Por Jornal do Commercio    14 de novembro de 2001
Foto de Apoio Agência Estado
Usuária utilizando os correios para enviar mensagem de correio eletrônico
Projeto de quiosques com Internet nos Correios gera polêmica e reacende
discussão sobre melhores parâmetros para inserir população no mundo da
Na guerra contra a exclusão digital, os números a seguir são de encher os
olhos. Quatro mil quiosques de acesso à Internet serão instalados no País,
nos próximos meses, em agências dos Correios de cidades com mais de 10 mil
habitantes. O benefício, anunciado na semana passada pelo Governo Federal,
estará ao alcance de 150 milhões de pessoas, ou 88% da população brasileira
segundo o censo 2000. E, se der certo, será a primeira ação a conseguir
tanto alcance em quantidade de pessoas e localidades. Mas, para muita gente,
há mais o que questionar do que comemorar.
"Dizer que 150 milhões terão acesso à Internet é apenas um bom mote para a
campanha. Não é nada disso", diz o representante dos usuários no Comitê
Gestor da Internet, Raphael Mandarino. "O alcance é grande, mas o projeto é
muito pouco", reforça. "Essa é uma conta esdrúxula. O Brasil não tem 150
milhões que sabem ler", diz o presidente do Grupo Radix, Fernando Sodré.
Exagero no número de beneficiados, economia no benefício. Mesmo que o total
de incluídos na era digital seja o anunciado, cada usuário só terá direito a
10 minutos de Internet. Depois, tem que dar a vez ao próximo da fila. O
período é considerado ínfimo para qualquer internauta médio. "É um tempo
razoável", defende o assessor de imprensa dos Correios, Fausto Weiler. "O
usuário brasileiro residencial usa a Internet por 45 minutos, em média,
segundo estudos", diz Sodré, questionando o tempo estipulado. O modelo
proposto é baseado em uma experiência no Rio de Janeiro e em São Paulo, em
que cada usuário navega gratuitamente por apenas 15 minutos. Nos quiosques a
ser implantados nos Correios, o serviço será pago através de smart cards se
o usuário estiver navegando fora dos sites do governo. O projeto está
previsto para começar no primeiro trimestre de 2002, e atenderá também
portadores de deficiência em máquinas especiais. Ao lado do tempo de uso, o
fato de o serviço ser pago desperta polêmica. "Limitar a navegação a sites
do governo é uma tolice, um desperdício", dispara o presidente da rede de
ensino Iteci, Merval Jurema. "Há muita informação importante e muitos outros
serviços interessantes em sites de instituições não-governamentais. Não
entendi a razão da restrição." O terceiro ponto em discussão é o valor gasto
no projeto. O nome da empresa vencedora da licitação deve ser divulgado no
fim deste mês. Só a fase inicial de instalação dos quiosques prevê gastos de
R$ 125 milhões. Para a disponibilização de endereço eletrônico? Outros R$
115 milhões. E para a terceira fase, de criação de um shopping virtual, mais
R$ 22 milhões. "Não era pra gastar o dinheiro do contribuinte. Isso devia
ser como a telefonia: venda de concessões", diz o consultor Rildo Pragana.
"É uma estrutura tecnológica muito grande com pouco retorno."
Da forma como foi concebido, o projeto tem o risco de servir apenas aos já
iniciados em Internet. Ou alguém acha que quem nunca viu um computador de
perto terá condições ou se sentirá à vontade para se aventurar sozinho pelo
ciberespaço? Haverá monitores, sim (possivelmente estudantes de
Informática), mas eles devem apenas organizar os interessados e criar um
endereço eletrônico permanente para quem visitar o quiosque pela primeira
vez.
"Só oferecer acesso à Internet não é o suficiente, porque quem não souber
usar, não terá como aproveitar o benefício. É preciso haver esforços para
ensinar Informática à população, e isso é muito do que o CDI vem fazendo",
diz o presidente nacional do Comitê para a Democratização da Informática
(CDI), Rodrigo Baggio. Pelas Escolas de Informática e Cidadania do CDI já
passaram mais de 166 mil pessoas de baixa renda, num bem-sucedido projeto de
seis anos de luta pelo fim da exclusão digital.
Para Baggio, a iniciativa do governo federal é "muito válida" por atingir um
leque grande da população. Ele reconhece as limitações do projeto, mas
destaca: "Mesmo que não seja a proposta ideal, só de ter um computador
ligado à Internet, mesmo que pago, é melhor que não ter nada". Em um mundo
em que os números de miséria e analfabetismo digital sempre impressionam,
talvez ele tenha mesmo razão.