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UM SONHO NA PONTA DOS PÉS

Por Geriane Oliveira   8 de outubro de 2008
Arte, melodia, fantasia e superação na ponta dos pés. Foram esses os elementos de um sonho que se tornou realidade para 40 bailarinas da Associação de Balé e Artes para Cegos Fernanda Bianchini (ABCFB) ao apresentarem O Quebra Nozes, um célebre balé natalino de origem russa. A estréia das alunas deficientes visuais na interpretação de um espetáculo de repertório provocou aplausos fervorosos na platéia de 700 espectadores do Teatro Paulo Machado de Carvalho, em São Caetano do Sul, no final de setembro. Trata-se do primeiro grupo de cegos no mundo a realizar o espetáculo de balé clássico universal, fruto de oito meses de ensaio.

Destacando a dedicação de suas alunas, Fernanda Bianchini Saad, bailarina, fisioterapeuta, fundadora da instituição e criadora, há 14 anos, do método de ensino de balé clássico a cegos, disse que é possível sonhar. "O esforço das bailarinas garante a superação do próprio limite. Por isso, vê-las sendo aplaudidas por um grande público me deixa muito orgulhosa", salientou Fernanda, de 29 anos.

O grupo, que tem somente dois profissionais que enxergam, é formado por bailarinas de 4 a 30 anos e contou, com técnica e beleza, a história de Clara, uma menina que, na noite de Natal, ganha muitos presentes, mas se encanta pelo boneco quebra-nozes. Quem a interpretou foi a professora de balé Marina Alonso Guimarães, de 22 anos, cega desde o nascimento. Ela é aluna de Fernanda há alguns anos, desde a época em que frequentava o Instituto Padre Chico. "A gente treinava brincando", disse.

Segundo Marina um dos métodos usados por Fernanda para ensinar é colocar folhas de palmeira na cintura das alunas para ajudá-las a adquirir leveza, aprendendo assim a postura e os passos do balé. De acordo com ela, o maior desafio para uma bailarina é conquistar a leveza. "É mais fácil para quem enxerga, porque há o espelho para observar. Mas hoje sei que tudo é possível, basta ter confiança e estudar", disse.

Uma das flautistas do número Valsa dos Flocos de Neve foi Márcia Stephanie Rubin, de 16 anos. Deficiente visual parcial – enxerga a luz – descobriu o balé clássico quando ouviu uma peça de Natal. E adorou. Foi conhecer a arte mais de perto e, há dois anos, se tornou aluna da ABCFB. "Tinha medo de falhar, mas, com ajuda de todos, entrei no ritmo e me apaixonei. As músicas, a dança, tudo no balé é contagiante. Era o que me faltava", contou.

Há 14 anos – Foi um convite do Instituto de Cegos Padre Chico de São Paulo que levou Fernanda a ensinar balé a meninas deficientes visuais, há 14 anos. Ela era voluntária na entidade e começou as aulas com cinco alunas. Já no primeiro encontro percebeu o tamanho do desafio. "Pedi para as alunas imaginarem um objeto qualquer, como um balde. Elas me perguntaram: o que é balde?"

Segundo ela, não havia receita para ensinar. "O toque e a percepção corporal foram os pontos fundamentais", disse. A dedicação voluntária, o aperfeiçoando das técnicas e o empenho das alunas formaram o método inédito de Fernanda Bianchini. O projeto foi ampliado e hoje funciona na Vila Mariana, na zona sul.

A Associação passou a buscar uma maneira de apresentar seus espetáculos no circuito da categoria. "Era muito difícil, enfrentamos preconceito, mas não desistimos. Conseguimos uma oportunidade e recebemos críticas construtivas, o que estimulou as bailarinas a correrem atrás da qualidade", destacou.

Fada – A oportunidade foi fundamental para despertar vocações como a de Geyza Pereira, de 23 anos, que interpretou a fada açucarada no balé russo. "Ser bailarina era o meu sonho desde pequena", disse ela, que ficou cega aos 9 anos, após uma meningite. Geyza é professora na ABCFB, dá aulas para 16 crianças e já acumula no currículo a participação em mais de 800 espetáculos. "É maravilhoso poder levar a cultura da música e da dança clássica para as crianças, sejam elas videntes ou cegas", afirmou. Conforme disse 15 minutos antes de entrar em cena, seu desafio é o mesmo de milhões de dançarinos no mundo: conquistar o espectador. A ABCFB também chegou à TV.

Foi um programa de televisão que despertou em Talita Matos Zabo, de 12 anos, que nasceu cega, o desejo de dançar na ponta dos pés. "Ela surpreendeu a todos na família", disse a mãe, Marineide Matos Macedo, de 43 anos. Talita atuou como uma das flautistas no O Quebra-Nozes. "O começo foi difícil. Tive de aprender a me soltar para dançar levemente. Mas aprendi. Eu adoro o balé e quero ser professora", afirmou. Para a mãe, a atividade estimulou a filha a ter mais percepção física e se virar mais sozinha. "É muito gratificante", concluiu.

Dança – Atualmente, a ABCFB tem 50 alunas em 15 turmas, entre elas, o corpo de bailarinas com 15 deficientes visuais e três professoras. Além de balé clássico, oferece cursos de dança de salão, sapateado, capoeira e teatro, gratuitos. A instituição recebe alunos a partir de 4 anos até a terceira idade. Destina 10% das vagas a crianças carentes. O projeto é mantido com o patrocínio da iniciativa privada contribuição de pessoas físicas. Além disso, a ABCFB, que traz no currículo mais de mil espetáculos em 10 capitais brasileiras, conta com recursos de bilheteria. O custo anual do projeto é de R$ 200 mil. Uma das propostas da instituição é formar multiplicadores da técnica no País, além de se apresentar no exterior. Sua fundadora resume o projeto numa frase: "com elas eu aprendi que o impossível não existe"

Informações no www.ciafernandabianchini.org.br ou pelo fone 5084-8542.

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