqui que eu decidi ser músico", conta Félix Cavalcanti, o Fekinho, vocalista da banda Etnia, cujo primeiro CD está vendendo até na Europa e Estados Unidos.

Não é à toa. O próprio nome revela o DNA do grupo. Etnia é a terceira faixa do disco Afrociberdelia, lançado por Science em 1996. A letra diz que não há mistério em descobrir o que você é e o que você gosta.

Fazer o que gosta também é o objetivo das meninas do balé afro Majê Molê (crianças que brilham, na língua iorubá). Na maior parte do tempo, elas são iguais a quaisquer outras do bairro de Peixinhos, que andam por vielas de terra batida e esgoto escorrendo a céu aberto. Mas, no antigo matadouro, elas se transformam em dançarinas exuberantes, cujo vigor da expressão corporal já rendeu viagens a vários países do mundo.

Investimentos sociais - Esses exemplos explicam o porquê de o Banco Mundial (BID) estar liberando US$ 1 milhão para que as ruínas do matadouro recuperem a antiga arquitetura. Serão instalados um teatro com 600 lugares, estúdios digitais de música e vídeo, uma rádio comunitária, quadras poliesportivas, campo de futebol e parques de lazer. "As obras tem previsão para acabar em cinco anos. Mas em 2005, iremos inaugurar a primeira etapa, com o teatro, os estúdios e a antiga torre, que abrigará a rádio comunitária", antecipa o coordenador do projeto Nascedouro e integrante do movimento popular recifense, José Anacleto dos Santos.

Haverá também programas de inclusão digital para a comunidade. Muito mais do que cursos de internet e processador de textos, o Centro Tecnológico Nascedouro terá laboratórios e uma incubadora de empresas de tecnologia. A idéia é dar asas ao empreendedorismo da moçada de Peixinhos, que já vem demonstrando sua criatividade nas artes.

Essa parte do projeto está sendo tocada pelo núcleo gestor do Porto Digital, um pólo de tecnologia da informação instalado na bairro histórico do Recife Antigo. Empresas como Microsoft, Oracle, IBM, Motorola e outras de menor porte mantêm centros de desenvolvimento de software no local.

Projeto ambicioso - O Nascedouro de Peixinhos integra um projeto bem mais amplo de inclusão social, que está sendo desenvolvido por organizações da sociedade civil, em parceria com o poder público. O Programa de Infra-estrutura em Áreas de Baixa Renda da Região Metropolitana do Recife (Prometrópole) aplicará US$ 84 milhões em obras físicas e iniciativas sociais no maior bolsão de pobreza da capital pernambucana: o entorno da bacia do Rio Beberibe. Os recursos são do Banco Mundial (BID).

O Prometrópole atuará em 13 comunidades de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que reúnem cerca de 150 mil pessoas. Entre as obras previstas estão a melhoria do sistema viário, macro e micro drenagem, abastecimento d'água e esgotamento sanitário, iluminação pública, fortalecimento da capacidade de autogestão das comunidades, construção de áreas de lazer, regularização fundiária e reassentamento de famílias que hoje moram em áreas de risco ou insalubres.

De acordo com a coordenadora do Prometrópole, Bárbara Kreuzig, a bacia do Beberibe alcança 64,5% do Recife e 21,3% de Olinda. "Trata-se de uma área carente de princípios elementares dos direitos humanos à saúde, moradia, alimentação e educação. Por conseqüência, temos altos índices de violência, desemprego e analfabetismo. Dotar essas comunidades de recursos urbanos básicos é essencial para o resgate da auto-estima e da cidadania, diz Bárbara.

"O nosso desafio não é só realizar as obras físicas, mas também elaborar um modelo de intervenção que garanta a viabilidade econômico-social do empreendimento e aponte saídas para as comunidades", finaliza a coordenadora

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