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Garis: a poucos passos da cidadania

Por Fernando Vieira   28 de agosto de 2007
Da vassoura ao livro, a distância é de uns poucos passos: há quase dois anos, a primeira Biblioteca do Gari funciona em um alojamento de varredores de rua do Centro de São Paulo. Entre um turno e outro, um rico acervo de literatura brasileira e de informações do dia-a-dia está ao alcance das mãos dos garis. Mas a proximidade dos livros, jornais e revistas expôs uma realidade bastante dura: a maioria dos garis não sabe ler.

Logo depois da inauguração da biblioteca, a ONG Educa São Paulo, responsável pelo projeto, realizou um levantamento nos alojamentos de varredores de rua da cidade para detectar a capacidade de leitura desses trabalhadores. O resultado apontou que 80% dos 12 mil garis da Capital são analfabetos ou semi-alfabetizados.

“Aplicamos um questionário para determinar um índice de alfabetização. E percebemos que muitos que se diziam alfabetizados, apenas conseguiam escrever seus nomes”, conta o presidente da Educa São Paulo, Devanir Amâncio. A curiosidade pela pesquisa surgiu da observação da própria biblioteca, onde grande parte dos garis pegava livros e os jornais apenas para ver figuras.

Mutirão – Para reverter esse quadro, a entidade decidiu iniciar outro projeto, o Mutirão da Alfabetização, destinado à educação dos garis. As aulas começaram há quase seis meses, no mesmo espaço da biblioteca. Divididos em duas salas, os alunos têm à disposição um programa de alfabetização e outro de ensino fundamental. Um grupo de estudantes, ligados ao Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC, parceira do projeto, se reveza como professores. “Nosso objetivo não é transformar ninguém em doutor. Ler e escrever será uma transformação na auto-estima dessas pessoas”, diz Amâncio.

A gari Antonia Maria Felippe, de 55 anos, é uma das mais entusiasmadas com a volta à escola. Tinha no currículo apenas “as primeiras séries”, porque começou a trabalhar aos sete anos e teve de abandonar o estudo. Sabia escrever seu nome e, com dificuldade, reconhecer algumas palavras. Hoje, depois de quatro meses de aula, ela afirma não ter mais dúvidas na hora de pegar um ônibus. “Ler já não é o desafio. O problema agora é só a vista mesmo. Sem os óculos não consigo enxergar”, brinca.

Até 6 – Sempre sorrindo, dona Antonia conta sua última descoberta: “Não sabia que a gente já estava no século 21. Acredita? Acho que eu estava atrasada, né?”. A felicidade da dona Antonia não é única e ela busca incentivar os colegas. “Falo para todo mundo o quanto é bom estudar. De tanto eu pegar no pé do pessoal, teve gente que decidiu participar e ficou muito feliz ao aprender um pouco de matemática”, diz a gari, ao se referir a seu Onofre, que depois dos 50 anos de idade, é capaz de contar até o número seis. “Até então, nem mesmo o telefone ele utilizava por não saber discar”, conta Antonia.

Segundo a estudante de pedagogia Rosa Miaguchiku de Oliveira, de 22 anos, uma das professoras do projeto, a maior parte dos alunos que chega à sala de aula dizendo que sabe escrever, consegue apenas “desenhar as letras, copiando”. Para ela, a maior dificuldade é vencer a barreira da vergonha. Muitos garis deixam de freqüentar as aulas, constrangidos com o fato de não saberem ler nem escrever. Resultado: dos 120 inscritos, pouco mais de 20% aparecem para as aulas. “É um desafio para todos. Afinal, há casos em que é preciso ensinar a segurar um lápis, pegando em suas mãos”, conta a professora.

Segundo o presidente da Educa São Paulo, a entidade busca firmar um acordo com um serviço de psicologia. “Queremos oferecer ajuda para que eles superem essa situação traumática e, com isso, atrair mais alunos”, diz Amâncio.

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