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UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA DA INCLUSÃO EDUCACIONAL A PARTIR DA CARTILHA

Por    3 de agosto de 2005
Dra.Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior
Coordenadora Geral da CORDE


A Constituição Federal de 1988 instituiu as bases para uma sociedade sem preconceito e sem discriminação, onde, acima de tudo, está a dignidade da pessoa humana.

As pessoas com deficiência têm seus direitos e deveres assegurados na Carta Magna e na legislação infraconstitucional, a qual usa o princípio da eqüidade para dar vida à igualdade de oportunidades para aqueles historicamente tratados e submetidos à segregação, à discriminação, aqueles que foram mantidos reféns da injustiça social.

A sociedade acostumou-se a funcionar com regimes separados também para outras minorias, como idosos, pessoas com orientação sexual diversa, ciganos, pobres, afrodescendentes, e até mesmo a maioria populacional de mulheres.

Todos vivem à margem da participação social, pois não têm acesso à tomada de decisão. Não estão permanentemente na agenda pública e acabam por existir de forma marginal na política e no orçamento público. É um agravante o fato de empreenderem lutas isoladas e muitas vezes concorrentes por sua cidadania. As minorias somadas são bem superiores ao chamado grupo majoritário, ou elites ou dominadores. A lógica da menos-valia impede que se reconheçam as interseções entre todas os segmentos da sociedade. Oculta-se a verdadeira face do todo, a diversidade e a riqueza natural da diferenças culturais, raciais, de gênero, de religião e de habilidades presentes na deficiência.

A sociedade baseada na inclusão só pode prosperar além da proposta teórica se assumir no dia-a-dia a convivência natural entre os diferentes, atendendo às suas especificidades, desconstruindo as barreiras do comportamento e todas as formas de segregação mantidas pelo Estado e pela sociedade. A inclusão real é a possibilidade de cada cidadão fazer escolhas para sua vida. Entretanto, é preciso que sejam opções verdadeiras, porque todas recebem o mesmo apoio e têm o mesmo valor social.

Quais os dados sobre as pessoas com deficiência?

O Censo Demográfico de 2000, na amostra de cerca de cinco milhões de domicílios, levantou o total de pessoas com limitação funcional, 14,5% da população, e, apesar de ter computado um contingente maior do que aqueles que se enquadram na caracterização de deficiência conforme o Decreto nº 3.298/99, assim mesmo, encontrou que um terço dessas pessoas não tem ou não ultrapassou três anos de escolarização. Este segmento está quase todo fora do mercado de trabalho, e, quando exerce alguma atividade, percebe salários inferiores àqueles do grupo sem limitações funcionais, mesmo quando apresentam a mesma habilidade profissional e grau de escolaridade. Estes indicadores incidem com maior peso sobre as pessoas com deficiência da raça negra e também sobre as mulheres. O número cresce na terceira idade e, de acordo com a faixa etária, afeta mais os homens jovens, dos 14 aos 29 anos, refletindo o perfil das causas externas, dentre elas a violência urbana por acidentes de trânsito e com armas de fogo.

Analisando-se apenas a taxa de escolarização, percebe-se com nitidez que a falta de atuação do Estado por intermédio da rede de ensino público ocasionou um grave prejuízo para as crianças e os jovens com deficiência, tornando-os ainda mais excluídos e invisíveis, fechados em casa ou em ambientes segregados.

Qual a posição do movimento das pessoas com deficiência em relação à educação inclusiva?

O movimento reflete a grande diversidade existente entre as pessoas com deficiência. São diferentes as necessidades educacionais de pessoas cegas e surdas. O sistema Braille, a orientação em mobilidade e a informática acessível para os primeiros e a Língua Brasileira de Sinais, intérpretes e ensino de português como segunda língua para os outros. Há também as ajudas técnicas para os deficientes visuais com baixa visão, os recursos de legendas para os surdos oralizados e a adaptação ao amplificador sonoro individual em outros casos de deficiência auditiva. Para os alunos com deficiência física a chave está no desenho universal, da arquitetura geral, aos ambientes internos, mobiliário e ajudas técnicas para as atividades cotidianas.

A maioria dos dirigentes de entidades e dos representantes das pessoas com deficiência foi educada em ambientes segregados ou freqüentou escolas sem a preparação para recebê-los. Por mais que defendam a inclusão social, têm pouca clareza sobre o que é a proposta da inclusão educacional. Costumam defender o sistema de ensino no qual conseguiram a sua educação. Ainda não houve um grande debate nacional sobre o tema, que permanece mais no âmbito dos pesquisadores, educadores, formuladores de políticas públicas e gestores de educação.

A questão da educação inclusiva para os alunos com deficiência mental é o ponto de maior polêmica e domina a cena. Enquanto novas entidades que buscam a cidadania das pessoas com síndrome de Down defendem a inclusão, as federações tradicionais mantêm o modelo de escolas especiais como o ideal para as crianças com deficiência mental pois foram obrigados a criar suas redes em razão de um afastamento do Estado. As lideranças das outras deficiências não assumiram a deficiência mental como parte e, assim as pessoas com deficiência mental não têm voz a não ser a dos profissionais e dos pais, tal como acontecia com os demais segmentos no passado.

Qual a base legal para a educação inclusiva?

A inclusão escolar está na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e nos documentos dela decorrentes, na Lei nº 7.853/89, no Decreto nº 3.298/99, no Decreto nº 3.956/01 (ratificação da Convenção da OEA de Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência) e no recente Decreto da Acessibilidade, de nº 5.296/04.
A inclusão educacional da pessoa com deficiência vem sendo implantada na rede comum com os apoios pedagógicos indispensáveis, para que os alunos se beneficiem da escola. Do mesmo modo, a capacitação dos professores é prioridade da Secretaria de Educação Especial do MEC. Assim, o governo federal assume sua função de proporcionar a todos o acesso à educação, ao exercício de um direito indisponível. Esta preocupação não pode se restringir ao ensino fundamental e ao ensino médio. A Secretaria de Ensino Superior lançou o edital do Programa Incluir, com recursos para tornar acessíveis algumas universidades públicas federais. Somando-se ao exposto, os editais do Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar pesquisa na linha da inclusão e o Comitê de Ajudas Técnicas criado pelo Decreto nº 5.296/04, sob responsabilidade da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, é possível perceber que a opção de governo pela inclusão é definitiva e está em franca implementação.
O que a cartilha editada pelo Ministério Público, com apoio do MEC, aborda?
A cartilha escrita por educadores e membros do Ministério Público é um texto atualizado e provocador da reflexão. Responde exatamente ao que está proposto na Lei nº 7.853/1989. A educação da criança, do jovem e do adulto com deficiência será, preferencialmente, no ensino regular. Segundo a mesma lei, é crime negar matrícula com base na deficiência e cabe ao Ministério Público zelar pelos direitos difusos e coletivos deste segmento de pessoas. Como é obrigatória a educação na faixa etária dos sete aos quatorze anos, tanto a família, como a sociedade e o Estado devem assegurar que todas as crianças e todos os jovens, com ou sem deficiência, freqüentem e progridam na escola, para formarem suas personalidades dentro de princípios éticos, alicerçados nos direitos humanos, na diversidade e na justiça social. Mantê-los separados é uma estratégia esgotada e anacrônica, que dificulta ou, na maioria das vezes, impede a inclusão nas etapas subseqüentes da vida: o trabalho e o convívio social. A noção de pertencimento não pode ser postergada, sob o risco já conhecido de abrir um espaço para a perpetuação do preconceito. A fase ideal para o convívio de todos com todos é a que se inicia nos berçários e não tem data para acabar.
Esta publicação editada pelo Ministério Público com o apoio do Ministério da Educação e do projeto Amigos da Escola, da Rede Globo, não apresenta em seu conteúdo nenhuma impertinência. É uma manifestação arrojada e com o mesmo propósito da campanha de educação inclusiva do governo federal já exibida na televisão, um veículo de comunicação de massa, a qual estimula fortemente a presença de crianças e jovens surdos, cegos, usuários de cadeiras de rodas e com deficiência intelectual (deficiência mental na lei) nas escolas da rede comum. A cartilha encoraja a comunidade escolar a agir mais rapidamente do que vem fazendo. Faz um chamamento à sociedade e às escolas de educação especializadas, para que denunciem atos de discriminação, como o de escolas que negam matrícula a um aluno com deficiência.
A produção de educadores e membros do Ministério Público serve de guia de conduta para a sociedade, gestores de educação, dirigentes, pedagogos e os próprios procuradores e promotores de justiça.
Por que a cartilha provoca tanta inquietação em alguns setores, principalmente nas redes de escolas especiais não governamentais?
A mudança causa reação e não se esperava nada diferente. Mudança existe para romper com o modus operandi de esquemas e estruturas cristalizadas na sociedade. A mudança de paradigma tem de ser bem feita e bem apoiada. A mudança precisa ser explicada e compartilhada para não se tornar ameaça. Entretanto, esta não é função de uma cartilha e sim dos gestores públicos, para avançar com o processo de inclusão escolar e valer-se do conhecimento acumulado por excelentes profissionais que estão nas escolas especiais. Cabe aos gestores, da mesma forma, ganhar o suporte desses profissionais que antes não dispunham de outro ambiente para educar as crianças com deficiência.
A maioria dos professores das escolas especiais não governamentais é de servidores das prefeituras e estão cedidos. Solicitar que eles atuem como apoio para a inclusão escolar é uma atitude acertada do processo de inclusão. Igualmente é uma estratégia correta estabelecer parcerias entre escolas do ensino comum e escolas especializadas, para complementar as atividades dos educandos com necessidades educacionais especiais. Desta maneira os alunos, inclusive aqueles com deficiência intelectual, estarão usufruindo com a convivência com as demais crianças e permitindo a elas viver a diversidade, aprendendo todos juntos com a riqueza que existe e surge a partir da valorização das características diferentes das deficiências, da raça, da etnia e de gênero, sem pretender-se esgotar a lista.
Ao transformar a inclusão educacional das crianças com deficiência em uma determinação de governo e de Estado, passam a existir providências técnicas e burocráticas a serem tomadas. A principal é alocar recursos financeiros e humanos para dar cumprimento à inclusão. Aumentar o valor do investimento na educação de alunos com deficiência nas escolas da rede pública significa acreditar no processo e dar as oportunidades de ingresso, permanência e progressão desses alunos. É este procedimento que está em andamento.
As escolas especiais, que surgiram para preencher a falta da ação do Estado, podem agora comemorar com a inclusão. Não lhes cabe mais a tarefa solitária e difícil de prestar atendimento educacional às pessoas com deficiência. A luta deu certo. As escolas comuns estão e estarão cada vez mais com as portas abertas e os ambientes preparados para receber qualquer aluno, por sinal, nada mais do que sua obrigação social e legal.
A rede de escolas especiais, formada em quase a metade dos municípios brasileiros saberá adaptar-se aos novos tempos da inclusão e não se imagina que venham a ser os opositores da inclusão. A inclusão é a materialização da chegada das pessoas com deficiência à sociedade, como parte do todo. Foi para isso que pais, profissionais e membros da sociedade se envolveram em uma cruzada em prol da igualdade de oportunidades. Agora é o momento de fazer, de acompanhar e de colocar-se a serviço das escolas comuns inclusivas.
Qual é o papel das escolas privadas em relação à inclusão de alunos com deficiência?
Está claro que escolas privadas devem obedecer à legislação e aos anseios da sociedade. Portanto, elas têm de garantir acessibilidade no sentido amplo dado pelo Decreto nº 5.296/04 e recursos pedagógicos da educação especial, pois são elementos essenciais ao acesso de todos. Estes são requisitos essenciais para a autorização de abertura e de funcionamento das escolas. Se não é permitido negar matrícula, crime já estabelecido na Lei nº 7.853/89, é porque é obrigatório dispor de todas as opções para atender quem apresenta necessidades educacionais especiais.
A opção pela escola pública ou pela escola privada é da família. Deste modo, se a família buscar uma escola privada para seu filho com deficiência, a escola vai recebê-lo, pois este é um direito dado a esta criança como a qualquer outra cuja família tenha condições financeiras para pagar matrícula, taxas e mensalidades estabelecidas no contrato. A educação especial é um instrumento para o ensino de pessoas com necessidades educacionais especiais e não cabe a uma escola privada deixar de dispor dos recursos humanos e pedagógicos necessários a esta tarefa. Por esta razão, não pode haver acréscimo de valores das mensalidades e outras taxas para a família que tenha um filho com deficiência matriculado. A educação inclusiva não existe somente para o ensino público.
Como está atuando a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, órgão d governo federal responsável pela Política Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência?
O órgão de articulação da política definida na Lei nº 7.853/89 e no Decreto nº 3.298/99 é a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, do gabinete da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Sua posição é pela inclusão educacional como base para a inclusão social. Seu papel é acompanhar a política imprimida pelo MEC e por todo o sistema educacional. É seu compromisso garantir que os direitos e a equiparação de oportunidades das pessoas com deficiência estejam atendidos, guardadas as especificidades das deficiências: física, auditiva, visual, mental e múltipla.
Cabe à Coordenadoria divulgar o direito à educação e aos recursos da educação especial em todas as escolas públicas ou privadas e ainda assegurar o direito das famílias de optar pelas escolas especiais, nas situações em que este direito existir.
Outra atividade da CORDE, definida em lei, é apresentar ao Ministério Público os elementos de convicção para que este atue em defesa dos direitos constitucionais das pessoas com deficiência, exigindo o cumprimento das condições para a inclusão educacional de alunos com deficiência.
O governo brasileiro estabeleceu como uma das prioridades a educação inclusiva criando o caminho para o país de todos. Esta decisão obedece a tratados internacionais, gerais e específicos, dos Direitos Humanos ratificados pelo Brasil. As pessoas com deficiência são sujeitos dos mesmos direitos dos demais membros da sociedade. Por decorrência imediata, os bens e serviços disponíveis na comunidade estão legalmente obrigados a lhes proporcionar o acesso.
A educação inclusiva já começou e todos estão convidados a apoiar este movimento histórico no Brasil de conquista da cidadania das pessoas com deficiência. E cada um é responsável pelo sucesso da inclusão bem implantada, responsável e conseqüente. É a partir da educação com base na diversidade que se espera que as novas gerações ultrapassem o preconceito e a discriminação contra as pessoas com deficiência.
A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência expressa sua posição de articuladora das ações governamentais, tendo como horizonte o direito inquestionável de opção das pessoas com deficiência e suas famílias por uma vida digna e feliz.

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