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Laramara guia cegos para uma vida independente

Por Rachel Melamet    27 de outubro de 2004

Deficientes visuais, parciais ou totais, aprendem desde usar a bengala de orientação, falar inglês, mexer com computadores e até mesmo a cozinhar suas próprias refeições sozinho

A beleza do ambiente é de encher os olhos. Instalações modernas e imaculadamente limpas, uma profusão de cores, mobiliário e equipamentos. Nem dá para acreditar que tudo isso é feito para quem não pode enxergar.

Mas na Laramara (Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual) nada é convencional. A entidade, que está completando 13 anos de atuação, é referência no Brasil em termos de apoio à educação, qualificação e inclusão social de crianças, jovens e adultos com deficiência visual.

O trabalho da Laramara vai muito além da simples assistência social e terapêutica. A associação busca formar pessoas independentes, capazes de trabalhar, morar sozinhas, preparar as próprias refeições, locomover-se e conviver na sociedade como iguais.

A tarefa não é nada fácil. Além das dificuldades naturais causadas pela cegueira ou baixa visão, os deficientes visuais sofrem com a baixa auto-estima, muitos consideram ser um fardo para suas famílias e a consequente depressão os torna ainda mais dependentes.

Mas a transformação é possível e, quando ocorre, deixa exultante Antonio Carlos Barqueiro, o AC, responsável pelo Proceja (Programa de Complementação Educacional de Jovens e Adultos) da Laramara.

Reaprendendo a viver – Nesse programa de capacitação, turmas de 24 deficientes passam quatro meses fazendo variados cursos: informática básica, inglês, comunicação e expressão, telemarketing, projeto de vida e autonomia –aprendem desde usar a bengala de orientação até se movimentar em ambientes externos e internos de trabalho, ir ao banheiro e usar máquinas automáticas de café, por exemplo.

"Essas tarefas parecem simples para as pessoas normais, mas são bem mais complicadas para o deficiente visual", diz AC, que começou a perder a visão na adolescência e ficou cego quando cursava Administração. Mas não entregou os pontos: aprendeu braille, fez Análise de Sistemas e trabalhou muitos anos na Sadia, até ser convidado para fazer parte da Laramara como responsável pelas Relações Institucionais da entidade com os colaboradores e futuros empregadores dos ex-alunos.

"Em quatro anos, consegui emprego para 250 deficientes visuais. Tem um contador cego e dez office boys com baixa visão trabalhando num banco. Vi muitos deles passarem de sustentados a arrimo de família", orgulha-se AC, que também exerce uma função curiosa na Laramara: é guia de visitas.

"Guia de cego todo mundo conhece, mas guia cego é uma raridade", diverte-se, enquanto conduz com precisão pelos corredores dos dois amplos prédios da Laramara. São 8 mil m², onde trabalham 200 funcionários –40 deficientes visuais– e 200 voluntários. A associação atende em média 700 crianças e jovens por mês, em serviços que vão de consultas oftalmológicas a aconselhamento psicológico, terapia ocupacional, cursos, biblioteca braille e oficinas.

No Larapark, a criançada conta com ampla brinquedoteca, piscina, parquinho e uma trilha sensorial que imita uma floresta tropical, onde podem tocar réplicas de animais como macacos, roedores, jacarés e sentir a água e as pedras do lago artificial. Integram ainda o conjunto o Laratec, laboratório de desenvolvimento de tecnologia, uma fábrica de bengalas e duas lojas.

Para sustentar toda estrutura, que consome R$ 900 mensais por criança/jovem atendido, a Laramara, além de captar doações, montou Unidades de Negócios, que prestam variados serviços e cuja renda é revertida integralmente para a entidade.

O Sambureau & Publicidade desenvolve sites, faz CD-Cards e CD-ROMs, produz revistas e house organs, além de produção fotográfica em seu moderno estúdio. O Café Teen é um espaço com toda a infra-estrutura para eventos e festas particulares. A entidade tem ainda uma gráfica e editora, o espaço cultural Tatiana Belinky e dois auditórios para locação.

O estúdio de gravação, de ótima acústica e equipamentos, vive cheio de artistas que locam o espaço para gravar CDs. A complexa mesa de som, com centenas de botões, é operada por Nino Nascimento, de 28 anos, técnico de áudio digital que perdeu totalmente a visão do olho direito num grave acidente de carro. E arrasa nos comandos eletrônicos.

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