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Muito além da caridade

Por Consumidor Moderno - http://www.consumidormoderno.com.br/   3 de novembro de 2001
Foi-se o tempo em que uma empresa socialmente responsável era aquela que oferecia a seus consumidores produtos de qualidade e pagava seus impostos. Hoje, até para garantir sua sobrevivência, as companhias precisam ir muito além. É necessário ouvir os anseios da comunidade à sua volta, de funcionários, acionistas e fornecedores e se engajar em ações que proporcionem o desenvolvimento social. Pode parecer óbvio, mas a empresa também não pode se esquecer da ética nos negócios: a responsabilidade social está diretamente ligada aos negócios da empresa e à maneira que ela os conduz. De nada vale uma organização manter programas junto a entidades sociais e divulgar seus feitos a rodo na imprensa, ao mesmo tempo em que, por exemplo, sonega impostos e paga mal seus funcionários - atitudes de "irresponsabilidade social". Para chegar ao ponto de empresa socialmente responsável é preciso mudar a cultura e os processos internos. E foi justamente com o objetivo de incentivar a implementação de políticas e práticas socialmente responsáveis nas companhias que foi realizada a Conferência Nacional 2001 - Empresas e Responsabilidade Social, organizada pelo Instituto Ethos no início de junho em São Paulo. Segundo Valdemar de Oliveira Neto, superintendente do Instituto Ethos, um dos esforços do Ethos é fornecer ferramentas que permitam às empresas incorporar a responsabilidade social no seu dia-a-dia e divulgar suas ações, tanto para o público interno como para o externo. Entre estas ferramentas estão os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social e o Guia de Elaboração de Relatório e Balanço Anual de Responsabilidade Social, lançados durante a Conferência. Ao preparar o relatório e o balanço anual, o propósito da organização é gerar transparência. "O relatório tem uma função educacional e pedagógica: passar para a sociedade o que a organização está fazendo em seu benefício e como está gerenciando seu impacto social", afirma Sérgio Esteves, consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT). "Escolher um campo da sociedade em que a empresa tenha maior competência para atuar ou realizar uma aliança estratégica com uma ONG que atue melhor em determinada iniciativa é uma boa escolha", diz. O fato do evento contar com 650 participantes, 50% mais que no ano passado, é uma prova de que o interesse das empresas pela questão social está crescendo cada dia mais. Esse número só não foi maior por falta de espaço físico - e as inscrições já estavam esgotadas semanas antes do início do evento. Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos, observou que o Ethos manteve sua vocação de estimular a transformação da sociedade. "Em menos de três anos, contamos com 430 empresas", orgulha-se. Grajew lembrou também que, hoje, um ponto que se tornou importante nas empresas é o apoio que sua imagem socialmente responsável fornece no momento de recrutamento e retenção de talentos, já que muitos profissionais, no momento de optar por uma empresa para trabalhar, preferem aquelas que tenham ações responsáveis. Nike e Petrobrás: os consumidores mostram o que não querem A conferência foi aberta por Hélio Mattar, diretor presidente do Instituto Akatu e da Fundação Abrinq. Segundo ele, o rumo das empresas hoje é definido por consumidores, investidores, líderes de opinião, governo, mídia e altos executivos, quando escolhem em que companhia querem trabalhar. Além de ditar as regras, os consumidores mostram, na prática, aquilo que não querem. O caso da Nike é um exemplo, quando teve sua imagem afetada depois de ser divulgado que a companhia tinha parceria com uma empresa asiática que explorava o trabalho infantil. "A mudança de paradigma sai de 'o problema é seu' para 'o problema é nosso'. A ética passa a ser uma pressão coletiva e os consumidores podem levar as empresas a fazerem um mundo melhor", diz Mattar. A pressão coletiva pôde ser sentida na Petrobrás. Durante o diálogo promovido no evento com Henri Philippe Reichstul, presidente da empresa, o executivo disse acreditar que a era da informação está trazendo a era da cidadania, após sentir na pele a indignação da população brasileira em relação a acidentes que provocaram danos ambientais, como a explosão da plataforma P-36 e os vazamentos na Baía da Guanabara e na Bacia do Paraná. "A sociedade agora se organiza como em nenhuma outra época para exigir uma atuação responsável, uma pressão que empurra governos e empresas para novos paradigmas", afirmou. Em função disso, a Petrobrás está passando, segundo Reichstul, pela maior revolução interna de sua história, revendo e aprimorando seus programas de gestão ambiental, segurança, saúde e atuação social, nos quais a empresa planeja investir R$3 bilhões até 2005. Empresas responsáveis crescem mais Segundo Simon Zadek, presidente do Institute of Social and Ethical AccountAbility (ISEA), as companhias podem fazer uma diferença significativa quanto às ações sociais, inserindo a responsabilidade social na estratégia corporativa. Assim, desenvolveriam constantemente produtos e serviços, forçando o concorrente a fazer o mesmo jogo. "São empresas líderes que estão tentando se alinhar com o governo, empurrando o mercado para as ações sociais", disse o especialista. Mas há também empresas que enfrentam dilemas quanto à sua atuação social. Zadek citou dois casos: o da GM, que é líder na condução do programa mundial Global Reporting Iniciative, cuja finalidade é desenhar um guia global de sustentabilidade, mas cujos produtos contribuem ativamente para o aumento do aquecimento global, e da Ericsson, que apóia as ações das Nações Unidas mas tem sua tecnologia aplicada na indústria de armas. Segundo ele, o investimento socialmente responsável está baseado na captação de empresas que tenham visão de futuro, apoiando companhias com negócios bem-sucedidos. Um exemplo é a BMW, que está quase no topo do índice de sustentabilidade da Dow Jones porque investe em causas ambientais. "A BMW entende como compensar riscos sociais ambientais produzidos agora e no futuro. É pegar a responsabilidade social e colocar no centro de como as empresas desen-volvem seus produtos para o futuro", afirma Zadek. Sem dúvida, investir em projetos sociais é um bom negócio. Além de fidelizar clientes, conquistar funcionários e ajudar no desenvolvimento do País, pode trazer retorno financeiro. Em Wall Street, por exemplo, um dos critérios para estipular o preço das ações é o comportamento ambiental da organização. Segundo Mattar, os fundos socialmente responsáveis dos Estados Unidos cresceram 180% entre 1997 e 1999, enquanto o mercado subiu em média 40% no mesmo período. Mas não podemos deixar que essa responsabilidade fique só nas mãos dos outros. Como disse Hélio Mattar em sua apresentação, lembrando que no século XV, em Florença, havia a utopia de uma sociedade justa e um orfanato que abrigava e ministrava aulas de arte a crianças carentes - e por onde passaram gênios como Michelângelo e Rafael. "Levemos a responsabilidade social ao modelo que Florença nos ensinou, um novo renascimento para que cada um de nós faça da sua vida uma obra de arte", convidou Mattar. "Somos seis bilhões de pessoas no planeta, e se cada um de nós salvar um, o mundo será salvo." Não é à toa que Mattar foi aplaudido de pé. Projetos próprios cedem lugar a ações já existentes Ao contrário do que acontecia até agora, as empresas estão deixando de criar seus próprios projetos e têm passado a ajudar financeiramente ações já existentes. Mas antes de apoiar um projeto é preciso pesquisar sua realidade e avaliar seus resultados, além de estabelecer um processo de seleção que diminua os riscos de investimentos em um programa que, por exemplo, não tenha continuidade. Essa seleção deve analisar itens como a relevância social do projeto, o impacto na comunidade e o potencial de replicabilidade para outras regiões. O crescimento de parcerias entre entidades e empresas na realização de projetos sociais está promovendo mudanças de planejamento. Um exemplo de transformação aconteceu na Fundação Vale do Rio Doce, que por 28 anos atuou em questões sociais construindo, por exemplo, casas para 16 mil famílias. Com a privatização, o foco de sua atuação na área social passou a ser a educação, dando maior importância para a eficácia dos projetos para os quais fornecia recursos. Luiz de Godoy, diretor-executivo da Fundação Vale do Rio Doce, afirma que até o início dos anos 90 as ações sociais tinham um tratamento filantrópico e eram promovidas basicamente pelo poder público e pelas empresas estatais. Depois a questão de filantropia passou a ter foco em resultados, com o investidor querendo ter retorno. "A ação, que tinha visão utópica, passou a ser de resultado", diz. Na linha de financiar projetos também está a Fundação O Boticário, que apóia causas ambientais. Em 11 anos de atividade, já patrocinou mais de 700 projetos, nos quais foram investidos cerca de US$4 milhões, com recursos provenientes do Grupo O Boticário, dos franqueadores, que contribuem voluntariamente para a Fundação, e de resultados de parcerias. Luiz Gonzaga Leal, diretor superintendente da Telemig Celulares, contou que os projetos selecionados pela empresa devem estar relacionados ao negócio da companhia e ter visibilidade. Segundo ele, ainda falta às empresas de telecomunicações conhecimento sobre como atuar na área social. "Não adianta ser responsável socialmente se não for competente no seu negócio", diz. Em pesquisa realizada pela Telemig Celulares, 80% das pessoas ouvidas apontaram avaliar a empresa em função de sua atuação social. O consumidor está de olho Em pesquisa realizada pelo Instituo Ethos, em parceria com o jornal Valor Econômico e com a empresa de pesquisas Indicator Opinião Pública, foi avaliada a percepção de 1.002 consumidores quanto à atuação social das empresa. O estudo revelou que 63% dos entrevistados levam em conta o tratamento que as companhias dão a seus funcionários e a ética na condução dos negócios na hora de dizer se a empresa é boa ou ruim. Qualidade, imagem e prestígio da marca ficaram com uma participação de 28%. Quando questionados sobre o papel que as organizações devem ter na sociedade, 31% consideraram que deveriam se concentrar em gerar lucro e empregos, pagar impostos e cumprir as leis, contra 41% do levantamento de 2000. Essa queda significa que as pessoas estão mais atentas quanto à responsabilidade social. Mas 80% também concordam que a melhor forma das organizações terem atuação social responsável é manter seu faturamento longe do vermelho, para garantir os empregos e o pagamento de impostos. A grande maioria dos consumidores - 80% - consideram de total responsabilidade das empresas fatores como tratamento adequado ao seu pessoal e práticas que não prejudiquem o meio ambiente.

Milú Villela, símbolo do Ano do Voluntariado Maria de Lourdes Egydio Villela, conhecida como Milú Villela, é um símbolo quando o assunto é voluntariado. Além de presidente do Centro de Voluntariado de São Paulo, fundou e é mantenedora da Entidade Profissionalizante para Adolescentes, que promove a formação profissional de 150 jovens de 14 a 17 anos, por semestre, com cursos paralelos à comunidade, atendimento médico, psicológico, atingindo a um total de sete mil pessoas atendidas. Milú Villela também é presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo desde 1994, onde promoveu uma nova abordagem para o patrocínio das artes plásticas e aumentou o número das exposições. É também membro do conselho de várias instituições, como Banco Itaú, Duratex, CEAL (Conselho de Empresários da América Latina), GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) e Sociedade de Cultura Artística. Milú nos concedeu um espaço na sua atribulada agenda para nos contar um pouco sobre seu trabalho social.

Consumidor Moderno: Como foi seu ingresso na atividade de trabalhos voluntários? Milú Villela: Comecei o trabalho na área social ainda na infância. Minha avó dirigia uma casa de apoio a crianças filhas de mães solteiras, mulheres muito discriminadas naquele tempo. Em uma época em que a maioria das mulheres eram só donas-de-casa, minha avó saía logo cedo e dedicava o dia a uma causa social. Ela foi sem dúvida, meu primeiro modelo de trabalho voluntário. Isso marcou minha infância e, desde então, venho tentando multiplicar esse exemplo, mostrando ao maior número de pessoas que a participação de cada um de nós é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. O trabalho social é o alimento que me faz viver dia após dia.

Consumidor Moderno: Como funciona e como surgiu o Centro de Voluntariado? Milú Villela: O Centro de Voluntariado de São Paulo é uma organização não governamental que foi fundada em 1997. Fomos o primeiro do País e hoje já existem 40 centros em vários Estados do Brasil. Quando começamos a trabalhar, não havia um modelo formatado que pudéssemos seguir. Em nosso percurso encontramos pessoas que se comprometeram com a causa e trabalharam para que nós nos tornássemos uma referência no voluntariado no Brasil, isso me traz muita alegria. O Centro tem mais de 300 organizações sociais cadastradas que recebem todos os dias voluntários encaminhados por nós.

Consumidor Moderno: O que a senhora espera no Ano Internacional do Voluntário? Milú Villela: Neste Ano Internacional do Voluntário espero poder contribuir com o meu trabalho e de toda a equipe do Comitê para a formação de uma nova postura cidadã e solidária. Por isso, o lema de nossa campanha é "Faça Parte". Este novo milênio nos mostra que as pessoas querem participar, fazer parte de um mundo melhor. Nossa função é mostrar que, com o trabalho de todos, isto é possível. Meu vínculo é sempre com o social, sinto que vivemos uma sinergia em que ações, pessoas e funções se interagem.

Consumidor Moderno: Dá para se estimar o número de pessoas no Brasil que prestam serviços voluntários? Qual tem sido o crescimento no País? Milú Villela: Segundo pesquisas recentes, existem no Brasil cerca de 20 milhões de pessoas que dedicam alguma parte de seu tempo às causas sociais. Isso equivale a 22,6% da população brasileira. Com esse percentual, estamos um pouco atrás da França, onde 23% da população pratica alguma atividade voluntária. Não temos dados, ainda, sobre a distribuição geográfica.

Consumidor Moderno: O que é necessário fazer para estimular as pessoas a se tornarem voluntárias? Milú Villela: É preciso sensibilizá-las com exemplos de pessoas que dedicam um pouco que seja de seu tempo e talento para ajudar o próximo. São belas histórias de heróis anônimos que carregam esse País com solidariedade. O voluntariado a cada dia se transforma em um imenso colchão social, que cria oportunidades e transforma a sociedade, tornando-a mais justa e solidária.

Consumidor Moderno: Quais os principais resultados que as empresas, no geral, têm conseguido com as ações sociais? Milú Villela: A preocupação social de uma empresa tornou-se um fator essencial para ela. De acordo com o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, o dinheiro investido em programas de voluntariado apresenta um retorno de 12 para um. Para cada real aplicado, o resultado é de R$12,00. Enquanto para cada real aplicado com finalidade social, o retorno, ou o que efetivamente chega ao atendimento final, está estimado em 20%, ou seja: para cada R$1, chegam apenas R$0,20. A responsabilidade nas Universidades Com a evidência que tem atualmente a responsabilidade social, chega até a ser inconcebível que o tema fique fora das salas de aula. Segundo Jacques Marcovitch, reitor da Universidade de São Paulo, a responsabilidade social na universidade significa a ética na educação. "Harmonizar a competitividade, através da responsabilidade social, é praticar a justiça social. Cabe à universidade ser parceira do governo e das entidades preocupadas com a responsabilidade social", disse. Já Carlos da Costa, do Ibmec, defendeu que é conveniente para as escolas optarem por inserir o tema responsabilidade social em seu currículo. "É uma maneira do estudante optar por entrar numa universidade que tenha afinidade com o tema ou em outra que não tenha esse compromisso." A força das pequenas empresas Anna Maria Medeiros Peliano, coordenadora da pesquisa Ação Social das empresas e Núcleo de Estudos de Políticas Públicas Não-Estatais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apresentou dados interessantes sobre as pequenas empresas: - a cada cinco reais investidos em programas sociais por empresas, um é gasto pelas pequenas empresas; - seis de cada dez empregos no Brasil são gerados pelas quatro milhões de pequenas empresas; - desse total, 420 mil desenvolvem algum tipo de ação social.

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