Notícias

Planejamento como Contrato Social

Por Revista Integração - Luiz Carlos Merege    5 de dezembro de 2001
Existe ainda uma forte resistência em organizações do terceiro setor à utilização de instrumentos modernos de gestão em suas atividades meio. Felizmente essa resistência diminuiu significativamente nos últimos anos e uma nova mentalidade social empreendedora vem ocupando um lugar cada vez maior no dia a dia das organizações.

Recordo das primeiras reações de colaboradores de uma instituição nos idos de 1995, quando fomos convidados a fazer um seminário sobre planejamento estratégico. Nossos propósitos assim como a utilidade dos instrumentos de planejamento para uma organização social foram colocados em dúvida por alguns dos participantes. Argumentavam que aquilo que expúnhamos como valioso instrumento para alavancar as atividades de prestação de serviços à comunidade, poderia ser útil para vender sabonetes mas não para a ação social. Havia uma dose de razão para levantar tal argumento pois carregávamos o nome da mais prestigiosa escola de administração de empresas e não poderíamos simplesmente transferir técnicas de administração empresarial para organizações sociais.

A ponte estabelecida entre a universidade e a prática nessa oportunidade foi gratificante para que se pudesse refletir sobre a necessidade de se produzir conhecimento específico sobre a gestão das organizações do terceiro setor. Neste exemplo, a presidente da organização já havia tomado a decisão de elaborar um plano estratégico, o que foi feito e implementado nos três anos seguintes. O curioso é que uma das contestadoras acabou, em anos recentes, assumindo a presidência da organização e confessa que sem aquela experiência a organização não teria experimentado um crescimento constante e as significativas mudanças qualitativas em sua forma de gestão. Desde então, o planejamento estratégico se constitui em instrumento básico para a eficiência e eficácia daquela organização.

Esta experiência revestiu-se de especial importância pois graças a ela pode-se refletir sobre um conceito de planejamento estratégico que espelhasse as principais características de uma organização do terceiro setor. Para tanto já havíamos desenvolvido o conceito de contrato social como referência metodológica principal no processo de elaboração de planos estratégicos para organizações do terceiro setor.

Este conceito leva em conta a forte relação de dependência das organizações de seus apoiadores externos, quer seja a comunidade onde atua, o governo, seus financiadores locais, fornecedores, parceiros, familiares de seu público, empresas e organismos internacionais. Além de ser um instrumento de mobilização de seu público interno para se atingir determinados objetivos, o plano estratégico institucional passa a ser um importante instrumento de marketing da causa social. A sua divulgação deve ser ampla e atingir principalmente os chamados "stakeholders" das organizações. Deriva-se daí o fato do plano estratégico ser um pequeno livreto com não mais de 30 páginas que deve deixar claro o que é a organização (missão, crenças, valores, serviços e produtos); o que ela pretende ser no futuro (de 3 ou 4 anos) e como vai chegar lá. Desta forma estabelece-se um compromisso público entre a organização e os seus apoiadores de que ela cumprirá determinados objetivos estratégicos que são expressos em metas quantitativas e qualitativas de prestação de serviços dentro de prazos. Trata-se de um verdadeiro contrato social entre a organização e a coletividade de apoiadores, principalmente os externos, sem o suporte dos quais as organizações do terceiro setor não sobrevivem.

Nas empresas, o plano estratégico, embora leve em consideração o público externo, a sua divulgação é restrita ao seu público interno e quando muito a seus "stockholders". A competição e o conflito de interesses entre empresas, faz com que, na maioria dos casos, o plano estratégico só esteja presente nas prateleiras dos altos dirigentes empresariais. E geralmente são cansativos calhamaços com grande detalhes técnicos.

A metodologia de fazer do plano estratégico um contrato social, é portanto, um instrumento que exige um grande compromisso da organização para o seu cumprimento. Uma vez lançado ao público externo, este público terá um instrumento poderosíssimo para avaliar o desempenho da organização. Por outro lado, se constitui na mais importante ferramenta para aumentar a credibilidade e legitimidade das organizações, uma vez que ao implementar as metas estratégicas, auditores independentes poderão testemunhar que aquela é uma organização que apresenta resultados. Desta forma, ele acaba se tornando a principal referência para as campanhas de captação de recursos, que passam a ser desenvolvidas a partir de uma consistente estratégia organizacional. Este conceito tem sido aplicado com grande sucesso nas organizações, garantindo um desenvolvimento institucional sustentável, o que significa minimizar as turbulências e garantir a melhor utilização de seus recursos humanos, materiais e financeiros no cumprimento de sua missão.



*Luiz Carlos Merege é professor titular, doutor pela Maxwell School of Citezenship and Public Affairs da Universidade de Syracuse, coordenador do curso de Administração para Organizações do Terceiro Setor e do Centro de Estudos do Terceiro Setor - CETS da FGV/EAESP. E-mail: merege@fgvsp.br

Comentários dos Leitores