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O trabalho dos voluntários
Por Christina Caldas (*)   13 de setembro de 2004
No último sábado comemoramos o "Dia do Voluntariado". A data, cada ano, me proporciona reflexões que desejo compartilhar com amigos e colegas.
Na minha longa experiência de vida em estados do Nordeste e do Sudeste do Brasil, sempre atuando em empreendimentos de voluntariado, tenho podido fazer observações, senão exaustivas, pelo menos muito amplas. Apesar de ter constantemente alimentado renovadas esperanças de ver nosso país convertido num estado desenvolvido, moderno e eficiente, esse privilégio ainda não nos foi dado. O que impressiona as pessoas da minha geração, porém, é que já conhecemos épocas de maior bem-estar social, com recursos muito mais escassos. Nas últimas décadas, entretanto, temos presenciado o inchaço do Estado, numa proporção inversa às reais necessidades dos brasileiros.
Essa constatação se agudiza quando, no campo, mas muito mais ainda nos conglomerados urbanos, vemos o crescimento da pobreza e até da miséria. Até mesmo quando surgem sinais de retomada do crescimento econômico, o realismo nos obriga a perguntar: "até quando?" Terão as nossas famílias resistência suficiente para suportar o tempo que nos separa da próxima recessão ? Pois de fato nosso povo tem conhecido, esporadicamente, surtos de crescimento, mas sem sustentabilidade duradoura. Alguns duram, irônica ou cinicamente, até às próximas eleições... Obviamente, nossos problemas são estruturais, eles só serão superados quando forem enfrentados com radicalidade.
Dói, dói muitíssimo saber que na ponta dessa pobreza cada vez mais avassaladora estão idosos com aposentadorias precárias, mulheres muitas vezes desamparadas por maridos irresponsáveis, jovens sem perspectivas de vida impelidos para a marginalidade, famílias fragilizadas, pessoas discriminadas: negros, ex-presidiários, deficientes físicos etc.
O que o poder público pode oferecer ? Se ele fosse competente nas áreas da saúde e da educação - que de resto nada mais é que sua obrigação - já seria de grande valia. Mas é exatamente nessas áreas que ele mais falha. Na maior cidade do país ainda temos crianças estudando em containers, professores que ganham salários irrisórios e doentes que devem aguardar semanas para uma consulta médica. Fome, insegurança, falta de moradias, de saneamento... pelo menos em certos bolsões do país a situação é de colapso.
O jeito em que estamos organizados - e então o certo seria dizer desorganizados - não confere credibilidade à nossa classe dirigente. A nação acaba sendo a conseqüência das contradições e da falta de visão cívica dessas chamadas lideranças.
É nesse contexto que vejo com imensa esperança o surgimento e agora a consolidação de um novo paradigma nas nossas relações sociais: o voluntariado. Exatamente porque o Estado não desempenha a contento as suas obrigações, aliás claramente identificadas na Constituição, é que o povo precisa desse aliado precioso que são os voluntários atuantes em mais de 200 mil entidades assistenciais e filantrópicas do Brasil.
Fico imaginando se o Brasil, por hipótese, ficasse privado da atuação dessas instituições e das centenas de milhares de voluntários! A situação de nosso povo, já tão ruim, ficaria penalizada ao extremo.
Se puder deixar uma mensagem pelo transcurso desta data, para mim grandemente significativa, uma mensagem dirigida sobretudo aos jovens, direi que, apesar de tudo, não podemos esmorecer. Devemos somar forças para exigir do poder público o cumprimento de seus deveres. Mas lembremo-nos também do exemplo do sociólogo Herbert de Souza, cuja memória a nação conserva sob o carinhoso apelido de Betinho, que lutou com afinco, superando até os limites de sua frágil saúde, e nos contagiou com admirável ardor para o empreendedorismo do bem. E, com a menção de sua obra inesquecível, procuremos conhecer e valorizar esses milhares de voluntários anônimos que engrandecem o Brasil de norte a sul, com espírito de serviço e amor às causas dos mais necessitados.
(*) Christina Caldas é Coordenadora da REBRAF - Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas ( www.terceirosetor.org.br ).
Na minha longa experiência de vida em estados do Nordeste e do Sudeste do Brasil, sempre atuando em empreendimentos de voluntariado, tenho podido fazer observações, senão exaustivas, pelo menos muito amplas. Apesar de ter constantemente alimentado renovadas esperanças de ver nosso país convertido num estado desenvolvido, moderno e eficiente, esse privilégio ainda não nos foi dado. O que impressiona as pessoas da minha geração, porém, é que já conhecemos épocas de maior bem-estar social, com recursos muito mais escassos. Nas últimas décadas, entretanto, temos presenciado o inchaço do Estado, numa proporção inversa às reais necessidades dos brasileiros.
Essa constatação se agudiza quando, no campo, mas muito mais ainda nos conglomerados urbanos, vemos o crescimento da pobreza e até da miséria. Até mesmo quando surgem sinais de retomada do crescimento econômico, o realismo nos obriga a perguntar: "até quando?" Terão as nossas famílias resistência suficiente para suportar o tempo que nos separa da próxima recessão ? Pois de fato nosso povo tem conhecido, esporadicamente, surtos de crescimento, mas sem sustentabilidade duradoura. Alguns duram, irônica ou cinicamente, até às próximas eleições... Obviamente, nossos problemas são estruturais, eles só serão superados quando forem enfrentados com radicalidade.
Dói, dói muitíssimo saber que na ponta dessa pobreza cada vez mais avassaladora estão idosos com aposentadorias precárias, mulheres muitas vezes desamparadas por maridos irresponsáveis, jovens sem perspectivas de vida impelidos para a marginalidade, famílias fragilizadas, pessoas discriminadas: negros, ex-presidiários, deficientes físicos etc.
O que o poder público pode oferecer ? Se ele fosse competente nas áreas da saúde e da educação - que de resto nada mais é que sua obrigação - já seria de grande valia. Mas é exatamente nessas áreas que ele mais falha. Na maior cidade do país ainda temos crianças estudando em containers, professores que ganham salários irrisórios e doentes que devem aguardar semanas para uma consulta médica. Fome, insegurança, falta de moradias, de saneamento... pelo menos em certos bolsões do país a situação é de colapso.
O jeito em que estamos organizados - e então o certo seria dizer desorganizados - não confere credibilidade à nossa classe dirigente. A nação acaba sendo a conseqüência das contradições e da falta de visão cívica dessas chamadas lideranças.
É nesse contexto que vejo com imensa esperança o surgimento e agora a consolidação de um novo paradigma nas nossas relações sociais: o voluntariado. Exatamente porque o Estado não desempenha a contento as suas obrigações, aliás claramente identificadas na Constituição, é que o povo precisa desse aliado precioso que são os voluntários atuantes em mais de 200 mil entidades assistenciais e filantrópicas do Brasil.
Fico imaginando se o Brasil, por hipótese, ficasse privado da atuação dessas instituições e das centenas de milhares de voluntários! A situação de nosso povo, já tão ruim, ficaria penalizada ao extremo.
Se puder deixar uma mensagem pelo transcurso desta data, para mim grandemente significativa, uma mensagem dirigida sobretudo aos jovens, direi que, apesar de tudo, não podemos esmorecer. Devemos somar forças para exigir do poder público o cumprimento de seus deveres. Mas lembremo-nos também do exemplo do sociólogo Herbert de Souza, cuja memória a nação conserva sob o carinhoso apelido de Betinho, que lutou com afinco, superando até os limites de sua frágil saúde, e nos contagiou com admirável ardor para o empreendedorismo do bem. E, com a menção de sua obra inesquecível, procuremos conhecer e valorizar esses milhares de voluntários anônimos que engrandecem o Brasil de norte a sul, com espírito de serviço e amor às causas dos mais necessitados.
(*) Christina Caldas é Coordenadora da REBRAF - Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas ( www.terceirosetor.org.br ).