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Reciclagem de lixo resgata auto-estima de moradores de rua

Por Por Kátia Azevedo    23 de fevereiro de 2005
O papel volta a ser papel, a lata volta a ser lata e o ser humano volta a ser humano.” A definição é do padre José Carlos Spinola sobre o que ele considera ser o papel mais importante da reciclagem do lixo: o resgate dos excluídos, como a população de moradores de rua que encontrou na coleta de latas de alumínio e papelão uma fonte de renda e a esperança de dias melhores. Não existem dados oficiais, mas a estimativa é que cerca de 800 mil pessoas em todo o Brasil estejam sobrevivendo graças a essa atividade.

É um trabalho tão importante que por causa dele o País conquistou o título de líder mundial em reciclagem de latas de alumínio por três anos consecutivos. O último levantamento foi divulgado em maio do ano passado e tomou como base os 12 meses anteriores. No período, o Brasil reciclou 89% de todas as latas vendidas. Isso corresponde a 112 mil toneladas de alumínio, ou cerca de 8 bilhões de latinhas de refrigerantes e cervejas.

E as vantagens do processo são inúmeras. Só para se ter uma idéia, a cada quilo de alumínio reciclado, são poupados cinco quilos de bauxita –minério utilizado para produzir o alumínio. A economia é ainda maior quando se trata de energia elétrica: o gasto para reciclar uma tonelada de alumínio é 95% menor do que o necessário para confeccionar a mesma quantidade de chapas a partir da bauxita. Numa comparação, pode-se afirmar que a reciclagem de uma única latinha economiza energia suficiente para manter uma TV ligada por três horas.

De acordo com Guilherme Canielo, assessor da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade, é graças a essa economia na fabricação das embalagens que os preços da cerveja e dos refrigerantes permanecem praticamente inalterados há alguns anos. "A reciclagem do alumínio fez com que o custo das embalagens diminuísse apesar da inflação", explica ele.

E é também mais por razões econômicas, do que de conscientização ecológica, segundo a entidade, que as latinhas de alumínio usadas deixaram de ser simplesmente atiradas aos cestos de lixo. Afinal, um quilo dessas latinhas vale cerca de R$ 3. É um valor bem alto, se comparado ao do papel que fica em torno de R$ 0,40 por quilo. "Outra vantagem é que a lata de alumínio pode ser reciclada eternamente, sem que se perda a qualidade."

O padre José Carlos Spinola, no entanto, não faz distinção de material. Na sua paróquia, a São João Vianei, na praça Cornélia, na Lapa, são bem-vindos latas, papel, plástico, vidro, papelão. Tudo é reaproveitado em benefício da comunidade carente do entorno da igreja. Há oito anos, ele criou o projeto Reciclázaro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de um grupo de moradores de rua que até então usava a praça da paróquia para consumir álcool e drogas.

O sucesso superou as expectativas. Depois de uma conversa com o padre, os moradores de rua ficaram empolgados com a idéia de formar uma cooperativa de triagem de material reciclável. A comunidade também abraçou o projeto e passou a fazer doações, elevando cada vez mais a montanha de papéis, embalagens e até móveis recicláveis.

Hoje o Reciclázaro conta com dois caminhões, um centro de triagem e uma clínica de recuperação para dependentes de drogas e álcool. Os cooperados já são mais de 50, e a maioria trocou as noites no meio da rua por uma cama em casas coletivas ou entidades de assistência. “Com o trabalho no Reciclázaro, eles passaram a ter uma renda média de R$ 400, a auto-estima voltou e a forma de encarar a vida tornou-se mais positiva”, comemora o padre. "É um processo de reciclagem do homem junto com a reciclagem da natureza. A força transformadora é muito grande. O que para uns é lixo tem um valor incalculável para a gente.”

As cooperativas como a criada pelo padre José Carlos ou as organizadas por estados e prefeituras são grandes responsáveis pelo difusão da cultura de reciclagem. Uma espécie de círculo virtuoso em que o benefício social contribui para o despertar da consciência ecológica.

Para a coordenadora do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo, Elisabeth Grimberg, foi um avanço grande da sociedade tanto em termos de consciência quanto de sensibilidade. “Cada vez mais pessoas entendem a importância do trabalho feito pelos catadores, os benefícios sociais e ambientais da reciclagem. É um processo que reúne renda, limpeza e a economia”, diz.

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