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Sonho pode evitar a gravidez na adolescência

Por Por Rachel Melamet   6 de abril de 2005
Patrícia M. T. tem três filhos e um único desejo: conseguir uma casa onde possa morar com todos eles, hoje divididos em casas de parentes. Se o namorado Fábio, pai dos dois menores, estiver junto, tanto melhor, mas sua presença não é essencial. No mundo de fraldas, mamadeiras e 12 horas diárias de trabalho duro de Patrícia, não há muito espaço para o romantismo.

Esta jovem paulistana de 21 anos, que ficou grávida do primeiro filho, Lucas, aos 14 anos, no dia em que perdeu a virgindade, não sonha mais com as faculdades de Nutrição e Enfermagem. Interrompeu os estudos no 2º ano do segundo grau após ter a segunda filha, Sara Yasmin, aos 17 anos –outro "acidente" em sua vida sexual precoce, onde não faltou informação mas, segundo ela mesma, faltou paciência para ficar horas e horas nas filas dos postos de saúde para obter injeções e adesivos anticoncepcionais, "porque pílula eu não gosto e camisinha acaba furando".

Desse descaso nasceu Eric Kauã, hoje com oito meses, o único dos três filhos que vive com Patrícia, atualmente morando com o pai, a avó e um tio –Lucas vive com a avó materna e Yasmin com os avós paternos. Patrícia e Fábio, um motoboy que largou os estudos e ganha R$ 300 mensais, já chegaram a morar juntos, mas o desemprego os separou. A ex-futura enfermeira e nutricionista se vira como pode para garantir que nada falte às crianças –trabalha em feiras, eventos e revende roupas e calçados.

A história real de Patrícia se confunde com a de Lady Daiane, personagem vivida pela atriz Jéssica Sodré na novela "Senhora do Destino", da Rede Globo. Na ficção, Daiane engravida aos 15 anos, tem uma filha, Carmen, a quem ama muito mas não sabe como cuidar, e sofre com as limitações que sua vida passa a ter, como ir para as "baladas" e namorar. Acaba engravidando outra vez, numa relação apressada na cama da mãe, com um adolescente de outra classe social que não tem como assumir a paternidade, e termina sofrendo um aborto natural.

Triste realidade – Segundo números do Ministério da Saúde, as Daianes da vida real –meninas de 10 a 19 anos– respondem por 26% dos partos feitos no País –são 1.700 partos por dia, e mais 146 abortos registrados em hospitais. Das 17.491.139 adolescentes brasileiras de 10 a 19 anos, 1.375.044 já engravidaram pelo menos uma vez.

Soma-se a isso o fato de que a gravidez não-planejada é uma das principais causas do afastamento prematuro da escola, segundo pesquisa feita pela Unesco com mais de 10 mil jovens nos 26 Estados brasileiros.

Foi diante desse cenário que o Instituto Kaplan, ONG especializada em sexualidade, desenvolveu uma nova metodologia para ser implantada nas escolas públicas do Vale do Ribeira, região do Estado de São Paulo com os mais baixos valores de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Dos 50 municípios com pior IDH no Estado, 10 estão no Vale.

O objetivo do projeto, batizado de Vale Sonhar e que está sendo implantado em parceria com o Laboratório Pfizer e o Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo, é reduzir o índice de gravidez na adolescência, que atinge cerca de 27% das meninas da região. O trabalho inclui material didático, treinamento dos educadores e subsídios por meio de oficinas de capacitação em educação para o sexo seguro. Cerca de 12 mil alunos devem ser diretamente beneficiados.

O Vale Sonhar está em desenvolvimento nas escolas atendidas pelas Diretorias de Ensino de Registro, Miracatu e Apiaí, que englobam 14 municípios. Além do trabalho junto aos educadores, o projeto envolverá o público que freqüenta o programa Escola da Família, nos finais de semana, permitindo maior circulação das informações.

Metodologia – O estímulo à prevenção da gravidez será feito por meio dos sonhos, explica a diretora executiva do Instituto Kaplan, Maria Helena Vilela. A maioria desses jovens nunca parou para pensar qual o seu projeto de vida, que é a expressão dos seus sonhos.

Partindo desse pressuposto, as oficinas irão, na primeira etapa, investir na concretização do sonho de cada um e na definição de um projeto de vida. A partir daí, o adolescente poderá prever o impacto da gravidez em sua vida e se tornar motivado tanto para aprender, como para praticar sexo seguro.

"Quando um jovem consegue perceber o que tem a ganhar por não ter um filho na adolescência, terá interesse em saber como se prevenir e usar em seu benefício esta aprendizagem", diz Maria Helena Vilela.

Segundo a diretora do Instituto Kaplan, ainda há garotas que acreditam que uma gravidez pode tirá-las da sua condição de pobreza e falta de privacidade –ter um canto que seja seu, junto com o pai do bebê e este filho, que na sua fantasia só terá amor para lhe dar. "Infelizmente, o que se tem visto é um final longe dos contos de fada", afirma.

Mais informações: www.valesonhar.org.br

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