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ÉTICA NOS NEGÓCIOS: QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA

Por CATHO online - Walter Barelli   21 de dezembro de 2001
Embora seja uma prática relativamente nova nas empresas brasileiras, a responsabilidade social tem freqüentado a mídia com certa pompa - o que é bastante positivo, pois a divulgação estimula a adesão aos novos princípios, seja porque valoriza as companhias que já aderiram a eles, seja porque sinaliza um futuro nada promissor para as não-éticas.

Os dados que emergem desta ou daquela fonte, porém, indicam que a maior parte das companhias ainda não pratica responsabilidade social profissionalmente, concebida como projeto integrado ao trabalho das corporações, com orçamentos específicos, metas definidas e resultados mensurados a cada período. Predominam ações isoladas, muitas vezes filantrópicas. Aos poucos, no entanto, é certo que o Brasil seguirá os passos dos países desenvolvidos, onde, por iniciativa espontânea das empresas ou por pressão da sociedade, a responsabilidade social já está instituída.

Na Europa e nos Estados Unidos, as grandes companhias, especialmente, entenderam que neste mundo globalizado, em que a informação é cada dia mais veloz e democrática, os mercados mais interdependentes e o capital mais internacional, a ética nos negócios está se tornando questão de sobrevivência. Os grandes investidores já rejeitam participar de empresas com histórico de desrespeito aos direitos humanos ou ao meio ambiente. E multiplicam-se os fundos de investimentos em empresas que comprovam boa conduta ou vão além, aplicando parte de seus lucros em atividades que ajudam a melhorar a qualidade de vida de seus funcionários e da comunidade em geral.

Naqueles países, ainda, parte dos consumidores já ignora nas gôndolas os produtos de empresas suspeitas e aceita até pagar mais pelos fabricados por companhias idôneas.

No Brasil, já há pelo menos um fundo de investimento entre as empresas socialmente responsáveis e uma instituição financeira oferece avaliação de companhias para investidores estrangeiros interessados em aplicar recursos em empresas éticas. Os especialistas calculam que cerca de 80 companhias brasileiras atualmente divulgam o seu balanço social.

E, de acordo com vários artigos veiculados na mídia, das 400 companhias associadas ao Instituto Ethos, 73 preencheram e remeteram à entidade no ano passado o formulário Indicadores Ethos, um questionário com 155 perguntas encadeadas estrategicamente para medir o grau de responsabilidade social das empresas em relação a vários temas, que englobam de funcionários e fornecedores a comunidades, governos e meio ambiente. Os números são modestos e as informações disponíveis indicam que ainda há muito caminho a percorrer.

O item do Indicadores Ethos relativo à diversidade do quadro de funcionários, que oferece a medida da discriminação dentro das empresas, contabilizou as notas mais baixas, com média três, para uma pontuação que varia de zero a dez. Outra fonte, o Ibase, reforça a idéia de que as companhias nacionais discriminam na hora de contratar.

Das 34 empresas que publicaram o seu balanço social segundo o modelo da entidade no ano passado, apenas oito responderam o campo "número de mulheres", que representavam apenas 36% dos empregados e, em seis delas, somente 5% dos cargos de chefia. Por enquanto, mostram os estudos do Ethos, as corporações investem sobretudo nos temas comunidade e consumidor, o que na verdade é fácil depreender das ações divulgadas. Se ajudar crianças e comunidades carentes - o que é louvável e necessário ainda mais num país como o nosso - proporciona ganhos de imagem, tratar bem o consumidor pode simplesmente evitar perdas neste campo.

Neste caso, a proteção do Código de Defesa do Consumidor, legislação bastante avançada e amplamente conhecida pela população, é a peça-chave para compreendermos porque as companhias se dedicam com mais afinco ao tema. Já a falta de consciência (ou de boa vontade) em relação ao meio ambiente é mais flagrante. Embora algumas poucas empresas mantenham programas excelentes, a nota média do Ethos para o tema foi de 3,7.

Segundo a consultora da entidade, Vivian Smith, as companhias não levam em conta, por exemplo, o impacto ambiental das suas instalações, como o gerado por suas frotas de veículos (poluição e intensificação do tráfego), pelo alto consumo de energia elétrica ou o excesso de lixo produzido. Sem falar em impactos sociais, como a pressão sobre a demanda de equipamentos públicos ou a desestabilização do comércio dos arredores.

A seleção criteriosa dos fornecedores, para assegurar a responsabilidade social em toda a cadeia produtiva, é pouco comum, e as relações das empresas com os governos, segundo o estudo, continuam promíscuas. "As empresas têm qu e participar, fazer parcerias com os governos, mas com transparência", afirma a consultora.

Em contrapartida, as iniciativas vêm ganhando em qualidade. Bom exemplo é o da Fundação Banco do Brasil, que lançou o programa Banco de Tecnologias Sociais para disseminar projetos de baixo custo, fácil aplicação e alto impacto na sociedade – o programa já dispõe de 128 soluções premiadas pela fundação neste ano.

A prática planejada da responsabilidade social é, portanto, incipiente no Brasil, mas aumenta velozmente em quantidade e qualidade. Também cresce o cerco às companhias irresponsáveis. A discriminação de portadores de deficiência, por exemplo, já é condenada no Brasil, como indica pesquisa do Instituto Indicator do ano passado, segundo a qual a primeira condição do consumidor para se tornar cliente de determinada empresa é que seus quadros incluam estes trabalhadores. E mesmo as ações passadas pesam implacáveis sobre a imagem das corporações.

Um exemplo próximo é o da Shell. O jornal inglês The Guardian, em recente edição (agosto de 2001) clama pela exclusão da companhia do Ethics Index of the London Stock Exchange, que agrupa empresas promotoras de boas práticas gerenciais, por conta da poluição do terreno da sua antiga fábrica de pesticidas em Paulínia - SP entre as décadas de 70 e 80, que contamina ainda hoje a população local. A Shell agora corre atrás do prejuízo, mas fica o exemplo que não deve ser seguido.

Walter Barelli é economista. Foi diretor do Dieese, ministro do Trabalho e atualmente ocupa a função de secretário de Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo.

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