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Procurador fala, em Washington, sobre pessoas com deficiência no Brasil
Por    16 de outubro de 2006
O Procurador Regional do Trabalho, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, esteve em Washington (DC, USA), para participar do evento "Disability and Inclusive Development: Sharing, Learning and Building Alliances", realizado na sede do Banco Mundial, sobre o tema: "Redução da pobreza pela inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho", de 29 de novembro a 2 de dezembro de 2004. Ele foi à convite do Banco Mundial e da Organização Internacional do Trabalho. Doutor.
Doutor Ricardo Tadeu, que possui deficiência visual, conta com intensa participação nas questões que envolvem os direitos das pessoas com deficiência, em especial na área do Trabalho. No evento, falou para representantes das Américas, África, Europa, Índia e Austrália sobre a legislação e instituições brasileiras voltadas ao trabalho da pessoa com deficiência. Segundo o Procurador, que hoje atua em Curitiba (PR), o Banco Mundial apresentou os programas que executa em prol da pessoa com deficiência, frisando que busca estimular a concessão de empréstimos a baixo custo para programas sociais, preferencialmente a países que apresentem solidez legal e institucional e que desenvolvam atividades bem estruturadas, implicando governo, organizações não-governamentais e empresas, se possível simultaneamente. Em sua exposição, doutor Ricardo Tadeu mencionou a Lei de Cotas, os conselhos partidários nos âmbitos federal, estadual e municipal, bem como a função normativa desses conselhos para crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. Com relação às últimas, assinalou que o Ministério Público já vem adotando uma política pedagógica, primordialmente, utilizando-se, para o cumprimento das cotas, de medidas judiciais apenas em último caso. "Temos consciência de que a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é uma questão de mudança de paradigma cultural e social, servindo as cotas como mera medida desencadeadora das discussões sociais entre empresários, autoridades e entidades", ressalta.
Segundo o Procurador, somente após o rompimento com a ditadura militar no Brasil e a promulgação da Constituição de 1988, as pessoas com deficiência, antes conhecidas como inválidas, incapazes ou excepcionais, foram beneficiadas pelos artigos 1°, 3° e principalmente pelo 7°, que proíbe a discriminação a pessoas com deficiência em relação ao acesso ao emprego e à remuneração.
Ele citou o artigo 37, também da Constituição Federal, o qual determina que as empresas públicas ou privadas com 100 ou mais empregados em seu quadro estão obrigadas a preencher com pelo menos 2% dos cargos com pessoas portadoras de deficiência ou habilitadas. Os concursos também devem reservar 20% das suas vagas para essas pessoas.
Dr. Ricardo destaca, ainda, que ao final de sua palestra respondeu muitas questões sobre a realidade da pessoa com deficiência no Brasil, sendo muito positiva a impressão deixada pelas imagens que descreveu. No entanto, revela que não omitiu os problemas que ocorrem na área do Trabalho.
"Entre as dificuldades, a maior é a falta de escolaridade e qualificação profissional das pessoas com deficiência, que representam cerca de 14% da população brasileira, e para quem todos os índices sociais e culturais são mais preocupantes", observa. Ele acrescenta, ainda, que a Lei nº 10.097, em trâmite para regulamentação junto ao Poder Executivo, pode propiciar justamente a aproximação entre empresas, entidades e governo, para o desenvolvimento de programas de formação profissional para jovens e pessoas com deficiência. "Essa interação pode facilitar ao Brasil um aporte de recursos internacionais para o incremento da formação profissional e escolar", afirma. Veja, abaixo, trechos de sua exposição, em Washington.
O Ministério Público do Trabalho no Brasil e a pessoa com deficiência*
Os Procuradores do Trabalho, no Brasil, são nomeados através de concursos públicos a cada três anos. Inscrevem-se cerca de 8000 bacharéis em Direito e são aprovados somente cerca de 80 ou 100 candidatos. O objetivo do Ministério Público do Trabalho (Labor Public Prosecution) é defender a lei, a democracia e os direitos dos cidadãos. Há uma tradição, no Brasil, de leis escritas em códigos, livros. Descendemos da linha romano-germanica (Civil Law). Nossa atuação prioritária é: Trabalho infantil, trabalho adolescente, portadores de deficiência, trabalho escravo, combate da discriminação, moralidade pública, meio ambiente do trabalho, fraudes ao contrato de trabalho e povos indígenas.
Com relação às pessoas com deficiência houve uma grande conquista de direitos somente em 1988, quando se rompeu com a ditadura militar no Brasil, pela promulgação da mais democrática Constituição brasileira. Toda a história da democracia brasileira tem pouco mais de 16 anos. As pessoas com deficiência eram conhecidas por inválidas, incapazes ou excepcionais (anormais) e, por isso, beneficiárias do assistencialismo paternalista organizado por entidades sem fins lucrativos, organizações não governamentais, cuja atuação não alcançou a verdadeira inclusão destas pessoas. Criaram-se escolas especiais para cegos, surdos e deficientes mentais, as quais os mantinham isolados, não havia qualquer inclusão de pessoas com deficiência no trabalho, ou na sociedade.
O artigo 1º da Constituição elege como valores fundantes da República a dignidade da pessoa humana, a cidadania, bem como o valor social do trabalho e da livre iniciativa. O artigo 3º, ao seu turno, obriga o Estado Brasileiro a construir uma sociedade livre, justa e solidária e eliminar a pobreza e o preconceito. O art. 7º, inciso XXXI, proíbe que se discrimine a pessoa com deficiência em relação ao acesso ao emprego e à remuneração.
O art. 37, inciso VIII, também da Constituição Federal, determina que "A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão". Na esfera privada, também se institui a obrigatoriedade de reserva de postos a portadores de deficiência...
Tanto a Constituição quanto a lei ordinária traçam enunciados, princípios, cuja aplicação vinha se fazendo de forma casuística, nos vários níveis da Federação. O Decreto 3.298 regulamenta a legislação brasileira implementando mecanismos para a sua concretização. Quanto aos concursos públicos, havia um grande obstáculo. Os médicos oficiais consideravam, quase sempre, incompatível a deficiência com a função a ser exercida pelo candidato aprovado. O Decreto nº 3.298 impede este procedimento, determinando que os médicos apenas indiquem os instrumentos a serem utilizados pelos candidatos durante o concurso e, em caso de aprovação, no estágio probatório (período de experiência).
Outra questão diz respeito a concursos para portadores de deficiência mental que vêm reivindicando certames de demanda específica para a tarefa respectiva, sem exigência de níveis de escolaridade. Isto ainda não está previsto em lei.
Na esfera privada, o decreto delineia a inserção competitiva, a inserção seletiva, as oficinas protegidas e o trabalho independente, autônomo. A questão aqui é mais complexa, pois a visão excessivamente assistencialista que predomina na legislação e nas próprias entidades que atuam com deficientes tem impedido a verdadeira inclusão. A intermediação de mão-de-obra por associações tem sido exagerada e injustificada. Os trabalhadores com deficiência têm recebido salários reduzidos e tratamento injustamente discriminatórios. Por outro lado, o beneficio assistencial, concedido às pessoas com deficiência, finda por desencorajá-las ao ingresso no mercado de trabalho, o qual exclui o benefício em questão.
A maior dificuldade, porém, alegada pelas empresas, para o cumprimento das cotas, é a falta de qualificação profissional. Seria interessante a adoção de contratos de aprendizagem, na forma da Lei 10.097/2000, que admite a intermediação de entidades sem fins lucrativos com vistas à "formação profissional", bem como programas públicos de formação profissional.
O Ministério Publico do Trabalho acredita que as medidas coercitivas não são as melhores, porque devemos reverter uma tradição secular de assistencialismo, o que é culturalmente difícil. Tem adotado, por isso, o diálogo social para convencer empregadores, autoridades e entidades da plena cidadania da pessoa com deficiência, o que tem sido muito bem sucedido.
O último censo registrou a cifra de 14% de pessoas com deficiência no Brasil, cuja escolaridade, segundo o IBGE, não passa de dois anos e alguns meses e a empregabilidade não ultrapassa 2% daquela população. A tarefa é difícil, mas estamos apenas começando.
*Trechos da palestra proferida pelo Procurador Regional do Trabalho, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, na sede do Banco Mundial, em Washington (DC-EUA).,/i>
Doutor Ricardo Tadeu, que possui deficiência visual, conta com intensa participação nas questões que envolvem os direitos das pessoas com deficiência, em especial na área do Trabalho. No evento, falou para representantes das Américas, África, Europa, Índia e Austrália sobre a legislação e instituições brasileiras voltadas ao trabalho da pessoa com deficiência. Segundo o Procurador, que hoje atua em Curitiba (PR), o Banco Mundial apresentou os programas que executa em prol da pessoa com deficiência, frisando que busca estimular a concessão de empréstimos a baixo custo para programas sociais, preferencialmente a países que apresentem solidez legal e institucional e que desenvolvam atividades bem estruturadas, implicando governo, organizações não-governamentais e empresas, se possível simultaneamente. Em sua exposição, doutor Ricardo Tadeu mencionou a Lei de Cotas, os conselhos partidários nos âmbitos federal, estadual e municipal, bem como a função normativa desses conselhos para crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. Com relação às últimas, assinalou que o Ministério Público já vem adotando uma política pedagógica, primordialmente, utilizando-se, para o cumprimento das cotas, de medidas judiciais apenas em último caso. "Temos consciência de que a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é uma questão de mudança de paradigma cultural e social, servindo as cotas como mera medida desencadeadora das discussões sociais entre empresários, autoridades e entidades", ressalta.
Segundo o Procurador, somente após o rompimento com a ditadura militar no Brasil e a promulgação da Constituição de 1988, as pessoas com deficiência, antes conhecidas como inválidas, incapazes ou excepcionais, foram beneficiadas pelos artigos 1°, 3° e principalmente pelo 7°, que proíbe a discriminação a pessoas com deficiência em relação ao acesso ao emprego e à remuneração.
Ele citou o artigo 37, também da Constituição Federal, o qual determina que as empresas públicas ou privadas com 100 ou mais empregados em seu quadro estão obrigadas a preencher com pelo menos 2% dos cargos com pessoas portadoras de deficiência ou habilitadas. Os concursos também devem reservar 20% das suas vagas para essas pessoas.
Dr. Ricardo destaca, ainda, que ao final de sua palestra respondeu muitas questões sobre a realidade da pessoa com deficiência no Brasil, sendo muito positiva a impressão deixada pelas imagens que descreveu. No entanto, revela que não omitiu os problemas que ocorrem na área do Trabalho.
"Entre as dificuldades, a maior é a falta de escolaridade e qualificação profissional das pessoas com deficiência, que representam cerca de 14% da população brasileira, e para quem todos os índices sociais e culturais são mais preocupantes", observa. Ele acrescenta, ainda, que a Lei nº 10.097, em trâmite para regulamentação junto ao Poder Executivo, pode propiciar justamente a aproximação entre empresas, entidades e governo, para o desenvolvimento de programas de formação profissional para jovens e pessoas com deficiência. "Essa interação pode facilitar ao Brasil um aporte de recursos internacionais para o incremento da formação profissional e escolar", afirma. Veja, abaixo, trechos de sua exposição, em Washington.
O Ministério Público do Trabalho no Brasil e a pessoa com deficiência*
Os Procuradores do Trabalho, no Brasil, são nomeados através de concursos públicos a cada três anos. Inscrevem-se cerca de 8000 bacharéis em Direito e são aprovados somente cerca de 80 ou 100 candidatos. O objetivo do Ministério Público do Trabalho (Labor Public Prosecution) é defender a lei, a democracia e os direitos dos cidadãos. Há uma tradição, no Brasil, de leis escritas em códigos, livros. Descendemos da linha romano-germanica (Civil Law). Nossa atuação prioritária é: Trabalho infantil, trabalho adolescente, portadores de deficiência, trabalho escravo, combate da discriminação, moralidade pública, meio ambiente do trabalho, fraudes ao contrato de trabalho e povos indígenas.
Com relação às pessoas com deficiência houve uma grande conquista de direitos somente em 1988, quando se rompeu com a ditadura militar no Brasil, pela promulgação da mais democrática Constituição brasileira. Toda a história da democracia brasileira tem pouco mais de 16 anos. As pessoas com deficiência eram conhecidas por inválidas, incapazes ou excepcionais (anormais) e, por isso, beneficiárias do assistencialismo paternalista organizado por entidades sem fins lucrativos, organizações não governamentais, cuja atuação não alcançou a verdadeira inclusão destas pessoas. Criaram-se escolas especiais para cegos, surdos e deficientes mentais, as quais os mantinham isolados, não havia qualquer inclusão de pessoas com deficiência no trabalho, ou na sociedade.
O artigo 1º da Constituição elege como valores fundantes da República a dignidade da pessoa humana, a cidadania, bem como o valor social do trabalho e da livre iniciativa. O artigo 3º, ao seu turno, obriga o Estado Brasileiro a construir uma sociedade livre, justa e solidária e eliminar a pobreza e o preconceito. O art. 7º, inciso XXXI, proíbe que se discrimine a pessoa com deficiência em relação ao acesso ao emprego e à remuneração.
O art. 37, inciso VIII, também da Constituição Federal, determina que "A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão". Na esfera privada, também se institui a obrigatoriedade de reserva de postos a portadores de deficiência...
Tanto a Constituição quanto a lei ordinária traçam enunciados, princípios, cuja aplicação vinha se fazendo de forma casuística, nos vários níveis da Federação. O Decreto 3.298 regulamenta a legislação brasileira implementando mecanismos para a sua concretização. Quanto aos concursos públicos, havia um grande obstáculo. Os médicos oficiais consideravam, quase sempre, incompatível a deficiência com a função a ser exercida pelo candidato aprovado. O Decreto nº 3.298 impede este procedimento, determinando que os médicos apenas indiquem os instrumentos a serem utilizados pelos candidatos durante o concurso e, em caso de aprovação, no estágio probatório (período de experiência).
Outra questão diz respeito a concursos para portadores de deficiência mental que vêm reivindicando certames de demanda específica para a tarefa respectiva, sem exigência de níveis de escolaridade. Isto ainda não está previsto em lei.
Na esfera privada, o decreto delineia a inserção competitiva, a inserção seletiva, as oficinas protegidas e o trabalho independente, autônomo. A questão aqui é mais complexa, pois a visão excessivamente assistencialista que predomina na legislação e nas próprias entidades que atuam com deficientes tem impedido a verdadeira inclusão. A intermediação de mão-de-obra por associações tem sido exagerada e injustificada. Os trabalhadores com deficiência têm recebido salários reduzidos e tratamento injustamente discriminatórios. Por outro lado, o beneficio assistencial, concedido às pessoas com deficiência, finda por desencorajá-las ao ingresso no mercado de trabalho, o qual exclui o benefício em questão.
A maior dificuldade, porém, alegada pelas empresas, para o cumprimento das cotas, é a falta de qualificação profissional. Seria interessante a adoção de contratos de aprendizagem, na forma da Lei 10.097/2000, que admite a intermediação de entidades sem fins lucrativos com vistas à "formação profissional", bem como programas públicos de formação profissional.
O Ministério Publico do Trabalho acredita que as medidas coercitivas não são as melhores, porque devemos reverter uma tradição secular de assistencialismo, o que é culturalmente difícil. Tem adotado, por isso, o diálogo social para convencer empregadores, autoridades e entidades da plena cidadania da pessoa com deficiência, o que tem sido muito bem sucedido.
O último censo registrou a cifra de 14% de pessoas com deficiência no Brasil, cuja escolaridade, segundo o IBGE, não passa de dois anos e alguns meses e a empregabilidade não ultrapassa 2% daquela população. A tarefa é difícil, mas estamos apenas começando.
*Trechos da palestra proferida pelo Procurador Regional do Trabalho, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, na sede do Banco Mundial, em Washington (DC-EUA).,/i>