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Crianças que "escrefem" errado

Por Kelly Ferreira / Diário do Comércio   18 de maio de 2011
A maioria dos profissionais de Educação e Saúde desconhecem a Dislexia, transtorno que dificulta a leitura e a escrita. Mas existem serviços que podem ajudar no disgnóstico e tratamento.

O analista de sistemas Bruno Gonçalves, de 24 anos, descobriu há seis anos a resposta para a sua persistente mania de refazer trabalhos e sua insistência em trocar letras e palavras: a dislexia. Pouco conhecido até mesmo por profissionais, o transtorno atinge, segundo pesquisas, entre 5% e 17% da população mundial. Ao contrário do que muitos pensam, a dislexia não é o resultado de má alfabetização, desatenção, desmotivação, condição sócio-econômica ou baixa inteligência. É uma dificuldade específica da leitura e da escrita que atrapalha o reconhecimento das letras e números, entre outros aspectos.

"Tenho consciência do problema e acho que, ao longo do tempo, me adaptei. Procuro revisar e fazer com mais calma algumas atividades. No meu dia-a-dia, o transtorno interfere na leitura de e-mails ou especificações de um trabalho, quando entendo algo totalmente diferente. Sempre peço ajuda para revisar", explicou Bruno.

No Bê-a-bá – Os indícios do transtorno aparecem ainda na fase da alfabetização, por volta dos 6 ou 7 anos. Psicólogos afirmam que o diagnóstico mais preciso acontece mesmo aos 8 anos, quando a criança já está apta a ler e escrever. Mas é preciso estar alerta a sintomas como dispersão, fraco desenvolvimento da atenção, atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem, dificuldade em aprender rimas e canções, fraco desenvolvimento da coordenação motora, dificuldade com quebra cabeça e falta de interesse por livros impressos.

"Nunca gostei de ler na escola, mas aqui (na clínica que frequenta) é bem legal. A psicopedagoga conta as histórias recentes que acontecem no mundo de uma maneira que consigo entender e gravar. Ainda leio devagar, mas estou melhorando", relatou Rafael Costa Ribeiro, de 12 anos, que tem dislexia.

Atenção - O fato de apresentar alguns dos sintomas não indica necessariamente que a pessoa seja disléxica, há outros fatores a serem observados. Porém, é um quadro que pede mais atenção e estimulação. Os sintomas que podem indicar a dislexia, antes de um diagnóstico multidisciplinar, só indicam um distúrbio de aprendizagem, não confirmam o distúrbio.

"Antes de sobrecarregar a criança com cobranças por desinteresse, falta de inteligência e preguiça, é preciso investigar se o problema é dislexia. Nem toda dificuldade ou lentidão para aprender, troca de letras ou letra cursiva disforme é dislexia. São sintomas que caracterizam o transtorno e devem ser investigados", disse a professora e diretora do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Ana Luiza Navas.

Um dos desafios para os disléxicos é associar as letras ao som. Isso acontece com várias pessoas, inclusive famosas, como os atores Tom Cruise, Orlando Bloom, e Patrick Dempsey, este último da série americana Grey’s Anatomy. Muitos que sofrem do transtorno e necessitam da leitura no trabalho, por exemplo, optam por gravarem as falas para decorar o texto.

"Ao ouvir uma palavra o cérebro identifica de maneira diferente. O som das letras v e f podem causar muita confusão por serem parecidos. Tem de entender que cada letra tem um som. É uma dificuldade, não uma doença", disse a fonoaudióloga Celina Carvalho Basile, do Instituto Cefac.

Como a dislexia é genética e hereditária, se a criança possuir pais ou outros parentes disléxicos, quanto mais cedo for realizado o diagnóstico, melhor para os pais, a escola e o próprio aluno. A criança poderá passar pelo processo de avaliação, realizado por uma equipe multidisciplinar especializada, mas se ainda não houver passado pelo processo de alfabetização, o diagnóstico será apenas de uma "criança de risco".

Tratamento – Então qual a melhor maneira de identificar a dislexia? Segundo a psicóloga Maria Inês Ocanã, da Associação Brasileira de Dislexia (ABD), a investigação deve ser feita por uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos. "A equipe deve verificar a necessidade do parecer de outros profissionais, como neurologista e oftalmologista, conforme o caso, para descartar outros fatores: déficit intelectual, disfunções ou deficiências auditivas e visuais, lesões cerebrais, desordens afetivas anteriores ao processo de fracasso escolar (com constantes fracassos escolares o disléxico irá apresentar prejuízos emocionais, mas estes são consequências, não causa da dislexia)", explicou.

Por não se tratar de uma doença, a dislexia não tem uma cura. O tratamento tem de ser feito de maneira educacional, com a ajuda de fonoaudiólogos e às vezes psicólogos. "Para muitos, descobrir o transtorno é um alívio, depois de tanta investigação Para outros, que não esperam ou não querem que seja dislexia, é muito complicado aceitar. É preciso explicar que não se trata de uma doença e que a pessoa pode conviver muito bem com o problema. O disléxico sempre contorna suas dificuldades, encontrando seu caminho", disse a fonoaudióloga Ana Luiza Navas.

Serviço:

Diagnósticos e orientação são oferecidos gratuitamente por hospitais-escola, como a Universidade de São Paulo (USP), a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a Faculdade de Medicina do ABC e a Santa Casa de São Paulo.

A Associação Brasileira de Dislexia (ABD) também faz atendimento gratuito para quem comprova falta de recursos financeiros. O atendimento nesse caso é feito às terças-feiras, das 8h às 12h. A fila de espera está em seis meses. Lista de documentação no site www.abd.org.br.

O Instituto Cefac fica na avenida Doutor Arnaldo, 2105 e o telefone é 3675-3637

Dificuldade em aprender não é preguiça

Não são apenas os pais que têm pouco conhecimento sobre a dislexia. Uma pesquisa da formanda da VI turma do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Camila Andrioli Lacerda, revelou que cerca de 70% dos profissionais da Saúde e da Educação entrevistados têm pouco conhecimento sobre o transtorno. Foram entrevistados 186 pedagogos, fonoaudiólogos, pediatras, psiquiatras e neurologistas, entre outras especialidades, que responderam a 15 questões de múltipla escolha com informações essenciais sobre dislexia. O trabalho será apresentado em junho no congresso da Associação Britânica de Dislexia, no Reino Unido.

"O diagnóstico não é fácil. A dificuldade para aprender pode ter diversas origens, como enxergar mal ou ter uma deficiência auditiva, e muitos professores acabam rotulando o estudante de preguiçoso ou de pouco inteligente, o que acaba retardando a identificação do problema. Outra questão é a dificuldade de aprendizado por falhas do sistema educacional. Ou a criança não aprende porque não teve oportunidades adequadas", explicou a professora e diretora do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Ana Luiza Navas.

Foi uma avaliação na escola que fez com que a mãe de Gabriel, de 10 anos, Marli Santos Silva, não perdesse tempo e procurasse ajuda para descobrir se o filho é disléxico. Sem muitas condições financeiras, ela procurou o Instituto Cefac, na zona oeste. O menino mostra dificuldade de aprendizado e de interação. "Em casa ele faz os exercícios e estuda. Na escola entrega as provas em branco. Ele ainda está sendo avaliado e não há um diagnóstico fechado. Mas, independente do que seja, o importante é descobrir e começar a cuidar", disse. O Cefac tem como público alvo a população desfavorecida ou em situação de vulnerabilidade social.

Segundo Ana Luiza, como nas estimativas de outros países um em cada 25 estudantes é disléxico, todo professor pode já ter encontrado alunos com o transtorno. Mas, questionados, nunca tiveram um caso de dislexia diagnosticado. "O conhecimento sobre a dislexia deve ser incorporado na formação de professores, fonoaudiólogos e pediatras", disse.

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