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AS EMPRESAS E O TRABALHO VOLUNTÁRIO

Por CATHO online    21 de dezembro de 2001
O ano de 2001 foi nomeado pela Onu – Organização das Nações Unidas – como o Ano Internacional do Voluntariado. Segundo a revista T&D, edição de novembro de 2001 (Times do bem - Priscila Reis Miranda), o chamado Terceiro Setor emprega hoje 1.200.000 pessoas, e movimenta cerca de R$ 10 bilhões por ano, sendo R$ 1 bilhão só em doações. Já se trata da oitava economia do mundo. Acompanhe mais adiante, ainda nesta matéria, a entrevista com Ana Maria Domeneghetti, especialista no assunto e autora do livro Voluntariado: gestão do trabalho voluntário em organizações sem fins lucrativos.

Além de ser um setor promissor, o trabalho voluntário passou a ser fator relevante também no currículo dos profissionais que buscam oportunidades no mercado de trabalho. "Podemos afirmar que colocar a realização de trabalhos voluntários no currículo é um fator mais positivo do que neutro para as empresas", afirma Adriana Gomes, vice-presidente do Grupo Catho. "A importância dada ao trabalho voluntário realizado por um candidato a emprego varia de acordo com a cultura da empresa, ou seja, empresas que consideram estes valores avaliarão este item positivamente", complementa Adriana.

Selecionadores e profissionais que trabalham com headhunting, assim como Adriana, acabam levando isso em consideração por ser esta uma característica que indica a facilidade do profissional de ampliar horizontes, rede de contatos e relacionamentos. Mas atenção, Adriana dá uma dica importante para quem pretende descrever trabalhos voluntários no currículo: não criar um item específico para descrever estas atividades. "Coloque a sua experiência com trabalhos voluntários dentro do item Atividades Extra-curriculares, e tudo bem resumido, apenas com o nome da instituição beneficiada, o período em que você desenvolveu a atividade e que tipo de trabalho exerceu", analisa Adriana. "E lembre-se de que todo trabalho voluntário deve acrescentar algo ao seu perfil profissional para merecer estar no currículo; não coloque estas informações só porque o assunto está em pauta ou porque você acha que é isso o que o mercado procura. Saiba dizer o que determinada instituição faz e por que você resolveu partir para determinado tipo de trabalho voluntário".



EMPRESA E TRABALHO VOLUNTÁRIO: UMA UNIÃO QUE DEU CERTO

É cada vez maior a quantidade de consumidores que, no momento da compra, considera importante o fato do fabricante de determinado produto participar ou não de trabalhos sociais. De acordo com a revista Distribuição, (O lucro da ação social), pesquisas recentes realizadas pelo Instituto Ethos e pelo jornal Valor Econômico mostram que 22 % dos consumidores já puniram ou privilegiaram empresas em razão da sua responsabilidade social.

As empresas já perceberam que este número tende a crescer, e estão dedicando mais atenção às ações sociais. Um exemplo é a AmBev, fusão da Brahma e da Antarctica, que investe em vários projetos de ações sociais. O incentivo à cultura e ao trabalho voluntário são prioridades da empresa. A companhia já participou da produção de mais de 15 filmes nacionais, festivais de dança e música e já patrocinou algumas escolas de teatro. No campo do voluntariado, a empresa patrocina o site www.voluntarios.com.br, que capta voluntários para várias entidades cadastradas.

Outra empresa que também investiu no social em 2001 foi a Credicard, por meio do Instituto Credicard, uma prova da representação do compromisso social das empresas Credicard, Redecard e Orbitall. O grande lançamento do instituto em 2001 foi o "Programa Jovens Escolhas – em rede com o futuro", um projeto inovador que introduz no Brasil o conceito ampliado de educação pelo empreendedorismo. A idéia é fortalecer a ação empreendedora de jovens e adolescentes na construção da cidadania por meio de ações de solidariedade social e de contribuição para o desenvolvimento de políticas públicas. Tudo por meio da criação de oportunidades e condições para que estes jovens assumam uma nova maneira de ver, viver e conviver no mundo do trabalho.

O Pão de Açúcar também investe em ações sociais e neste ano lançou o "Concurso do Voluntariado: sua história de voluntário merece um prêmio", com o apoio do Centro de Voluntariado de São Paulo. Foram premiados os 120 melhores relatos, sendo que os 30 primeiros serão publicados num livro em 2002. O autor da melhor história ganhou uma viagem de cinco dias para conhecer o trabalho social de uma organização internacional, a sua escolha.



A GESTÃO DO TRABALHO VOLUNTÁRIO

Para entender mais sobre este assunto e sobre a maneira como ele interfere no mercado de trabalho e no dia-a-dia de quem está à procura de uma (re)colocação profissional, conversamos com Ana Maria Domeneghetti, consultora do Terceiro Setor, professora do curso de Administração de empresas da Puc - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora do curso de pós-graduação lato sensu em Terceiro Setor e autora do livro Voluntariado: gestão do trabalho voluntário em organizações sem fins lucrativos.

C&S – Por que você resolveu escrever um livro sobre o Terceiro Setor? O livro é resultado da minha atuação na área. Embora existam várias obras que abordam este assunto, nenhum trata especificamente da questão do voluntariado. Esta obra subsidia comunidades menores a desenvolverem trabalhos voluntários. A leitura do livro é indicada a empresários que pretendem capacitar um quadro de voluntários para ações sociais, a entidades e fundações sem fins lucrativos, a estudantes de pós-graduação e de extensão universitária na área de Terceiro Setor e a profissionais que pretendem atuar como voluntários.

C&S – Você disse que o livro nasceu baseado em sua trajetória no Terceiro Setor. Como começou o seu interesse por esta área? Comecei cedo. Aos 13 anos, quando estudava no colégio de freiras Cristo Rei, participei de um projeto que mexeu muito comigo. Lá, os melhores alunos de cada classe eram escolhidos para desenvolver um trabalho na AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente. O trabalho destes alunos era voltado a crianças de idade semelhante, mas que tinham algum tipo de deficiência. A tarefa era ajudar as crianças portadoras de deficiência no setor escolar. Eu sempre estava no grupo, e isso me despertou a vontade de fazer alguma coisa por aquelas pessoas. Pensei: tenho dois braços, duas pernas, tenho saúde, como? Foi um baque muito sério na minha mente pré-adolescente. Na época, o meu pensamento não se transformou em nenhuma atitude concreta. Depois que me casei e tive o meu primeiro filho, a vontade de fazer algum tipo de trabalho voluntário apareceu juntamente com o meu instinto maternal. Comecei a procurar entidades e oferecer o meu trabalho quando os meus filhos já estavam moços. Acabei voltando à AACD. Ia para lá duas vezes por semana como voluntária do setor escolar e voluntária da fisioterapia infantil. O tempo passou, e fui indicada a assumir o voluntariado da AACD, o que acabou acontecendo. Isso foi de 1992 a 1996, oito horas por dia, de domingo a domingo. Depois acabei trabalhando como contratada por lá.

C&S – Estamos falando muito sobre Terceiro Setor, mas como você definiria esta expressão? O Terceiro Setor é uma expressão traduzida do inglês "Third Sector". O termo foi utilizado pela primeira vez há cerca de 20 anos no vocabulário econômico para designar as organizações que, em escala cada vez maior, cuidam dos desafios sociais de uma sociedade moderna. O chamado Terceiro Setor é um setor sem fins lucrativos que se refere a organizações que cuidam de problemas ligados à educação, saúde, meio ambiente, assistência social, abuso de álcool e drogas, sindicatos e museus, ou seja, que criam capital social e empregos.

C&S – E por que o Terceiro Setor ainda não alcançou visibilidade perante a sociedade e os outros setores? Porque ele costuma ser subestimado quanto à sua estrutura e composição. Os conceitos sobre ele vêm se baseando em quatro mitos: insignificância ou incompetência: as organizações do Terceiro Setor são incompetentes e inexperientes, não estando preparadas para enfrentarem os grandes problemas e desafios que a sociedade moderna apresenta

voluntarismo: as organizações sem fins lucrativos devem se apoiar unicamente na ação voluntária não-remunerada e na caridade privada

virtude pura: as organizações voluntárias são instituições com propósitos essencialmente públicos, responsáveis pelas camadas de necessitados e obedientes às normas democráticas

"Imaculada Conceição": noção de que a filantropia e o voluntariado constituem fenômenos novos, e que a construção deste setor pode copiar livremente os modelos de fora do país

C&S – Por onde uma empresa que gostaria de desenvolver um departamento de trabalho voluntário deve começar? A primeira coisa a ser feita é a criação de um setor de voluntários, ou seja, a criação de um departamento que tem como principal objetivo administrar o trabalho do grupo de pessoas competentes e responsáveis envolvidas por uma causa comum. Estes voluntários não recebem por este trabalho. Os mesmos cuidados valem para pessoas que pensam em montar instituições do Terceiro Setor. A equipe multifuncional deve ser liderada por alguém com experiência na área, e deve ser subdividida em funções específicas. A unidade deve ser freqüentada pelo menos uma vez por semana, com dia e período pré-marcados, durante quatro ou cinco horas.

C&S - As empresas estão investindo em ações sociais? Pesquisas realizadas pelo Gife – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - mostram que, em 2000, verificou-se um aumento de 200 % de empresas que participam de programas beneficentes. Foram cerca de R$ 430 milhões em investimentos nesta área.

C&S – É verdade que geralmente quem ganha menos doa mais? Isso vale para as empresas que faturam menos também? Os meus estudos na área propiciaram que eu fizesse esta afirmação: quem ganha menos, doa mais. Com as minhas pesquisas, percebi alguns detalhes importantes a respeito das pessoas que atuam como voluntárias:

- da população com renda familiar entre um e dois salários mínimos, 13 % doam dinheiro para instituições, o que significa 3,5 % da renda mensal desta população - entre os que recebem acima de 20 salários mínimos, a parcela doada é de 0,8 %, o que revela que 65 % das doações brasileiras são de menos de R$ 100,00 anuais; 41 % deste total são de menos de R$ 20,00, enquanto as doações acima de R$ 500,00 somam 4 %

Quanto às empresas, podemos dizer que isso não é regra. Tanto microempresas como empresas médias e multinacionais estão investindo no Terceiro Setor.

C&S – Como você prevê o futuro do Terceiro Setor? O prognóstico dos economistas é de que em 2015 o nível de exclusão social seja extremamente elevado, e será da alçada do Terceiro Setor as ações de inclusão social. Por isso é preciso estruturar e profissionalizar o trabalho voluntário de forma efetiva. O número de voluntários no Brasil já é crescente, e deve aumentar nos próximos anos.

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