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Missão social e geração de renda

Por Jornal Valor - Anamaria Schindler   18 de dezembro de 2001
Uma das alternativas para viabilizar a sustentabilidade das organizações da sociedade civil em longo prazo é a geração de renda através da implementação de um negócio social ou de um serviço. Esses empreendimentos sociais podem gerar renda para as organizações, que hoje se sustentam basicamente através de captação de recursos, gerando uma dependência exclusiva de fontes externas. Além disto, os serviços e negócios sociais geram emprego, capacitam indivíduos de baixa renda que estão fora do mercado de trabalho, jovens em risco e indivíduos com grande dificuldade de acesso a oportunidades em nossa sociedade.

Dois problemas são recorrentes nos projetos de geração de renda e de trabalho: a falta de planejamento bem feito e a não vinculação dos programas de capacitação com o mercado de trabalho. Há ainda um outro fator, que é bastante polêmico, que vem sendo questionado pelas organizações sociais. A maioria das organizações vê seu papel como organizações voltadas para mudanças sociais e políticas. A polêmica é que tais organizações argumentam que elas estariam se desviando de seu papel social e de sua missão, se passarem a focar em projetos de geração de renda para sua sustentabilidade.

Enfrentando esta polêmica, mas buscando uma solução viável para o problema da falta de um bom planejamento e da sustentabilidade em longo prazo, a Ashoka e a McKinsey&Company têm trabalhado juntas na realização de um concurso nacional de planos de negócios para organizações sociais. O Prêmio Empreendedor Social, como é chamado o concurso, tem edições anuais e gerou o livro recém publicado "Empreendimentos Sociais Sustentáveis: como elaborar planos de negócios para organizações sociais " .

Mais de 280 organizações e cerca de 300 estudantes universitários de todo o país, se inscreveram no concurso, que se iniciou em julho de 2001. Como resultado final, 10 finalistas tiveram o acompanhamento de consultores voluntários da McKinsey e três vencedores receberam as premiações na semana passada. Para as organizações, foram seis meses de estudo e de preparação de planos de negócios bastante detalhados para um novo serviço ou negócio social. Um dos fatores fundamentais para que as organizações sejam selecionadas, é que o serviço ou negócio deve necessariamente contribuir para a missão social da organização. Não se trata apenas de padarias, ou brechós, ou bazares, ou confecções, mas sim de empreendimentos que contribuam para que a organização cumpra sua missão.

Um exemplo é a Cipó (Comunicação Interativa), organização vencedora do concurso este ano, localizada na Bahia e liderada por Anna Penido. A organização utiliza a comunicação como meio educativo para trabalhar com jovens entre 14 e 24 anos, com educadores, familiares e com profissionais de mídia. A proposta da Cipó é preparar as novas gerações, prioritariamente das camadas populares, para se posicionarem de maneira crítica, empreendedora e solidária em meio a uma sociedade cuja dinâmica é cada vez mais pautada pelas tecnologias da comunicação. Para sobreviver e dar chances de sobrevivência a esses jovens, a Cipó está implementando a Cipó Produções, voltada à prestação de serviços em comunicação para organizações do terceiro setor, empresas, instituições de ensino, e organizações governamentais.

Os outros dois vencedores foram os empreendedores sociais Eduardo Valarelli do Projeto Carmim e Leila Novak da Fraternidade Universal Curumim. O Projeto Carmim atua com pacientes hospitalizados em 5 grandes hospitais de São Paulo, utilizando as artes plásticas como meio de atenuar a situação de hospitalização. Com vistas a replicar ainda mais seu projeto, mas também atender a uma crescente demanda de pessoas que querem se engajar, Eduardo está criando a Escola Social de Arte que gerará renda para o Carmim através de aulas, cursos e treinamentos para ex-pacientes, educadores voluntários e profissionais da área de saúde.

Leila Novak, do Curumim, está montando a Unidade Móvel Papel Solidário. A organização trabalha na criação de alternativas de inserção social para comunidades que vivem em torno de áreas degradadas. Atendem cerca de 900 famílias que vivem em torno de lixões. Entre as atividades, está uma oficina de reciclagem de papel, que emprega jovens que antes viviam de catar lixo. Um desdobramento das oficinas é a Unidade Móvel - uma espécie de trailer, destinado a levar oficinas de reciclagem a escolas, a empresas, a prefeituras e a outras organizações do estado de São Paulo.

Esses exemplos são três melhores práticas em planejamento de unidades de serviço ou negócio social que, além de cumprir e fortalecer as missões das organizações, também vai gerar recursos e trabalho para elas e para seu público-alvo.



Anamaria Schindler é mestre em Sociologia, vice-presidente internacional de parcerias estratégicas da Ashoka Empreendedores Sociais, www.ashoka.org.br

E-mail: Anamaria_Schindler@mckinsey.com

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