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Amigos secretos

Por Rachel Melamet    30 de março de 2005
A idéia é simples –um ouvido atento e uma voz anônima e amiga do outro lado da linha, com disposição para escutar sem questionar, repreender ou dar conselhos. Mas, para quem está desesperado, deprimido e sofrendo a ponto de desejar colocar um fim à própria vida, esse "amigo secreto" pode ser a tábua de salvação, a mão que ajuda a sair do fundo do poço.

Assim funciona o Programa de Valorização da Vida, que o País inteiro conhece como CVV, que comemora 43 anos de atividade gratuita e voluntária neste mês de março. Um trabalho feito por mais de três mil voluntários anônimos, que atuam em 58 postos de atendimento, em 50 cidades de 17 Estados brasileiros e do Distrito Federal. Em 2004, eles atenderam a quase um milhão de telefonemas –uma ligação a cada 33 segundos.

Os serviços do CVV são prestados por telefone –meio mais utilizado para atendimento, pessoalmente, pelo correio e, mais recentemente, também via e-mail. Em cada posto, que funciona 24 horas por dia, há de dois a quatro telefones, atendidos por 40 a 60 voluntários, em seis turnos diários de trabalho, de quatro horas cada. Para facilitar o acesso, os números do Centro de Valorização da Vida sempre terminam em 4111, precedidos do prefixo da região ou do bairro onde estão instalados.

A solidão –mesmo a de quem vive rodeado de pessoas– é o principal motivo que leva alguém a ligar para o CVV, conta o advogado Arthur, um dos porta-vozes da instituição e voluntário do posto do Jabaquara há 27 anos, onde atua ao lado da mulher, Marilu. Inicialmente, era uma maioria esmagadora de mulheres, mas Arthur observa que o número de homens vem crescendo a cada dia. "O conceito machista de que 'homem não chora' está ficando ultrapassado. Hoje, já temos uma proporção de 55% de ligações de mulheres e 45% de homens", calcula o voluntário.

A faixa etária é variável, mas a maioria se concentra entre os 25 e 50 anos. O CVV vem tentando divulgar seus serviços entre os mais jovens, onde as taxas de suicídio têm registrado um aumento preocupante.

O mês de dezembro é a época de maior número de telefonemas. As festas de fim de ano deixam as pessoas mais propensas a fazerem um balanço de suas vidas e também é um tempo de reuniões familiares, que deprimem quem não tem família mas também podem afetar quem se sente cobrado por ter parentes mais bem-sucedidos, por exemplo.

Em seus 27 anos de voluntariado, Arthur já deu plantão no Natal e se surpreendeu. "Teve gente que ligou e, por estar vivendo uma situação de dor há semanas ou meses, nem percebeu que era noite de Natal", conta ele, que lembra ainda do curioso caso de uma pessoa que ligou no começo de dezembro só para saber se no dia 24 alguém estaria lá para ouvi-la.

Amor e unha – "Se alguém tem um problema ou enfrentou um dia difícil, chega em casa e não tem com quem desabafar ou não é compreendida, a crise se instala", explica Arthur. O que o voluntário do CVV faz é ouvir com atenção e mostrar que compreende o que se passa. "Não adianta eu dizer para uma jovem de 17 anos, desesperada porque foi abandonada pelo namorado, que ela é linda e que há muitos outros rapazes interessados nela, pois naquela hora nada mais importa para ela do que o amor perdido. Eu preciso mostrar que compreendo seu sofrimento, essa é a forma de acalmá-la", diz Arthur.

Com os idosos é a mesma coisa. "Se uma pessoa tem uma unha encravada e faz disso um drama, não adianta tentar minimizar dizendo que seu vizinho tem um câncer terminal, pois a unha continuará sendo seu maior problema. Ela quer falar disso o tempo todo e nem sempre a família tem paciência para ouvir. É aí que nós entramos", relata.

Utilidade pública – O Centro de Valorização da Vida nasceu em São Paulo em 1962, por obra de dois rapazes, então com 18 anos, que preferem se manter no anonimato. Eles observaram o aumento dos casos de suicídio nas grandes metrópoles e decidiram criar um programa de prevenção através do apoio emocional às pessoas angustiadas, nos mesmos moldes dos Samaritanos, programa de voluntariado surgido em Londres após a 2ª Guerra Mundial, e cujo lema era "be friend" (seja amigo).

Por mais de dez anos, o CVV funcionou praticamente em caráter experimental, até que, no início da década de 70, começou a se estruturar para um trabalho mais amplo. Foi reconhecido como Entidade de Utilidade Pública Federal pelo Decreto Lei nº 73.348 de 20 de dezembro de 1973, e desenvolve também outras atividades filantrópicas, como o Hospital Francisca Julia, para doentes mentais sem recursos.

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