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O PONTO DE VISTA DOS OUTROS
Por Emili Soro-Camats, Revista FENACERCI de maio de 1997   3 de agosto de 2004
Artigo de Emili Soro-Camats, psicólogo da Fundação l´ESPIGA, da Espanha, transcrito da revista da FENACERCI de maio de 1997, organização portuguesa de famílias de pessoas com deficiências, digitado por Maria Amélia Vampré, Rebraf, SP em de junho, 2004.
Toda amizade tem os seus riscos e os meus amigos e amigas da FENACERCI assumiram a sua parte quando me pediram para escrever um pequeno artigo para a revista. Se compreendi bem, trata-se de expressar uma opinião pessoal sobre o "mundo" das pessoas com deficiência. Como o universo das opiniões é imenso, escolhi um tema que tem aparecido cada vez com maior força nos últimos anos, em conferências e publicações. Trata-se de considerar o ponto de vista da pessoa com deficiência, isto é, de aprender " a olhar pelos seus olhos" , deve ter em consideração o seu ponto de vista, de aproveitar as suas possibilidades mais do que dar ênfase às suas limitações, de atuar com naturalidade segundo a sua normalidade e não "a normalidade dos outros". Talvez seja o ponto fulcral daquilo que tecnicamente chamamos de integração, normalização ou inclusão social. Creio que é um tema que tem a ver com o sentimento das famílias e é um bom ponto de partida para mostrar respeito pelas pessoas com alguma deficiência.
Chegou-se a dizer que a surdez é "uma das calamidades humanas mais terríveis" porém a surdez não é nenhuma calamidade. Como escreve Oliver Sacks num livro intitulado "Veo un Voz" (Vejo UmaVoz) "uma pessoa surda pode ser culta e eloquente, pode casar-se, viajar, levar uma vida plena e frutífera, e nunca considerar-se, e ser considerada, incapaz e anormal. O fundamental é o nosso conhecimento dos surdos e a nossa atitude perante eles, a compreensão das suas necessidades e faculdades específicas, o reconhecimento dos seus direitos humanos fundamentais..."
No entanto, conhecer e compreender a pessoa com uma deficiência é também escutar as suas opiniões e aprender a considerar os aspectos práticos e os estados psicológicos na sua perspectiva. Ricky Creech, um jovem inteligente com paralisia cerebral e que não pode utilizar a fala para comunicar, escreveu um artigo no qual refere que " Sei algo que você (a pessoa sem deficiência) precisa compreender. Eu nunca tive que aceitar as minhas limitações físicas.... Nasci com paralisia cerebral. Esta é uma característica natural em mim. Muitas pessoas gostariam de ser estrelas de televisão, mas será que se sentem angustiadas por não o ser? Gostaria de caminhar, correr, tocar piano, falar com facilidade e fazer o que fazem os outros.... mas não guardo saudades de o fazer porque nunca o fiz..." E Ricky demonstra que pode fazer muitas outras coisas, como por exemplo escrever, e escrever muito bem.
Claro que não é fácil estarmos no lugar do outro, especialmente quando a pessoa tem uma deficiência que lhe impede de utilizar a linguagem,como a maior parte das pessoas sem uma deficiência significativa. No prólogo do livro de Baumgart, Johnson e Helmstetter, (certamente um livro recomendável) encontramos um bom exemplo.
A autora situa-se na mente de Felipe, um aluno com deficiência que, baseando-se na sua passada experiência escolar, sabe detectar sinais comunicativos dos seus colegas de turma, que passam despercebidos para os adultos em geral. " Felipe sabia quando Maria ficava tensa e fazia um trejeito, não gostando do que estava acontecendo. Também podia indicar que gostava de algo movendo o corpo." Estes comportamentos "chegavam" ao Felipe. Quanto demorariam os especialistas e professores em ler estes "sinais" como forma de comunicação de Maria? " Claro que alguém pensará que esta não é uma forma de comunicar, porém também se poderia pensar que talvez seja a forma mais normal e apropriada para esta pessoa neste contexto.
A experiência diária, nas relações familiares, laborais e sociais demonstra que para muitas pessoas sem deficiência nem sempre é fácil situarem-se no ponto de vista do outro. Agora imagine quanto isto será difícil para uma pessoa com deficiência que se vê impedida de controlar com agilidade tantos dados necessários para a convivência e aprendizagem.
Alguns autores, entre os quais se destaca Angel Rivière, fazendo o exercício de situar-se na mente, por exemplo, de um jovem com autismo enumeram algumas solicitações que este nos faria: necessito que a minha vida esteja organizada em atividades que se repitam diariamente, sentir-me-ei muito melhor se me informarem sobre o que vai se passar a seguir, , a minha compreensão será mais rica se utilizarem uma linguagem mais simples, se estou inquieto e não consigo expressar o que desejo, oferecem-me uma alternativa razoável, etc. O certo é que quando agimos assim, a pessoa sem deficiência tem a impressão de ter " contatado" a mente do outro. Isto significa que o esforço de adaptação e normalização também cabe a nós.
Se isto é especialmente correto no caso do autismo, também pode ser de muita utilidade generalizar esta habilidade de saber " ver as coisas com os olhos dos outros", quando estamos ou trabalhamos com pessoas com deficiências. No meu modesto entender, esta é uma idéia de futuro que dará muito que falar, porque implica numa troca de perspectivas entre os técnicos e a sociedade em geral. De fato, incluir nos programas de intervenção educativa e nas relações interpessoais a noção de respeito pelo outro implica, principalmente, fazer, dizer ou sentir o que gostaríamos que mos fizessem, dissessem ou sentissem por nós. Fique claro que não quis expressar nenhuma crítica às atitudes profissionais ou pessoais que até agora estão se realizando em nossos países, apenas a sugestão que este novo valor ou perspectiva deveria resumir-se a cada uma das nossas realidades já existentes.
Como já é do nosso conhecimento, as trocas são lentas, se aderirmos ao otimismo do citado Ricky Creech quando escreve, " ainda há muito que ensinar à sociedade sobre como tratar uma pessoa com limitações....mas tenho esperança que isto mudará, porventura dentro de um mês, de um ano, de uma década..." Saberemos esperar e atuar.
Toda amizade tem os seus riscos e os meus amigos e amigas da FENACERCI assumiram a sua parte quando me pediram para escrever um pequeno artigo para a revista. Se compreendi bem, trata-se de expressar uma opinião pessoal sobre o "mundo" das pessoas com deficiência. Como o universo das opiniões é imenso, escolhi um tema que tem aparecido cada vez com maior força nos últimos anos, em conferências e publicações. Trata-se de considerar o ponto de vista da pessoa com deficiência, isto é, de aprender " a olhar pelos seus olhos" , deve ter em consideração o seu ponto de vista, de aproveitar as suas possibilidades mais do que dar ênfase às suas limitações, de atuar com naturalidade segundo a sua normalidade e não "a normalidade dos outros". Talvez seja o ponto fulcral daquilo que tecnicamente chamamos de integração, normalização ou inclusão social. Creio que é um tema que tem a ver com o sentimento das famílias e é um bom ponto de partida para mostrar respeito pelas pessoas com alguma deficiência.
Chegou-se a dizer que a surdez é "uma das calamidades humanas mais terríveis" porém a surdez não é nenhuma calamidade. Como escreve Oliver Sacks num livro intitulado "Veo un Voz" (Vejo UmaVoz) "uma pessoa surda pode ser culta e eloquente, pode casar-se, viajar, levar uma vida plena e frutífera, e nunca considerar-se, e ser considerada, incapaz e anormal. O fundamental é o nosso conhecimento dos surdos e a nossa atitude perante eles, a compreensão das suas necessidades e faculdades específicas, o reconhecimento dos seus direitos humanos fundamentais..."
No entanto, conhecer e compreender a pessoa com uma deficiência é também escutar as suas opiniões e aprender a considerar os aspectos práticos e os estados psicológicos na sua perspectiva. Ricky Creech, um jovem inteligente com paralisia cerebral e que não pode utilizar a fala para comunicar, escreveu um artigo no qual refere que " Sei algo que você (a pessoa sem deficiência) precisa compreender. Eu nunca tive que aceitar as minhas limitações físicas.... Nasci com paralisia cerebral. Esta é uma característica natural em mim. Muitas pessoas gostariam de ser estrelas de televisão, mas será que se sentem angustiadas por não o ser? Gostaria de caminhar, correr, tocar piano, falar com facilidade e fazer o que fazem os outros.... mas não guardo saudades de o fazer porque nunca o fiz..." E Ricky demonstra que pode fazer muitas outras coisas, como por exemplo escrever, e escrever muito bem.
Claro que não é fácil estarmos no lugar do outro, especialmente quando a pessoa tem uma deficiência que lhe impede de utilizar a linguagem,como a maior parte das pessoas sem uma deficiência significativa. No prólogo do livro de Baumgart, Johnson e Helmstetter, (certamente um livro recomendável) encontramos um bom exemplo.
A autora situa-se na mente de Felipe, um aluno com deficiência que, baseando-se na sua passada experiência escolar, sabe detectar sinais comunicativos dos seus colegas de turma, que passam despercebidos para os adultos em geral. " Felipe sabia quando Maria ficava tensa e fazia um trejeito, não gostando do que estava acontecendo. Também podia indicar que gostava de algo movendo o corpo." Estes comportamentos "chegavam" ao Felipe. Quanto demorariam os especialistas e professores em ler estes "sinais" como forma de comunicação de Maria? " Claro que alguém pensará que esta não é uma forma de comunicar, porém também se poderia pensar que talvez seja a forma mais normal e apropriada para esta pessoa neste contexto.
A experiência diária, nas relações familiares, laborais e sociais demonstra que para muitas pessoas sem deficiência nem sempre é fácil situarem-se no ponto de vista do outro. Agora imagine quanto isto será difícil para uma pessoa com deficiência que se vê impedida de controlar com agilidade tantos dados necessários para a convivência e aprendizagem.
Alguns autores, entre os quais se destaca Angel Rivière, fazendo o exercício de situar-se na mente, por exemplo, de um jovem com autismo enumeram algumas solicitações que este nos faria: necessito que a minha vida esteja organizada em atividades que se repitam diariamente, sentir-me-ei muito melhor se me informarem sobre o que vai se passar a seguir, , a minha compreensão será mais rica se utilizarem uma linguagem mais simples, se estou inquieto e não consigo expressar o que desejo, oferecem-me uma alternativa razoável, etc. O certo é que quando agimos assim, a pessoa sem deficiência tem a impressão de ter " contatado" a mente do outro. Isto significa que o esforço de adaptação e normalização também cabe a nós.
Se isto é especialmente correto no caso do autismo, também pode ser de muita utilidade generalizar esta habilidade de saber " ver as coisas com os olhos dos outros", quando estamos ou trabalhamos com pessoas com deficiências. No meu modesto entender, esta é uma idéia de futuro que dará muito que falar, porque implica numa troca de perspectivas entre os técnicos e a sociedade em geral. De fato, incluir nos programas de intervenção educativa e nas relações interpessoais a noção de respeito pelo outro implica, principalmente, fazer, dizer ou sentir o que gostaríamos que mos fizessem, dissessem ou sentissem por nós. Fique claro que não quis expressar nenhuma crítica às atitudes profissionais ou pessoais que até agora estão se realizando em nossos países, apenas a sugestão que este novo valor ou perspectiva deveria resumir-se a cada uma das nossas realidades já existentes.
Como já é do nosso conhecimento, as trocas são lentas, se aderirmos ao otimismo do citado Ricky Creech quando escreve, " ainda há muito que ensinar à sociedade sobre como tratar uma pessoa com limitações....mas tenho esperança que isto mudará, porventura dentro de um mês, de um ano, de uma década..." Saberemos esperar e atuar.